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Inteiro Teor
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO
Registro: 2021.0000025811
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Agravo de Instrumento nº 2274402-39.2020.8.26.0000, da Comarca de São Paulo, em que é agravante BANCO DO BRASIL S/A, é agravado HELDER FELIPE PIRES MATOS.
ACORDAM , em sessão permanente e virtual da 23ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: Negaram provimento ao recurso. V. U. , de conformidade com o voto do relator, que integra este acórdão.
O julgamento teve a participação dos Desembargadores MARCOS GOZZO (Presidente sem voto), JOSÉ MARCOS MARRONE E VIRGILIO DE OLIVEIRA JUNIOR.
São Paulo, 20 de janeiro de 2021.
J. B. FRANCO DE GODOI
Relator
Assinatura Eletrônica
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO
VOTO Nº : 50108
AGRV.Nº: 2274402-39.2020.8.26.0000
COMARCA : SÃO PAULO
AGTE. : BANCO DO BRASIL S.A.
AGDO. : HELDER FELIPE PIRES MATOS
“TUTELA DE URGÊNCIA - Contrato bancário
Empréstimos Descontos sobre a renda líquida do consumidor Percentual máximo de 30% - Art. 2º, § 2º, I, da Lei nº 10 820/2 003 Limitação que implica no recálculo do débito e prorroga seu vencimento, obstando a instituição financeira de realizar atos coercitivos em face da parte autora no cumprimento da tutela - Inadmissível a aplicação do Decreto Estadual nº 60 435/14 (alterado pelo Decreto Estadual nº 61 470/15, que teve seu art. 3º revogado pelo Decreto 61 750/15) que prevê descontos no limite de 35% e 40% - Atendimento ao princípio da dignidade da pessoa humana - Recurso improvido“
1) Insurge-se o agravante contra r. decisão proferida nos autos da ação de conhecimento em que o MM. Juiz “a quo” deferiu a liminar para limitar os descontos relativos a empréstimos a 30% dos rendimentos do agravado. Alega, em síntese que: não estão presentes os requisitos do art. 300 do CPC; é legal os descontos em conta corrente, os quais não se confundem com os descontos em folha de pagamento; inaplicável a lei 10.820/2003 ao caso; houve violação aos arts. 313 e 314 do CC; subsidiariamente, deve ser majorada a margem para 35%; deve ser autorizada a negativação; o autor deve apresentar mensalmente seu holerith; precisa conhecer todas as fontes de renda da parte agravada. Prequestiona a matéria.
Não foi concedido o efeito pretendido.
O agravado respondeu, afirmando que: é ilegal os descontos acima de 30% dos rendimentos líquidos do servidor; os descontos afetam a sua dignidade e subsistência.
É o breve relatório.
2) Não merece acolhimento o recurso.
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Deve ser mantida a r. decisão que limitou os descontos a 30% dos vencimentos do autor-agravado.
As normas insculpidas no Código de Defesa do Consumidor aplicam-se ao caso "sub iudice" (art. 3º, § 2º), conforme preleciona LUIZ ANTONIO RIZZATTO NUNES :
“A norma faz uma enumeração específica, que tem razão de ser. Coloca expressamente os serviços de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, antecedidos do advérbio 'inclusive'. Tal designação não significa que existia alguma dúvida a respeito da natureza dos serviços desse tipo. Antes demonstra, mais uma vez, a insegurança do legislador, em especial, no caso, preocupado que os bancos, financeiras e empresas de seguro conseguissem, de alguma forma, escapar do âmbito da aplicação do CDC. Ninguém duvida de que este setor da economia presta serviços ao consumidor e que a natureza desta prestação se estabelece tipicamente numa relação de consumo” ( “COMENTÁRIOS AO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR Direito Material Arts. 1º a 54 São Paulo Saraiva 2 000 pág. 98 ).
Tal entendimento foi sumulado pelo STJ: “Súmula 297 O Código de Defesa do Consumidor é aplicável às instituições financeiras.”
O E. STF pacificou a questão com o julgamento da ADIN 2.591 reconhecendo a aplicabilidade das normas do CDC às instituições financeiras.
Em cognição sumária, ficou demonstrado através de demonstrativos de pagamento e contratos de empréstimo firmados com a instituição recorrente que houve cobrança mensal acima de 30% dos vencimentos líquidos do autor para saldar o débito com a instituição agravante.
Ocorre que o desconto de parcelas decorrentes de contratos de empréstimo
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consignado deve ser admitido desde que respeite o limite de 30% da renda líquida , como expressamente regulamentado em lei própria (Lei nº 10 820/2 003, art. 2º, § 2º, I), aplicável por analogia aos demais contratos de empréstimo .
Ademais, reza o art. 833, IV, do novo CPC, que não pode o banco-réu privar o autor de seus vencimentos:
“Art. 833. São impenhoráveis:
(...)
IV os vencimentos, os
subsídios, os soldos, os salários, as
remunerações, os proventos de
aposentadoria, as pensões, os pecúlios
e os montepios, bem como as quantias
recebidas por liberalidade de terceiro
e destinadas ao sustento do devedor e
de sua família, os ganhos de
trabalhador autônomo e os honorários
de profissional liberal, ressalvado o
§ 2º;”
Referido dispositivo legal tem como fundamento a garantia constitucional, prevista no art. 7º, X, da Constituição Federal, que determina, “in verbis”:
“Art. 7º. São direitos dos
trabalhadores urbanos e rurais, além
de outros que visem à melhoria de sua
condição social:
(...)
X proteção do salário na forma
da lei, constituindo crime sua
retenção dolosa;”
Quis a lei preservar a necessidade básica de sobrevivência do indivíduo, que não pode ver penhorados os recursos destinados à sobrevivência de sua família, conforme nos ensina HUMBERTO THEODORO JÚNIOR : “A remuneração do trabalho pessoal, de maneira geral, destinase ao sustento do indivíduo e de sua família. Trata-se, por isso, de verba de natureza alimentar, donde a sua impenhorabilidade.”
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(“PROCESSO DE EXECUÇÃO” 15ª edição pág. 253 EDIÇÃO UNIVERSITÁRIA DE DIREITO 1 991 São Paulo)
Remansosa a jurisprudência a admitir 30% como percentual máximo para desconto sobre salários, proventos ou vencimentos:
“Tutela antecipada -
Pretendido pelo agravante que os
descontos relativos às parcelas do
empréstimo fossem limitados a 30% dos
seus vencimentos líquidos -Admissibilidade da limitação
Princípio da dignidade humana -Preservado o caráter alimentar da
remuneração auferida - Aplicação do
art. 2º, § 2º, I, da Lei 10.820/2003 -Precedentes do STJ e do TJSP -Viabilidade da limitação de 30% dos
descontos incidentes sobre os
vencimentos líquidos do agravante -Agravo provido."(Agravo de
Instrumento
nº 2025705-15.2013.8.26.0000 Rel. Des.
JOSÉ MARCOS MARRONE j. 23.10.13)
“Desconto em folha de
pagamento consignado. Servidor público
estadual. Limite de 30%. Normatização
federal. 1 o decisum vergastado, ao
estabelecer o limite de desconto
consignado em 70% (setenta por cento)
do valor bruto do vencimento da
agravada, destoa da orientação do STJ,
no sentido de que tal limite deve ser
de 30% (trinta por cento) dos
rendimentos líquidos do servidor
público. 2 Os descontos de empréstimos
na folha de pagamento são limitados ao
percentual de 30% (trinta por cento)
em razão da natureza alimentar dos
vencimentos e do princípio da
razoabilidade. 3 Agravo Regimental não
provido.” (Ag Rg no RESp 1414115/RS
Rel. Min. HERMAN BENJAMIN Segunda
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Turma j. 15/05/2 014)
Nesta mesma órbita, é certo que o Decreto Estadual nº 60.435 de 13.05.2 014 (alterado pelo Decreto Estadual nº 61 470, de 02.09.2 015, que teve seu art. 3º revogado pelo Decreto 61 750, de 23.12.2 015), autoriza descontos no limite de 35% e 40% na margem consignável para o servidor público.
Tal decreto revogou o Decreto nº 51.314/2 006, que previa o desconto no limite de 50% para servidor público.
Porém, mesmo nos casos de contratos anteriores à vigência do referido regramento, há que ser seguida a orientação do E. STJ, que tem entendimento firme no sentido de limitar em 30% os descontos em caso de servidor público.
Isso porque o estabelecido no referido Decreto não prevalece sobre a garantia constitucional aos vencimentos, que têm caráter alimentar.
Confira-se:
“Desconto em folha de
pagamento consignado. Servidor Público
Estadual. Limite de 30%. Normatização
Federal. 1. O decisum vergastado, ao
estabelecer o limite de desconto
consignado em 70% (setenta por cento)
do valor bruto do vencimento da
agravada, destoa da orientação do STJ,
no sentido de que tal limite deve ser
de 30% (trinta por cento) dos
rendimentos líquidos do servidor
público. 2. Os descontos de
empréstimos na folha de pagamento são
limitados ao percentual de 30% (trinta
por cento) em razão da natureza
alimentar dos vencimentos e do
princípio da razoabilidade. 3. Agravo
Regimental não provido” (AgRG no REsp
1.414.115, Rel. Min. Herman Benjamin,
j. 15.05.2014)
“É firme a jurisprudência
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desta Corte no sentido de que
eventuais descontos em folha de
pagamento, relativos a empréstimos
consignados tomados por servidor
público, estão limitados a 30% (trinta
por cento) do valor de sua
remuneração.” (AgRg no RMS 29.988/RS,
Rel. Min. Rogério Schietti Cruz, Sexta
turma, julgado em 03/06/2014, DJe
20/06/2014. 4. Agravo regimental a que
se nega provimento” (AgRg no Agravo em
REsp nº 482.985, Rel. Min. Sérgio
Kukina, j. 18.09.2014)
Pelos mesmos fundamentos, o pedido subsidiário não prospera.
Por fim, incabível o acolhimento dos pedidos subsidiários elencados nos itens 2, 3 e 5, pois: (i) há indícios de abusividade nos descontos, o que torna ilegítima qualquer negativação; (ii) o banco já tem conhecimento da renda do agravado, tendo em vista a modalidade crédito oferecida. Desnecessária a apresentação do “holerith” mensalmente para o cumprimento da obrigação.
Ante o exposto, nega-se provimento ao recurso.
J.B. FRANCO DE GODOI
Relator