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- 2º Grau
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Inteiro Teor
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO
Registro: 2021.0000294803
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1000377-14.2020.8.26.0014, da Comarca de São Paulo, em que é apelante GUIOMAR PACHECO DE MELO SALA, é apelado ESTADO DE SÃO PAULO.
ACORDAM , em sessão permanente e virtual da 5ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: Negaram provimento ao recurso. V. U. , de conformidade com o voto do relator, que integra este acórdão.
O julgamento teve a participação dos Desembargadores MARIA LAURA TAVARES (Presidente), FERMINO MAGNANI FILHO E FRANCISCO BIANCO.
São Paulo, 20 de abril de 2021.
MARIA LAURA TAVARES
Relator
Assinatura Eletrônica
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VOTO Nº 29.853
APELAÇÃO CÍVEL Nº 1000377-14.2020.8.26.0014
COMARCA: SÃO PAULO
APELANTE: GUIOMAR PACHECO DE MELO SALA
APELADO: ESTADO DE SÃO PAULO
INTERESSADO: INDÚSTRIA DE PLÁSTICOS CÁRIA LTDA.
Juíza de 1ª Instância: Juliana Koga Guimarães
APELAÇÃO CÍVEL EMBARGOS DE TERCEIRO
Pretensão de levantamento de penhora sobre imóveis de propriedade de sociedade ré em ação de execução fiscal
Bens imóveis transferidos à embargante pela sociedade empresarial, da qual seu ex-marido era sócio, por meio de acordo de partilha, por ocasião de divórcio litigioso
Impossibilidade Patrimônio da pessoa jurídica que não se confunde com o do seus sócios e, portanto, não está sujeito à meação e partilha Princípio da autonomia patrimonial da sociedade Artigo 49-A do Código Civil - Ausência de justo título sobre os imóveis Levantamento da penhora que não é possível Sentença mantida Recurso improvido.
Trata-se de Embargos de Terceiro opostos por GUIOMAR PACHECO DE MELO SALA nos autos de Execução Fiscal movida pela FAZENDA DO ESTADO DE SÃO PAULO em face da INDÚSTRIA DE PLÁSTICOS CÁRIA LTDA., na qual foi determinada a penhora dos imóveis de matrículas nº 37.748, 46.221 e 60.035 no 10º Cartório de Registro de Imóveis de São Paulo. A embargante alega que os referidos imóveis não pertencem à empresa executada, eis que lhe foram transferidos em 09/01/2012, por força de sentença proferida nos autos do processo nº 0005301-12.2011.8.26.0011, que teve por objeto a separação litigiosa da ora embargante e de Márcio Luiz Sala, sócio da empresa executada. Requer, assim, o levantamento das penhoras.
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A decisão de fl. 92, mantida à fl. 96, indeferiu a gratuidade da justiça.
A embargante interpôs Agravo de Instrumento contra a referida decisão, ao qual foi dado provimento a fim de lhe conceder os benefícios da Justiça Gratuita (fls. 184/189).
A r. sentença de fls. 190/192, cujo relatório é adotado, julgou improcedentes os embargos de terceiro, com o entendimento de que, embora o registro imobiliário seja dispensável, a embargante não demonstrou possuir justo título ou a posse sobre os bens penhorados. Isso porque, os bens não são fruto de meação entre a embargante e seu ex-marido (sócio da parte executada), eis que a própria parte executada (Indústria de Plásticos Cária Ltda.) os transferiu, no acordo de partilha do casal, para a ora embargante. Condenou a embargante ao pagamento de custas, despesas processuais e honorários advocatícios fixados no parâmetro mínimo previsto no artigo 85, §§ 3º e 5º, do Código de Processo Civil sobre o valor atualizado da causa.
A embargante interpôs recurso de apelação às fls. 200/206 alegando, em síntese, que o justo título pode se concretizar por meio de formal de partilha, como no caso dos autos, em que recebeu os imóveis objeto de penhora por força de sentença proferida nos autos de ação de separação litigiosa. Ressalta que a transferência formal da propriedade dos imóveis apenas não foi realizada diante da ausência de condições financeiras para proceder ao registro imobiliário e em razão de o executado no processo principal ser réu em outras execuções fiscais que impõem restrições à transferência dos imóveis. Por fim, alega a inexistência de má-fé, uma vez que a partilha dos bens ocorreu antes da inscrição em dívida ativa dos créditos tributários.
O recurso é regular e tempestivo (fl. 220), foi instruído com as contrarrazões da parte adversa (fls. 210/217) e é ora
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recebido em seus regulares efeitos.
É o relatório.
Cuida-se de embargos de terceiro opostos para determinar o levantamento de penhora sobre os imóveis de matrículas nº 37.748, 46.221 e 60.035 no 10º Cartório de Registro de Imóveis de São Paulo, alegando a embargante possuir justo título.
A penhora sobre o imóvel decorre da ação de execução fiscal nº 1500126-75.2016.8.26.0014, proposta em 26/01/2016 pela Fazenda Pública do Estado de São Paulo em face da Indústria de Plásticos Cária Ltda., para a cobrança de débitos de ICMS declarados e não pagos, referentes a dezembro de 2013 e janeiro a abril de 2014, inscritos em dívida ativa em 25/04/2014 e em 19/01/2015 (fls. 2/8 da ação originária).
A autora alega que os referidos imóveis lhe foram transferidos por meio do acordo celebrado nos autos da ação de divórcio litigioso nº 0005301-12.2011.8.26.0011 (fls. 50/55) pela Indústria de Plásticos Cária Ltda., que atuou como interveniente no processo e da qual o seu ex-marido era sócio. O acordo foi homologado pelo MM. Juízo em 10/01/2012 (fls. 68/69).
É certo que a Súmula 375 do C. Superior Tribunal de Justiça dispõe que “o reconhecimento da fraude à execução depende do registro da penhora do bem alienado ou da prova de má-fé do terceiro adquirente”.
Não se desconhece, também, que a ausência de averbação da partilha dos bens no Registro de Imóveis não é suficiente para afastar o reconhecimento de propriedade.
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No entanto, embora o acordo tenha sido homologado, é certo que os bens imóveis e móveis que pertencem à Indústria de Plásticos Cária Ltda. não poderiam ter sido incluídos na partilha, uma vez que os bens da pessoa jurídica não se confundem com os bens dos sócios, salvo nos casos de desconsideração inversa da personalidade jurídica, admitida quando o cônjuge ou companheiro empresário se vale de pessoa jurídica por ele controlada, ou de interposta pessoa física, a fim de subtrair do outro cônjuge ou companheiro direitos oriundos da sociedade afetiva, conforme entendimento do C. Superior Tribunal de Justiça ( REsp 1522142/PR, Rel. Ministro Marco Aurélio Bellizze, 3ª Turma, julgado em 13/06/2017; REsp 1236916/RS, Rel. Ministra Nancy Andrighi, 3ª Turma, julgado em 22/10/2013).
Isso porque, ao admitir a existência das pessoas jurídicas, o ordenamento jurídico brasileiro lhes conferiu personalidade jurídica própria e independente da dos sócios, de forma que são pessoas distintas e com patrimônios distintos. Neste sentido, o Código Civil não deixa dúvidas:
Art. 49-A. A pessoa jurídica não se confunde com os seus sócios, associados, instituidores ou administradores.
Parágrafo único. A autonomia patrimonial das pessoas jurídicas é um instrumento lícito de alocação e segregação de riscos, estabelecido pela lei com a finalidade de estimular empreendimentos, para a geração de empregos, tributo, renda e inovação em benefício de todos.
Tais características decorrem do princípio da autonomia patrimonial da sociedade, segundo o qual os bens, direitos e obrigações da empresa não se confundem com o dos sócios, o que também tem por consequência a técnica de segregação de riscos.
Da mesma forma, se as obrigações contraídas
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pela pessoa jurídica não podem, em regra, ultrapassar o manto da personalidade jurídica para a atingir os bens dos sócios, também os bens da sociedade não integram o patrimônio dos sócios, não podendo ser por eles livremente disponibilizados.
Ademais, a legislação civil pátria prevê que o excônjuge apenas tem direito ao valor patrimonial da quota pertencente ao sócio, ex-consorte, e, consequentemente, direito ao recebimento periódico do correspondente lucro da pessoa jurídica:
Art. 1.027. Os herdeiros do cônjuge de sócio, ou o cônjuge do que se separou judicialmente, não podem exigir desde logo a parte que lhes couber na quota social, mas concorrer à divisão periódica dos lucros, até que se liquide a sociedade.
Por outras palavras, apenas se admite que as quotas da sociedade empresarial sejam objeto da partilha, mas não os bens móveis e imóveis que integram o seu capital social.
Portanto, os bens da Indústria de Plásticos Cária Ltda. não integravam o patrimônio do ex-marido da embargante à época dos fatos e, portanto, não formava o patrimônio do próprio casal, não podendo ter se sujeitado à partilha. Ao partilhar o patrimônio do casal, não se admite a inclusão de bens que não sejam de sua titularidade.
Assim, não merece reparos a r. sentença ao afirmar a inexistência de justo título sobre os imóveis que foram penhorados.
Dessa forma, deve ser integralmente mantida a r. sentença, que deu a correta solução à lide.
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ao recurso.
Eventuais recursos interpostos contra este julgado estarão sujeitos a julgamento virtual, devendo ser manifestada a discordância quanto a essa forma de julgamento no momento da interposição.
Maria Laura de Assis Moura Tavares
Relatora