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Inteiro Teor
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO Jales-SP
Nº Processo: 1006030-21.2020.8.26.0297
Registro: 2021.0000003105
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Recurso Inominado Cível nº
1006030-21.2020.8.26.0297, da Comarca de Jales, em que é recorrente FAZENDA
PÚBLICA DO ESTADO DE SÃO PAULO, é recorrido CLAUDIO APARECIDO
GONÇALVES .
ACORDAM, em 2ª Turma Cível e Criminal do Colégio Recursal - Jales,
proferir a seguinte decisão: "Deram provimento ao recurso. V. U.", de conformidade
com o voto do Relator, que integra este acórdão.
O julgamento teve a participação dos MM. Juízes MAURICIO
FERREIRA FONTES (Presidente), VINICIUS CASTREQUINI BUFULIN E RAFAEL
SALOMÃO OLIVEIRA.
Jales, 22 de janeiro de 2021.
Mauricio Ferreira Fontes
RELATOR
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO Jales-SP
Nº Processo: 1006030-21.2020.8.26.0297
Recurso nº: 1006030-21.2020.8.26.0297
Recorrente: Fazenda Pública do Estado de São Paulo
Recorrido: Claudio Aparecido Gonçalves
Voto nº 10060302120
“DECLARATÓRIA Pretensão de continuidade do
cômputo do tempo de serviço, implementando-se
todas as vantagens que deixaram de ser concedidas
no período de 28/05/2020 a 31/12/2021 Competência
da União para legislar acerca de finanças públicas e
fiscalização financeira da Administração pública
direta e indireta (CF, art. 163) Lei Complementar
n.º 173, de 27 de maio de 2020 que instituiu
exclusivamente para o exercício financeiro de 2020 o
Programa Federativo de Enfrentamento ao
Coronavírus SARS-CoV-2 (Covid-19) Suspensão do
cálculo dos adicionais temporais e da licença-prêmio
dos servidores públicos por determinado período de
tempo, e não extinção de tais direitos, ante o
enfrentamento da pandemia Estado de calamidade
pública reconhecido no Estado de São Paulo (Decreto
Legislativo n.º 2.493/2020) e consequente limitação
com gasto de pessoal conforme o Ato Normativo n.º
1/2020 Medida (congelamento da contagem de
tempo de serviço) que se mostra razoável ante o
contexto vivenciado no País Sentença reformada
Recurso a que se dá provimento.”
Vistos etc.
A FAZENDA PÚBLICA DO
ESTADO DE SÃO PAULO interpôs recurso inominado, na forma do art. 41 da Lei nº
9.099/95, objetivando a reforma da r. sentença de primeiro grau que julgou procedente o
pedido feito por CLÁUDIO APARECIDO GONÇALVES para o fim de determinar
que a ré passe a contar o tempo de serviço da parte autora, para fins de licença-prêmio
(mediante conversão em pecúnia), quinquênio e sexta parte; determinar a continuidade
do cômputo do tempo de serviço para todos os fins, inclusive para obtenção de vantagens
por tempo de serviço como o quinquênio, a sexta-Parte e a licença-prêmio e o direito de
sua conversão em pecúnia, com a consequente apostila do direito em suas fichas
funcionais; condenar a ré na implementação à parte autora de todas as vantagens por
tempo de serviço que deixaram de ser concedidas a estes, pelo não cômputo do tempo de
serviço do período de 28/05/2020 a 31/12/2021 para estes fins, além do pagamento dos
valores pretéritos, acrescido dos consectários legais.
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Regularmente processado o recurso,
foram oferecidas contrarrazões.
É o relatório.
VOTO.
O recurso comporta provimento,
respeitado o convencimento do nobre magistrado sentenciante.
A Lei Complementar n.º 173/2020,
alterando a Lei Complementar n.º 101/2000, instituiu exclusivamente para o exercício
financeiro de 2020 o Programa Federativo de Enfrentamento ao Coronavírus SARSCoV-2 (Covid-19) e, em seu art. 8.º, IX, assim dispôs:
“Art. 8º Na hipótese de que trata o art. 65 da Lei Complementar nº 101,
de 4 de maio de 2000, a União, os Estados, o Distrito Federal e os
Municípios afetados pela calamidade pública decorrente da pandemia
da Covid-19 ficam proibidos, até 31 de dezembro de 2021, de:
(...)
IX - contar esse tempo como de período aquisitivo necessário
exclusivamente para a concessão de anuênios, triênios, quinquênios,
licenças-prêmio e demais mecanismos equivalentes que aumentem a
despesa com pessoal em decorrência da aquisição de determinado tempo
de serviço, sem qualquer prejuízo para o tempo de efetivo exercício,
aposentadoria, e quaisquer outros fins.”
Como é consabido, compete à União, por
meio de lei complementar, legislar acerca de finanças públicas e fiscalização financeira
da Administração pública direta e indireta, seja ela federal, estadual, distrital ou
A Lei Complementar n.º 101/2000, por
seu turno, estabelece normas de finanças públicas voltadas para a responsabilidade na
gestão fiscal, destinando-se a todos os entes da Federação:
“Art. 1.º Esta Lei Complementar estabelece normas de finanças públicas
voltadas para a responsabilidade na gestão fiscal, com amparo no
Capítulo II do Título VI da Constituição.
§ 1.º A responsabilidade na gestão fiscal pressupõe a ação planejada e
transparente, em que se previnem riscos e corrigem desvios capazes de
afetar o equilíbrio das contas públicas, mediante o cumprimento de
metas de resultados entre receitas e despesas e a obediência a limites e
condições no que tange a renúncia de receita, geração de despesas com
pessoal, da seguridade social e outras, dívidas consolidada e mobiliária,
operações de crédito, inclusive por antecipação de receita, concessão de
garantia e inscrição em Restos a Pagar.
§ 2.º As disposições desta Lei Complementar obrigam a União, os
Estados, o Distrito Federal e os Municípios .” (grifo nosso)
Na sequência, estabelece no art. 65:
“Art. 65. Na ocorrência de calamidade pública reconhecida pelo
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Congresso Nacional, no caso da União, ou pelas Assembleias
Legislativas, na hipótese dos Estados e Municípios, enquanto perdurar a
situação:
I - serão suspensas a contagem dos prazos e as disposições
estabelecidas nos arts. 23, 31 e 70;
II - serão dispensados o atingimento dos resultados fiscais e a limitação
de empenho prevista no art. 9.º.
§ 1º Na ocorrência de calamidade pública reconhecida pelo Congresso
Nacional, nos termos de decreto legislativo, em parte ou na
integralidade do território nacional e enquanto perdurar a situação,
além do previsto nos inciso I e II do caput:
I - serão dispensados os limites, condições e demais restrições aplicáveis
à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios, bem como
sua verificação, para:
a) contratação e aditamento de operações de crédito;
b) concessão de garantias;
c) contratação entre entes da Federação; e
d) recebimento de transferências voluntárias;”
A Lei Complementar n.º 101/2000 já foi
julgada constitucional pelo C. Supremo Tribunal Federal, quando este concluiu que a lei
complementar federal não fere a autonomia dos entes federativos. Confira-se:
“A primeira das alegações apresentadas na inicial da ADI 2238 derivada do
suposto desrespeito ao princípio federativo é a que supõe que a necessidade de
indicação, no anexo de metas fiscais das respectivas Leis de Diretrizes
Orçamentárias (LDO), da consistência das metas estabelecidas em
conformidade com as premissas e com os objetivos da política nacional, seria
uma forma drástica de esvaziamento da autonomia dos entes subnacionais, pois
a política econômica nacional não seria definida única e exclusivamente pela
União. O argumento não merece acolhida. Como foi salientado no tópico
anterior, as capacidades fiscais, numa federação cooperativa, devem ser
exercidas com visão de conjunto, para que a realização dos projetos de cada
nível de governo caminhe para um desfecho harmônico. Esse é o sentido da
norma em questão. Ela não tem a pretensão de reduzir a política estadual e a
municipal a uma mímica dos projetos estabelecidos pela União, mas de
determinar que a programação das metas fiscais dos entes subnacionais leve em
consideração indicadores e parâmetros ínsitos à economia nacional, tais como
taxa de juros, crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) e inflação. Ao
contrário de deteriorar qualquer autonomia, a exigência é absolutamente
consentânea com as normas da Constituição Federal e com o fortalecimento do
federalismo fiscal responsável.” (STF, Plenário, ADIs 2238, 2250, 2261, 2256,
2324, 2241 e 2365; ADPF 24, 22/08/2019, Relator Mininstro Alexandre de
Moraes)
Não se olvide, ainda, que as despesas
com pessoal também encontram diretrizes fixadas no art. 169 da Constituição Federal:
“Art. 169. A despesa com pessoal ativo e inativo da União, dos Estados, do
Distrito Federal e dos Municípios não poderá exceder os limites estabelecidos
em lei complementar.
§ 1.º A concessão de qualquer vantagem ou aumento de remuneração, a criação
de cargos, empregos e funções ou alteração de estrutura de carreiras, bem como
a admissão ou contratação de pessoal, a qualquer título, pelos órgãos e
entidades da administração direta ou indireta, inclusive fundações instituídas e
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mantidas pelo poder público, só poderão ser feitas:
I - se houver prévia dotação orçamentária suficiente para atender às projeções
de despesa de pessoal e aos acréscimos dela decorrentes;
II - se houver autorização específica na lei de diretrizes orçamentárias,
ressalvadas as empresas públicas e as sociedades de economia mista.
§ 2.º Decorrido o prazo estabelecido na lei complementar referida neste artigo
para a adaptação aos parâmetros ali previstos, serão imediatamente suspensos
todos os repasses de verbas federais ou estaduais aos Estados, ao Distrito
Federal e aos Municípios que não observarem os referidos limites.”
Embora haja a necessidade de lei
específica e de iniciativa privativa do chefe do Executivo (CF, art. 37, X) para suprimir
ou criar os denominados adicionais por tempo de serviço, também previstos na
Constituição Estadual, tais regramentos constitucionais, mesmo antes da pandemia que
assola o mundo, convivem de forma harmônica com todas as normas de finanças
públicas e de limite de despesas de pessoal supracitadas.
Nessa ordem de ideias, a Lei
Complementar n.º 173/2020 não extingue os adicionais temporais nem a licença-prêmio
dos servidores que preencherem os requisitos legais, senão apenas impõe suspensão de
seu cálculo por determinado período de tempo, visando à austeridade fiscal dos entes
federativos para melhor enfrentamento da pandemia causada pela covid-19, de sorte que
a alteração legislativa em análise não tratou de direitos incorporados ao patrimônio do
servidor público, não havendo falar-se em alteração de regime jurídico.
Não bastasse isso, no âmbito estadual,
em 30/05/2020, a Assembleia Legislativa reconheceu, para efeitos do art. 65 da Lei
Complementar n.º 101/2000, o estado de calamidade pública no Estado de São Paulo por
meio do Decreto Legislativo n.º 2.493/2020, que assim dispôs:
“Art. 1.º Fica reconhecido, para efeitos do artigo 65 da Lei Complementar
Federal n.º 101, de 4 de maio de 2000, o estado de calamidade pública no
Estado de São Paulo até 31 de dezembro de 2020, objeto do Decreto nº 64.879,
de 20 de março de 2020.”
Nessa esteira foi editado o Ato
Normativo n.º 1/2020 - TJ/TCE/MP, de 03/06/2020, que dispôs sobre as limitações com
gasto de pessoal impostas pela Lei Complementar n.º 173/2020 nos seguintes termos:
“Art. 1.º Ficam vedadas, entre o dia 27 de maio de 2020 a 31 de dezembro de
2021:
I - a concessão, a qualquer título, de vantagem, aumento, reajuste ou adequação
de remuneração, bem como a criação ou majoração de qualquer vantagem ou
benefício pecuniário, inclusive indenizatório, salvo se o ato de concessão
decorrer de decisão judicial transitada em julgado ou determinação legal
anterior à vigência da Lei Complementar nº 173, de 2020.
II a admissão ou contratação de pessoal, salvo reposição de cargos de chefia,
direção e assessoramento que não implique aumento de despesa, bem como as
reposições decorrentes da vacância de cargos efetivos ou vitalícios, autorizada
a realização de concurso público exclusivamente para esta última hipótese;
III a contagem deste tempo como de período aquisitivo necessário para a
concessão de qualquer adicional por tempo de serviço, sexta-parte e licença
prêmio, assegurado o cômputo para os demais fins, como para a aposentadoria.
Art. 2.º A vedação contida no inciso II, do art. 1º, não obsta os procedimentos
tendentes à lotação, à relotação, à realocação ou ao remanejamento, em sua
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vacância, de cargos efetivos ou vitalícios já criados, mediante destinação à
unidade administrativa diversa, visando ao atendimento das necessidades do
serviço e à melhor distribuição de pessoal e desde que não implique aumento de
despesa.
Art. 3.º Este Ato Normativo entra em vigor na data de sua publicação,
revogadas as disposições em contrário.”
No mesmo sentido, de se registrar o
entendimento da E. Presidência do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, que nos
autos da ação civil pública n.º 1034474-20.2020.8.26.0053, que versa sobre o mesmo
tema, assim decidiu:
“Ao contrário, a decisão questionada é ela própria causadora de periculum in
mora inverso, porque põe em risco a ordem, a saúde, a economia e a segurança
públicas, na medida que interfere pontualmente na gestão e na economia do
Estado, que, especialmente em momento de crise de dimensões jamais vistas,
exige planejamento central e harmônico, além de condução austera e coerente
pela Administração. Em suma, a decisão liminar configura risco de lesão à
ordem pública, assim entendida como ordem administrativa geral, equivalente à
execução dos serviços públicos e ao devido exercício das funções da
Administração pelas autoridades constituídas (...) Em momento especialmente
sensível, de enfrentamento de crises sanitária e econômica de dimensão
mundial, decisões isoladas, que podem gerar aumento de despesas com pessoal
do Estado de São Paulo, são capazes de promover a desorganização
administrativa, obstaculizando a condução das medidas urgentes e necessárias
para minorar os efeitos da pandemia que se instalou entre nós. Basta mencionar
que, mantida a contagem de tempo para viabilizar a concessão de novos
adicionais temporais, o Estado de São Paulo prevê, pelo menos em tese, um
impacto nas finanças públicas de 222 milhões de reais em 2020 e de 667
milhões de reais em 2021 (fls.10). É, pois, induvidoso que a coordenação das
ações de combate ao estado de calamidade cabe ao Poder Executivo, que, com
decisões e atos administrativos complexos, tem aplicado política pública voltada
ao combate efetivo do mal que a todos aflige e de suas consequências
econômico-financeiras. E, da mesma forma, está claro que a respeitável decisão
trazida a exame repercute diretamente na economia e na saúde pública. Pelos
fundamentos expostos, defiro o pedido e suspendo a eficácia da decisão liminar.
Dê-se ciência ao Juízo a quo.”
Finalmente, ainda que fosse superada a
questão técnica de tratar-se de lei nacional de caráter financeiro - de modo que a União
tem competência para legislar -, cuida-se, a meu ver, de providência justa e razoável,
considerando-se que estamos vivenciando uma pandemia como não se registrava há pelo
menos um século.
O País tem despendido valores
astronômicos com a saúde e demais medidas de combate à pandemia e com socorro
econômico e social por meio de crédito e auxílio-emergencial. De outro lado, a atividade
econômica minguou (e por consequência, a arrecadação), de maneira que a medida -congelamento da contagem de tempo de serviço - mostra-se razoável, no contexto,
configurando verdadeiro sacrifício mínimo dos servidores, quando comparados àqueles
que perderam seus empregos e negócios.
Pelas inúmeras razões acima expostas,
não há que se falar em inaplicabilidade do art. 8.º, IX, da Lei Complementar n.º
173/2020, razão pela qual a improcedência do pedido é medida que se impõe.
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Ante o exposto, pelo meu voto, DOU
PROVIMENTO ao recurso para o fim de julgar improcedente o pedido. À míngua de
sucumbência em grau recursal, deixo de condenar a recorrente ao pagamento dos
honorários advocatícios, nos moldes do que dispõe o art. 55 da Lei nº 9.099/95.
Jales,
MAURICIO FERREIRA FONTES
Juiz de Direito Relator