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Tribunal de Justiça de São Paulo TJ-SP - Apelação Cível : AC 1024441-48.2019.8.26.0071 SP 1024441-48.2019.8.26.0071 - Inteiro Teor
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Inteiro Teor
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO
VICE-PRESIDÊNCIA
Registro: 2021.0000028742
DECISÃO MONOCRÁTICA
APELAÇÃO Nº 1024441-48.2019.8.26.0071
CÂMARA ESPECIAL
Relator: VICE-PRESIDENTE
Apelante: Estado de São Paulo
Apelado: F. H. dos S. J. (menor)
Comarca: Bauru
Magistrado: Ubirajara Maintinguer
Reexame Necessário
V O T O Nº 57.137
APELAÇÃO. OBRIGAÇÃO DE FAZER. EDUCAÇÃO. MENOR PORTADOR DE NECESSIDADES ESPECIAIS. PRETENSÃO DE DISPONIBILIZAÇÃO DE PROFISSIONAL DE APOIO ESCOLAR. INTERESSE PROCESSUAL PRESENTE. ATENDIMENTO EDUCACIONAL ADEQUADO ÀS NECESSIDADES DO MENOR. INTELIGÊNCIA DOS ARTIGOS 205, 208, III E VII, E 227, II, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL, ARTIGOS 53, I, 54, III E VII, §§ 1º E 2º E 208, II E V, DO ECA, ARTIGO 59, I E III, DA LEI 9.394/96 E ARTIGO 3º, XIII, DA LEI 13.146/2015.
1. No presente caso, o menor é portador de necessidades especiais, as quais limitam a sua autonomia nos bancos escolares. Necessita, portanto, de profissional de apoio exclusivo para frequentar as aulas.
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2. Quadro clínico comprovado por relatórios médicos. Deve o Estado, nestas circunstâncias, assegurar ao interessado os meios necessários para proporcionar as condições adequadas à sua saúde e educação.
3. Restou comprovada a gravidade da moléstia que acomete o menor interessado, que requer acompanhamento constante, diário e capacitado, devendo o ente público prover ao autor profissional de apoio escolar exclusivo, evitando-se, assim, prejuízos na atuação deste auxiliar, bem como no desenvolvimento acadêmico do menor.
4. E a fim de dissipar eventuais divergências acerca das atribuições do especialista a ser disponibilizado pelo ente estatal para auxiliar o aluno durante as atividades escolares, a Lei 13.146/2015, que instituiu as regras de inclusão da pessoa com deficiência, estabelece no artigo 3º, inciso XIII, o “profissional de apoio escolar: pessoa que exerce atividades de alimentação, higiene e locomoção do estudante com deficiência e atua em todas as atividades escolares nas quais se fizer necessária, em todos os níveis e modalidades de ensino, em instituições públicas e privadas, excluídas as técnicas ou os procedimentos identificados com profissões legalmente estabelecidas”.
5. Reexame necessário e apelação não providos.
1. Trata-se de reexame necessário e de apelação interposta pelo Estado de São Paulo contra a r. sentença de fls. 155/163 que, em ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público, julgou procedente o pedido inicial e condenou o réu a disponibilizar professor auxiliar especializado, em tempo integral, sem interrupção, no ambiente escolar, com exclusividade para o menor, enquanto se mostrar necessário, devendo ser renovados semestralmente os atestados médicos e pedagógicos, sob pena de multa diária de R$ 200,00 (duzentos reais), limitada a R$ 25.000,00 (vinte e cinco mil reais).
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Sustenta, em síntese, a ausência de omissão estatal no tocante à política de atendimento aos alunos com necessidades especiais, pois fornecem cuidadores para acompanhar alunos com deficiência e que necessitem destes para locomoção, higiene e alimentação. Aduz caber apenas ao Poder Executivo a faculdade de regulamentar e implementar adequadamente as políticas na área de educação. Requer, assim, o provimento do recurso para julgar improcedente a demanda ou, subsidiariamente, para excluir a multa diária ou, ainda, a possibilidade de compartilhamento do professor auxiliar com outros alunos (fls. 170/184).
Apresentadas contrarrazões (fls. 189/192), foi mantida a sentença de primeiro grau (fls. 193).
A Procuradoria Geral de Justiça opinou pelo não provimento dos recursos (fls. 197/204).
É o relatório.
2. Diante da jurisprudência sedimentada e da suficiência dos documentos que instruem os autos, passa-se desde logo ao julgamento, modo de garantir ao jurisdicionado acesso pleno à ordem jurisdicional em tempo razoável, vetor constitucional introduzido pela EC nº 45.
A sentença está sujeita ao reexame obrigatório, nos termos da Súmula 490 do Superior Tribunal de Justiça, bem como da Súmula 108 deste Tribunal.
De acordo com os autos, o menor, nascido em
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30/01/2012, é portador de transtorno do espectro autista. Por apresentar dificuldades de mobilidade, coordenação e prejuízos em sua comunicação e interação social necessita, no âmbito escolar, de profissional de apoio exclusivo em sala de aula, com o propósito de auxiliar em seu desenvolvimento acadêmico (relatórios médicos e pedagógicos às fls. 20/45, 68 e 79/81).
Com efeito, o princípio da proteção integral à criança e ao adolescente, previsto no artigo 1º da Lei 8.069/90, conjugado com os artigos 205, 208, incisos III e VII, e 227, II, da Constituição Federal, os artigos 53, I, 54, incisos III e VII, parágrafos 1º e 2º e 208, II e V, do Estatuto da Criança e do Adolescente, o artigo 59, I e III, da Lei nº 9.394/96, impõem ao Estado, em seu sentido amplo, o dever de assegurar o efetivo exercício dos direitos das crianças e adolescentes, dentre os quais figura o atendimento educacional especializado aos portadores de deficiência, inclusive, se necessário, com a disponibilização de profissionais habilitados.
Nesse contexto, o Estado deve assegurar ao menor os meios necessários para proporcionar as condições adequadas à sua saúde e educação, como forma de minimizar as consequências de sua enfermidade, sem privá-lo, todavia, da necessária integração e convívio social.
O entendimento aqui esposado não destoa dos julgados desta Câmara Especial:
“MANDADO DE SEGURANÇA Menor portador de necessidades especiais - Impetração visando à concessão de acompanhamento especializado na escola pública que frequenta - Direito líquido e certo configurado - Observância aos arts. 208 da CF, e 53 e 54 do ECA Sentença concessiva
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da segurança mantida. Reexame necessário e recurso voluntário da FESP improvidos.” (Apelação nº 0000669-07.2013.8.26.0452, 9ª Câmara de Direito Público, relator Desembargador Carlos Eduardo Pachi, julgado em 19/3/2014)
“Ação civil pública Contratação de cuidador a todos os educandos portadores de necessidades especiais do município
Omissão da Administração violadora de direito à educação
Garantia do cidadão e dever do Estado que reclama a pronta inclusão educacional dos menores Decisão que visa preservar a proteção integral de crianças e adolescentes com necessidades especiais de acordo com o artigo 208, III e 227, § 1º, II, da CF e Lei nº 7.853/89 Multa diária em caso de descumprimento da obrigação Cabimento Inteligência do artigo 461, § 5º do Código de Processo Civil Recursos improvidos.” (AC nº 0002438-16.2012.8.26.0604, Câmara Especial, relator Juiz Marcelo Gordo, julgado em 13.5.2013).
De outra parte, eventual insuficiência de verbas ou
restrições orçamentárias não pode servir de desculpa para o não
atendimento especializado dos que dele precisem.
A responsabilização do ente estatal pela oferta de
acesso irrestrito à educação está amparada na Súmula 65 da Câmara
Especial do Tribunal de Justiça de São Paulo:
Não violam os princípios constitucionais da separação e independência dos poderes, da isonomia, da discricionariedade administrativa e da anualidade orçamentária as decisões judiciais que determinam às pessoas jurídicas da administração direta a disponibilização de vagas em unidades educacionais ou o fornecimento de medicamentos, insumos, suplementos e transporte a crianças ou adolescentes.
Inegável, portanto, a obrigação do Poder Público de
aparelhar-se adequadamente para garantir o padrão de qualidade do
ensino, nada lhe servindo de escusa para furtar-se ao cumprimento do
dever constitucional de oferecer atendimento educacional especializado.
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Repisando-se ao caso concreto, da análise dos autos, restou comprovada a gravidade da moléstia que acomete o menor interessado, que requer acompanhamento constante, diário, capacitado e exclusivo conforme consignado no relatório médico de fls. 34 e no depoimento prestado em juízo pela diretora da unidade escolar que o menor frequenta (fls. 152).
Diante deste panorama, deve o ente público prover ao autor profissional de apoio escolar exclusivo, evitando-se, assim, prejuízos na atuação deste auxiliar, bem como no desenvolvimento acadêmico do menor.
E, a fim de dissipar eventuais divergências acerca das atribuições do especialista a ser disponibilizado pelo ente estatal para auxiliar o autor durante as atividades escolares, a Lei 13.146/2015, que instituiu as regras de inclusão da pessoa com deficiência, estabelece no artigo 3º, inciso XIII, o “profissional de apoio escolar: pessoa que exerce atividades de alimentação, higiene e locomoção do estudante com deficiência e atua em todas as atividades escolares nas quais se fizer necessária, em todos os níveis e modalidades de ensino, em instituições públicas e privadas, excluídas as técnicas ou os procedimentos identificados com profissões legalmente estabelecidas” , encerrando-se qualquer discussão sobre o assunto.
Ressalte-se, por fim, que a imposição de multa contra o ente público está de acordo com o disposto no artigo 536, § 1º, do Código de Processo Civil, e com o artigo 213, § 2º da Lei 8.069/90 e a importância arbitrada é adequada e atende aos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade
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3. Do exposto, nega-se provimento ao reexame necessário e à apelação.
Intimem-se.
São Paulo, 21 de janeiro de 2021
LUIS SOARES DE MELLO
Vice-Presidente
Relator