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- 2º Grau
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Inteiro Teor
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO
Registro: 2021.0000260345
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Agravo de Instrumento nº 2007586-25.2021.8.26.0000, da Comarca de São Paulo, em que são agravantes CRISTOBAL JIMENEZ DOMINGUES NETO, CRISTOBAL JIMENEZ PARTICIPAÇÕES E EMPREENDIMENTOS LTDA. e CJ LOGÍSTICA INTERNACIONAL S.A., é agravado MORELATE EMPREENDIMENTOS E PARTICIPAÇÕES LTDA.
ACORDAM , em sessão permanente e virtual da 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: Deram provimento em parte ao recurso. V. U. , de conformidade com o voto do relator, que integra este acórdão.
O julgamento teve a participação dos Desembargadores CESAR CIAMPOLINI (Presidente) E J. B. FRANCO DE GODOI.
São Paulo, 8 de abril de 2021.
FORTES BARBOSA
Relator
Assinatura Eletrônica
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Agravo de Instrumento 2007586-25.2021.8.26.0000
Agravantes: Cristobal Jimenez Domingues Neto e outros
Agravada: Morelate Empreendimentos e Participações Ltda
Nº na origem: 1006813-21.2020.8.26.0068
Voto nº 17.080
EMENTA
Sociedade anônima de capital fechado - Ação de dissolução parcial e apuração de haveres Determinação de retificação do valor da causa Aplicação da taxatividade mitigada em razão da perda da utilidade de futura apreciação da matéria -Valor atribuído à causa que deve ser fixado de acordo com a representatividade das ações de titularidade de quem se pretende seja excluído do quadro de acionistas da companhia no capital social, que ostenta a função jurídica de servir como padrão destinado a viabilizar a mensuração unitária da posição de cada sócio-acionista diante da companhia - Questão atinente à alegada falta de integralização de capital social obscura - Estatuto Social levado a registro perante a Junta Comercial produz efeitos amplos e, por regra, vinculativos, perante a pessoa jurídica, os acionistas e quaisquer terceiros, neste constando a consecução de completa integralização - Prazo para o cumprimento da determinação feita Incidência dos artigos 290 e 321 do CPC/2015 - Decisão parcialmente reformada, tão somente para ampliar dito prazo para quinze dias
Recurso conhecido e parcialmente provido.
Cuida-se de agravo de instrumento
tirado contra decisão proferida pelo r. Juízo de
Direito da 2ª Vara Empresarial e de Conflitos
Relacionados à Arbitragem da 1ª Região
Administrativa Judiciária (Grande São Paulo),
que, em sede de ação de dissolução parcial de
sociedade e apuração de haveres, determinou seja
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emendada a petição inicial, “para retificar o valor da causa para os fins do artigo 292, incisos II [do CPC de 2015], que corresponderá
o total das cotas do sócio excluído, com base na última alteração do estatuto social da sociedade objeto desta lide, juntando aos autos a guia comprobatória do recolhimento da diferença da taxa judiciária devida, pressuposto
de desenvolvimento válido e regular do processo,
no prazo de 05 dias, sob pena de extinção” (fls. 82).
Os agravantes, de início, invocam aplicação de uma taxatividade mitigada sobre o artigo 1.015 do CPC de 2015, dada a necessidade de dar utilidade ao pleito recursal. Esclarecem que o capital subscrito, conforme o contrato social, corresponde ao montante de R$ 30.000.000,00 (trinta milhões de reais), sendo que o montante da participação da agravada equivale a R$ 12.000.000,00 (doze milhões de reais), o que acarretaria o recolhimento do teto de custas iniciais. Argumentam que o capital social não corresponde ao valor da empresa, assim como os haveres a serem pagos à sócia excluída não corresponderão ao valor integralizado. Sugerem que o parâmetro a ser utilizado deveria ser o valor do patrimônio líquido (corresponde a R$ 2.510.990,46 - dois milhões, quinhentos e dez mil, novecentos e noventa reais e quarenta e seis centavos - em 31 de dezembro de 2019). Explicam que apenas
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parcela do capital subscrito foi integralizada (“R$ 14,1 milhões” [quatorze milhões e cem mil reais]), fato não observado pelo Juízo “a quo”, destacando que a agravada integralizou apenas R$ 3.542.170,50 (três milhões, quinhentos e quarenta e dois mil, cento e setenta reais e cinquenta centavos). Sustentam ser incerta a exclusão da agravada, além de inexistir conhecimento acerca da data da dissolução e do critério de avaliação da participação societária, não sendo possível estimar o valor a ser reembolsado à sócia e, portanto, sendo desconhecido o valor da causa. Frisam que o prazo de cinco dias é inferior ao previsto no artigo 321 do CPC de 2015, mesmo porque o valor da diferença das custas impactará o fluxo de caixa da empresa. Pedem a suspensão dos efeitos da decisão agravada e, de forma subsidiária, a antecipação da tutela recursal para determinar que as custas iniciais sejam recolhidas no prazo de 15 (quinze) dias “com base na participação
societária da Agravada calculada sobre o valor do patrimônio líquido da Companhia” . Pugnam pela reforma da decisão agravada, “revogando-se a intimação para emenda da inicial, correção do valor da causa e do recolhimento da diferença de
custas iniciais, determinando-se,
consequentemente, que o valor da causa deverá ser adequado após a apuração dos haveres ” e, de forma subsidiária, seja reformada a decisão “no que diz respeito à base de cálculo indicada pelo MM. Juízo a quo, estabelecendo-se que o valor da
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causa deverá corresponder ao percentual de participação societária da Agravada calculado
sobre o patrimônio líquido da Companhia em 2019, visto que se pretende a exclusão a partir de 2020 ”, e, ainda de forma alternativa, que o valor da participação da agravada tenha como base o valor efetivamente integralizado e, por fim, requerem a concessão do prazo de quinze dias para “adequarem o valor da causa, seja nos moldes dos pedidos subsidiários acima formulados, seja nos termos da r. decisão de primeiro grau” (fls. 01/21).
Foi deferido o efeito suspensivo (fls. 109/112).
A agravada, em contraminuta, sustenta que o conteúdo econômico da demanda equivale ao montante de R$ 11.549.164,20 (onze milhões, quinhentos e quarenta e nove mil, cento e sessenta e quatro reais e vinte centavos), atinentes ao pagamento de R$ 8.000.000,00 (oito milhões de reais) pelas 12.000.000 (doze milhões) de ações adquiridas e de 3.549.164,20 (três milhões, quinhentos e quarenta e nove mil, cento e sessenta e quatro reais e vinte centavos), em virtude de aportes e pagamentos realizados por si (agravada), por conta e ordem da CL Logística Internacional. Argui questão preliminar de incompetência relativa, afirmando que a Comarca de Florianópolis seria competente para o ajuizamento da ação principal, por ser o local da sede da sociedade. Aduz não haver
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urgência para aplicação da tese da taxatividade mitigada do rol previsto no artigo 1.015 do CPC de 2015. Pede a revogação do efeito suspensivo, a extinção do recurso e da ação de origem e, de forma subsidiária, a remessa dos autos principais à Comarca de Florianópolis, o reconhecimento da inadmissibilidade do recurso ou o seu desprovimento (fls. 129/147).
Houve oposição ao julgamento virtual (fls. 124).
É o relatório.
De início, a questão preliminar levantada em contraminuta atinente à competência para julgamento da demanda deverá ser analisada na origem, não sendo possível efetuar seu exame no âmbito deste recurso. A matéria não foi tratada em primeira instância e não cabe seja analisada em caráter originário, mostrando-se inadequada a arguição feita, que contrasta, sobretudo, com o inciso II do artigo 337 do diploma processual vigente.
No mais, saliente-se que não há enquadramento imediato do presente recurso junto aos incisos do artigo 1.015 do CPC de 2015, mas, diante do decidido em caráter repetitivo pelo E. Superior Tribunal de Justiça quando do julgamento do Recurso Especial 1704520/MT (Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, CORTE ESPECIAL, julgado em 05/12/2018, DJe 19/12/2018), adotada uma “taxatividade mitigada”, é identificada a perda
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da utilidade de futura apreciação da matéria, configurada urgência diante da determinação da retificação do valor da causa e o recolhimento complementar de custas judiciais, com potencial extinção da ação, motivo pelo qual é vislumbrada a necessidade de conhecimento do presente recurso, ao contrário do proposto em contraminuta.
Conhece-se, assim, do presente recurso, passando-se ao exame de seu mérito.
Os agravantes ajuizaram “ação de dissolução parcial de sociedade e apuração de haveres” em face da agravada e atribuíram, à causa, o valor de R$ 15.000,00 (quinze mil reais) (fls. 42/81).
Foi determinada a retificação do valor da causa, para que conste o valor das ações de titularidade de quem se pretende seja excluído do quadro de acionistas da companhia, assim como o recolhimento da diferença das custas iniciais no prazo de cinco dias, sob pena de extinção.
Irresignados, os autores recorrem.
Os recorrentes apresentaram pedido tendente ao afastamento da agravada “da Companhia, suspendendo seu direito de voto de modo a se permitir que as deliberações sejam realizadas entre os demais acionistas em assembleia-geral enquanto perdurar a suspensão,
sem que isso implique em nulidade das aprovações
realizadas durante esse período; seja julgado
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procedente o pedido de dissolução parcial da sociedade para exclusão da Ré, conforme permite o § 2º do art. 599 do Código de Processo Civil; seja realizada a apuração de haveres da Ré nos termos do art. 604 e ss. do Código de Processo Civil; e a condenação da Ré ao pagamento das custas, despesas processuais e honorários
advocatícios equivalentes a 20% sobre o valor da condenação ” (fls. 80/81).
Este pedido remete, então, a um reembolso de valores em favor de acionista cuja exclusão do quadro social é pretendida, implicando, diretamente, numa redução do “quantum” disponível para a realização da atividade empresarial e apresentado como garantia do passivo diante de terceiros.
O valor da causa inscrito na petição inicial, igual à quantia de R$ 15.000,00 (quinze mil reais), é, diante das grandezas patrimoniais envolvidas na demanda, totalmente fora de propósito, tendo sido proposto de maneira aleatória, sendo, também, equivocado pretender seja utilizada uma estimativa do patrimônio líquido, ainda que constante de demonstrações financeiras antigas e referentes ao exercício de 2019, deixando de lado a função jurídica do capital social, que não pode ser, meramente, ignorada e deixada de lado.
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e 337, § 5º do CPC de 2015.
E, nesse sentido, o único parâmetro objetivo para fixação do valor da causa é o capital social, que estabelece uma soma nominal e abstrata correspondente à primeira contribuição dos sócios-acionistas (feita para a formação do acervo primário destinado à realização do objeto social) e que conforma uma espécie de passivo não exigível (artigo 178, § 2º, inciso III da Lei 6.404/1976), ostentando a função jurídica de servir como padrão destinado a viabilizar a mensuração unitária da posição de cada sócio-acionista diante da companhia (Cesare Vivante, Trattato di Diritto Commerciale, 5ª ed, Vallardi, Milano, 1923, Vol.II, pp.192-3; Trajano de Miranda Valverde, Sociedade por Ações, 3ª ed, Forense, Rio de Janeiro, 1959, Vol.I, p.92; Fran Martins, Comentários à Lei das Sociedades Anonimas, 2ª ed, Forense, São Paulo, 1982, Vol. 1º, p.52).
No caso concreto, é, então, necessário calcular o valor da causa de acordo com a representatividade das ações enfocadas no capital social, utilizada diretamente a percentagem.
Qualquer outra base de cálculo é inadequada, não se podendo, neste momento processual, saber, com um mínimo de precisão, qual é a magnitude do patrimônio líquido atual da sociedade, já tendo esta Câmara Reservada, frente a questão similar e voltada para a
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apuração de haveres numa sociedade limitada, utilizado o mesmo critério ( AI 0296729-27.2011.8.26.0000, rel. Des. Francisco Loureiro, j. 05/06/2012).
Além disso, os autores afirmam que a agravada pagou R$ 8.000.000,00 (oito milhões de reais) pela aquisição de 12.000.000 (doze milhões) de ações, o que foi corroborado por alguns dados inseridos na contraminuta, pretendida a subtração de uma diferença de valores no cálculo do valor da causa.
Cabe aqui enfatizar, no entanto, que a questão atinente à falta de integralização do capital social, ainda que tenha potencial para alterar a quantificação dos haveres a serem apurados, ainda se mostra, nesse momento, obscura, em especial pela divergência contida no “Contrato de Compra e Venda de Ações”, datado de 21 de novembro de 2016, em que é afirmado não estar o capital social totalmente integralizado (fls. 94), ao passo que no estatuto social, datado de 25 de julho de 2016, consta estar o
capital social, de R$ 30.000.000,00 (trinta
milhões de reais), “totalmente subscrito e integralizado em moeda corrente nacional” (fls. 31).
O estatuto social levado a registro produz efeitos amplos e, por regra, vinculativos, perante a pessoa jurídica, os acionistas e quaisquer terceiros. A eficácia do
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ato de registro promovido perante a Junta Comercial não pode, para fins de fixação do valor da causa, ser mitigada, dada sua imprescindibiliade, fazendo nascer a sociedade como ente dotado de individualidade própria (artigos 95 a 98 da Lei 6.404/1976), não havendo como superar os assentamentos registrários para o fim de ser fixado um valor da causa em patamar mais baixo, conforme a comodidade da parte autora. O cálculo em apreço precisa considerar o que consta do estatuto social da companhia a ser parcialmente dissolvida, tal qual o estipulado na determinação combatida.
Por fim, tendo em vista o disposto nos artigos 290 e 321 do CPC de 2015, a decisão recorrida merece um pequeno reparo, tão somente para alterar o prazo para cumprimento da ordem combatida pelo agravante, que deve ser estabelecido em quinze dias.
Conhece-se, por isso, do presente agravo, para o fim de lhe dar parcial provimento.
Fortes Barbosa
Relator