9 de Agosto de 2022
- 2º Grau
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Detalhes da Jurisprudência
Processo
Órgão Julgador
Publicação
Julgamento
Relator
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Inteiro Teor
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO
Registro: 2021.0000096766
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº XXXXX-17.2019.8.26.0003, da Comarca de São Paulo, em que é apelante EDUARDO MEIRELLES MASSAUD, é apelada GRACIELLE RIBEIRO MASSAUD.
ACORDAM , em sessão permanente e virtual da 3ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: Deram provimento em parte ao recurso. V. U. , de conformidade com o voto do relator, que integra este acórdão.
O julgamento teve a participação dos Desembargadores JOÃO PAZINE NETO (Presidente) E DONEGÁ MORANDINI.
São Paulo, 15 de fevereiro de 2021.
CARLOS ALBERTO DE SALLES
Relator
Assinatura Eletrônica
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO
3ª CÂMARA DE DIREITO PRIVADO
Apelação Cível n. XXXXX-17.2019.8.26.0003
Comarca: São Paulo Foro Regional de Jabaquara
Apelante: Eduardo Meirelles Massaud
Apelada: Gracielle Ribeiro Massaud
Juíza sentenciante: Patrícia Maiello Ribeiro Prado
VOTO N. 21703
ARBITRAMENTO DE ALUGUÉIS. EX-CÔNJUGES. IMÓVEL
NÃO PARTILHADO. Sentença de improcedência. Irresignação do autor. Arbitramento de aluguéis de imóvel comum, de ex-cônjuges. Partilha não realizada. Inexistência de empecilho. Pedido da ré de afastamento da condenação de pagar indenização pelo uso exclusivo do bem. Não acolhimento. Há obrigação de pagamento de aluguéis pela parte que fez, desde a separação de fato, o uso exclusivo do bem. Em que pese tratar-se de mancomunhão sobre o bem até o momento da partilha - instituto assemelhado à indivisão do monte-mor de uma herança antes da partilha -, deve-se aplicar a regra do condomínio (art. 1.319, CC), possibilitando a cobrança de aluguéis, sob pena de enriquecimento indevido da parte que usufrui o bem por longo período de tempo até que haja a prolação da sentença de partilha. Precedentes deste Tribunal e do STJ. Arbitramento dos aluguéis. Cabimento. Inteligência do artigo 1.319 do Código Civil. Uso exclusivo pela ré. Aluguéis a serem arbitrados por liquidação de sentença. Dívida desde a citação. Compensação de dívidas. Dívidas do imóvel arcadas em exclusividade pela ré e estimação do custeio de moradia na pensão alimentícia para filha comum. Necessidade de discussão ações próprias ou na ultimação da partilha. Decisão. Sentença reformada, para condenar a ré a pagar aluguéis ao autor, pelo uso exclusivo de imóvel comum, a partir da citação nesta demanda, em valor a ser apurado em liquidação de sentença, na proporção de 50% do imóvel. Recurso parcialmente provido.
Trata-se de apelação interposta em face de sentença de ps. 90/94, que julgou improcedente ação de arbitramento de aluguéis, ajuizada por Eduardo Meirelles Massaud em face de Gracielle Ribeiro Massaud.
Apelação do autor a ps. 96/103, alegando, em síntese, que faria jus ao recebimento de aluguéis, em razão de uso exclusivo de imóvel das partes pela apelada, desde a separação de corpos. Afirma que o divórcio teria sido decretado em 08 de maio
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de 2019, e que o casal seria proprietário apenas de 60% do imóvel. Aduz que os restantes 40% teriam sido comprados com valores exclusivos do apelante, em sub-rogação. Sustenta que os aluguéis seriam devidos em razão de a partilha não ter sido ultimada por condutas procrastinatórias da apelada, e que o apelante teria despesas com nova moradia. Prequestiona os artigos 884 e 1.319 do Código Civil. Pretende o pagamento de aluguéis desde a citação desta demanda.
Contrarrazões a ps. 108/122.
Sem oposição ao julgamento virtual.
Os autos encontram-se em termos para julgamento.
É o relatório.
O recurso comporta parcial provimento.
Respeitado o entendimento diverso da I. Magistrada sentenciante, tem-se que é possível o arbitramento de aluguéis, no caso. Porém, o valor deve ser inferior ao pretendido pelo apelante.
Como bem exposto na r. sentença, há controvérsia sobre a possibilidade de fixação de aluguéis antes da partilha do divórcio, nas circunstâncias em que há a separação de corpos e o divórcio e um dos cônjuges passa a residir com exclusividade no imóvel que lhes era comum.
As alegações da apelada baseiam-se no fato de que a copropriedade sobre o bem considerado “comum” aos cônjuges possui a característica de mancomunhão, que é distinta do condomínio, o que impossibilitaria a aplicação do artigo 1.319 do Código Civil para fixação de aluguéis.
Na mancomunhão, não é aceita a divisão do bem em quotas, tratando-se de bem de uso comum dos proprietários. O tratamento, nesse caso é assemelhado à indivisibilidade do montemor de uma herança antes de efetuada a partilha, do qual os herdeiros não podem dispor livremente, nem mesmo da parcela que se refere ao seu quinhão.
Essa condição especial da propriedade seria a razão de ser da exigência de outorga uxória/marital para a alienação de bens imóveis por um dos cônjuges.
Assim sendo, segundo alegado pela ré, não haveria como exigir o pagamento de aluguel da pessoa que permaneceu no uso exclusivo do imóvel após a separação de fato (art. 381, CC), sendo necessária a extinção dessa condição de
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mancomunhão. Esta somente se daria com a partilha, momento a partir do qual o instituto passa a ser de verdadeiro condomínio.
No entanto, julgados recentes do Superior Tribunal de Justiça e deste Tribunal passaram a interpretar a situação por um viés prático.
Afinal, a aplicação do raciocínio sustentado pela demandada à realidade fática pode ocasionar verdadeiro enriquecimento ilícito daquele que usufrui do imóvel, por longos anos, até que haja a decisão de partilha e divórcio ou dissolução de união estável.
Em julgado de Relatoria do Des. Carlos Alberto Garbi na Apelação nº XXXXX-36.2009.8.26.0002, cuja ementa está abaixo transcrita, esclarece a diferença dos institutos do condomínio e da mancomunhão:
“Os bens comuns estão sujeitos a uma comunhão ou
mancomunhão [propriedade a duas mãos ou de mão comum,
dos alemães gemeinschaft zur gesamten hand], que se
assemelha ao condomínio, porém não corresponde
exatamente à mesma situação jurídica. Na comunhão
existe um patrimônio único pertencente a mais de um
titular, mas que constitui uma pessoa única. Não há
cotas na comunhão. É uma espécie de titularidade de
mãos juntas. Por conseguinte, não pode o cônjuge no
estado de comunhão patrimonial alienar a sua parte a
terceiro, porque ele não detém a titularidade de uma parte.
A comunhão recai sobre um patrimônio [conjunto de
bens] e não sobre coisas determinadas. A
administração e a colheita dos frutos ocorrem em
comum. No condomínio, ao contrário, existe uma coisa
[certa e individualizada] e sobre ela mais de um titular
exercem direitos próprios enquanto indivisa. É a titularidade
por cotas. Enquanto no condomínio se atribui uma fração da
coisa a cada condômino, na comunhão não há divisão da
coisa em partes ideais, porque o patrimônio
[considerado como universalidade] representa um
bem ou conjunto unitário de bens. ”
Apesar destas diferenças acima, na sequência, conclui o Relator que, após a separação de fato do fato, para se evitar enriquecimento ilícito de uma parte, seria possível aplicar a regra do artigo 1.319 do Código Civil referente ao condomínio:
“O condômino que tem a posse exclusiva do bem responde
ao outro pelos frutos percebidos [art. 1.319 do CC]. Essa
obrigação impõe ao condômino que tira proveito exclusivo do
bem pagar ao outro a compensação respectiva, fixada em
geral pelo valor de um aluguel. Sucede que, muitas vezes,
a partilha demora a ser julgada e enquanto o tempo
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passa um dos cônjuges ou companheiros mantém a
posse e o proveito exclusivos dos bens do casal ainda
não partilhados. No entanto, a separação de fato do
casal, como inequívoco sinal de desfazimento da união
e das relações patrimoniais, importa desde logo na
produção de efeitos pessoais e patrimoniais. Para
evitar o enriquecimento indevido nessa situação, uma
vez consolidada a separação de fato do casal e,
portanto, o fim da comunhão, que dá lugar ao
condomínio, ou seja, à propriedade comum, sujeita,
consequentemente, à disposição do art. 1.319 do CC e
ao pagamento de indenização pelos frutos percebidos,
é devido o arbitramento de um aluguel. ”
Com efeito, pela situação prática vivenciada pelas partes, diante da demora em obter-se o provimento judicial, impõese a aplicação do artigo 1.319 do Código Civil, com vistas a evitar o enriquecimento ilícito de uma das partes e o prejuízo injusto à outra, mesmo antes de ultimada a partilha.
Nesse sentido, ainda, outras decisões deste Tribunal:
“AÇÃO DE ARBITRAMENTO DE ALUGUEL. CONDOMÍNIO
SOBRE BEM IMÓVEL. USO EXCLUSIVO DO BEM PELO EXCÔNJUGE. SENTENÇA QUE JULGOU EXTINTO O PROCESSO.
INTERESSE DO AUTOR PRESENTE. ALEGAÇÃO DE QUE O
BEM NÃO FOI PARTIHADO QUE NÃO RETIRA A
POSSIBILIDADE DE ARBITRAMENTO DE ALUGUEL. VALOR
QUE DEVE CORRESPONDER À QUOTA PARTE DEVIDA AO
CONDÔMINO NA PARTILHA DO BEM. “Cada condômino
responde aos outros pelos frutos que percebeu da coisa e
pelo dano que lhe causou.” (art. 1319 do Código Civil). O uso
exclusivo do imóvel e desprovido de remuneração não pode
prevalecer, sob pena de caracterizar enriquecimento indevido
(art. 884 do CC), de modo que incontroverso o condomínio
existente sobre o imóvel objeto da demanda, de rigor o
reconhecimento do direito do autor ao recebimento de
aluguel. Ao contrário do sustentado pela ré, a circunstância
de não haver partilha do bem imóvel, não retira o direito do
autor ao recebimento de aluguel. Precedentes do STJ. Ação
de partilha movida pelo autor. Bem que foi partilhado em
igual proporção entre as partes. Julgamento do mérito.
Recurso provido para afastar a sentença de extinção, e, no
mérito, julgar procedente o pedido.” (TJSP, Apelação nº
XXXXX-36.2009.8.26.0002. Rel. Des. Carlos Alberto
Garbi, j. 25/08/2015).
“Apelação Cível. Ação de arbitramento de aluguel. Usufruto
exclusivo do bem e separação de fato do casal anterior à
propositura da ação Incontroversos. Apelada que restou
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impossibilitada de exercer a posse do imóvel residencial.
Necessidade de ser evitado o enriquecimento sem causa do
apelante por decorrência do usufruto do bem comum, em
prejuízo da recorrida. Excepcionalidade ao instituto da
mancomunhão. Incidência do art. 252 do RITJSP. Sentença
mantida. Recurso a que se nega provimento.” (TJSP, 2ª
Câmara de Direito Privado, Apelação nº
XXXXX-29.2011.8.26.0451, Rel. Des. José Joaquim
dos Santos, j. 02/06/2015).
“Arbitramento de aluguel. Possibilidade ainda que se tratando
de bem sujeito à comunhão matrimonial, mas quando
consolidada separação de fato durante período no qual um
dos cônjuges ocupa o imóvel comum com exclusividade.
Sentença mantida. Recurso desprovido.” (TJSP, 1ª Câmara
de Direito Privado, Apelação nº XXXXX-92.2005.8.26.0196, Rel. Des. Claudio Godoy, j.
12/05/2015).
No mesmo sentido entende MARIA BERENICE DIAS: 1
“Com o fim do relacionamento, modo frequente, fica o
patrimônio na posse de somente um dos cônjuges. Sendo
dois os titulares e estando somente um usufruindo do bem,
impositiva a divisão de lucros ou o pagamento pelo uso,
posse e gozo. Reconhecer que a mancomunhão gera um
comodato gratuito é chancelar o enriquecimento
injustificado. Assim, depois da separação de fato,
mesmo antes do divórcio e independentemente da
propositura da ação de partilha, cabe impor o
pagamento pelo uso exclusivo de bem comum ”.
Ademais, confira-se o posicionamento do E. Superior Tribunal de Justiça:
“Direito civil. Família. Recurso especial. Ação de cobrança de
indenização entre ex-cônjuges, em decorrência do uso
exclusivo de imóvel ainda não partilhado. Estado de
condomínio. Indenização correspondente a metade do valor
da renda de estimado aluguel, diante da fruição exclusiva do
bem comum por um dos condôminos. Concorrência de
ambos os condôminos nas despesas de conservação da coisa
e nos ônus a que estiver sujeita. Possível dedução.
Arts. 1.319 e 1.315 do CC/02. - Com a separação do casal
cessa a comunhão de bens, de modo que, embora
ainda não operada a partilha do patrimônio comum do
casal, é facultado a um dos ex-cônjuges exigir do
outro, que estiver na posse e uso exclusivos de
determinado imóvel, a título de indenização, parcela
1
Manual de Direito das Famílias, cit., p. 341 sem destaque no original.
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correspondente à metade da renda de um presumido
aluguel, devida a partir da citação. - Enquanto não
dividido o imóvel, a propriedade do casal sobre o bem
remanesce, sob as regras que regem o instituto do
condomínio, notadamente aquela que estabelece que
cada condômino responde aos outros pelos frutos que
percebeu da coisa, nos termos do art. 1.319 do CC/02.
Assim, se apenas um dos condôminos reside no
imóvel, abre-se a via da indenização àquele que se
encontra privado da fruição da coisa. - Subsiste, em
igual medida, a obrigação de ambos os condôminos, na
proporção de cada parte, de concorrer para as despesas
inerentes à manutenção da coisa, o que engloba os gastos
resultantes da necessária regularização do imóvel junto aos
órgãos competentes, dos impostos, taxas e encargos que
porventura onerem o bem, além, é claro, da obrigação de
promover a sua venda, para que se ultime a partilha, nos
termos em que formulado o acordo entre as partes.
Inteligência do art. 1.315 do CC/02. Recurso especial
parcialmente provido.” (STJ, Terceira Turma, REsp nº
983.450/RS, Rel. Min. Nancy Andrighi, j. 02/02/2010
sem destaque no original).
Assim, realmente os aluguéis devem ser fixados, em favor do apelante, a partir da citação neste feito (art. 240, CC).
Contudo, o valor deles deve ser inferior ao pretendido.
Como ainda não houve partilha do imóvel, inviável que seja reconheça a propriedade exclusiva do apelante sobre o percentual de 40% do imóvel, em razão de sub-rogação a bens particulares dele antes do casamento. Trata-se de questão que deve primeiro ser equacionada na definição da partilha do divórcio. Antes disso, a propriedade do imóvel é de metade para cada ex-cônjuge, em razão do regime da comunhão parcial de bens (ps. 75/82).
O valor dos aluguéis deverá ser apurado em liquidação de sentença, pela ausência de acordo das partes sobre isso e não ter havido produção suficiente de provas.
Por fim, não é o caso de compensação com despesas de IPTU ou de abatimento em razão da pensão fixada à filha comum.
Para as primeiras, falta provas a demonstrar o pagamento pela apelada, a fim de incidir o artigo 1.315 do Código Civil.
Já a pensão alimentícia possui outra base de fixação (art. 1694, CC) e não há provas de que a moradia no
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imóvel da família tenha sido incluída como parte in natura do valor da pensão (ps. 72/73). O pagamento dos aluguéis pela apelada poderá impactar na responsabilidade dela por parte do sustento da filha, o que poderá ensejar revisão dos alimentos (arts. 1.699 e 1.703, CC); mas isso não afasta a possibilidade de arbitramento dos aluguéis.
Ante o exposto, dá-se parcial provimento à apelação do autor, reformando-se a r. sentença para condenar a ré a pagar aluguéis ao autor, pelo uso exclusivo de imóvel comum, a partir da citação nesta demanda, em valor a ser apurado em liquidação de sentença, na proporção de 50% do imóvel.
Reformada a sentença, deve ser invertida a condenação sucumbencial, passando a ré a arcar com a totalidade das custas e das despesas processuais, bem como honorários advocatícios arbitrados em 15% do valor da causa.
CARLOS ALBERTO DE SALLES
Relator