1 de Julho de 2022
- 2º Grau
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Detalhes da Jurisprudência
Órgão Julgador
Publicação
Julgamento
Relator
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Inteiro Teor
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO
Registro: 2021.0000401022
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1004230-56.2017.8.26.0363, da Comarca de Mogi-Mirim, em que são apelantes NATALIA CRISTINA CARLOS ALVES (JUSTIÇA GRATUITA), SOPHIA GABRIELLY ALVES CATINI (MENOR (ES) REPRESENTADO (S)) e TAYNÁ DANDARA ALVES MENANDRO (MENOR (ES) REPRESENTADO (S)), é apelado CARLOS ALEXANDRE BRANDÃO.
ACORDAM , em sessão permanente e virtual da 26ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: Deram provimento em parte ao recurso. V. U. , de conformidade com o voto do relator, que integra este acórdão.
O julgamento teve a participação dos Desembargadores CARLOS DIAS MOTTA (Presidente) E ANTONIO NASCIMENTO.
São Paulo, 26 de maio de 2021.
FELIPE FERREIRA
Relator (a)
Assinatura Eletrônica
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TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO
Comarca: Mogi Mirim – 3ª Vara Cível
Apte.: Natalia Cristina Carlos Alves e outros
Apdo.: Carlos Alexandre Brandão
Juiz de 1º grau: Fábio Rodrigues Fazuoli
Distribuído ao Relator Des. Felipe Ferreira em: 09/02/2021
VOTO Nº 48.951
EMENTA: RESPONSABILIDADE CIVIL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. RECONVENÇÃO. IMISSÃO NA POSSE DE IMÓVEL ARREMATADO. 1. Na fixação da indenização pelo dano moral cabe ao juiz nortear-se pelo princípio da razoabilidade, estabelecendo-a em valor nem tão grande que se converta em fonte de enriquecimento, nem tão pequena que se torne inexpressiva. 2. Se a desocupação do imóvel ocorreu praticamente dois anos depois de notificadas as autoras, não poderiam permanecer utilizando o imóvel graciosamente, sendo acertada a decisão de fixação de uma verba locatícia mensal a fim de remunerar a ocupação, sob pena de enriquecimento indevido das autoras. 3. Na ação de indenização por danos morais a condenação em montante inferior ao pedido na inicial não importa em sucumbência recíproca. Inteligência da Súmula 326 do STJ. 4. Não caracterizado o dolo processual incabível a aplicação da penalidade de litigância de má-fé. 5. Em se tratando de responsabilidade civil extracontratual, os juros moratórios devem fluir a partir da data do evento. Inteligência da Súmula 54 do STJ. Recurso parcialmente provido.
Trata-se de recurso de apelação contra respeitável sentença de fls.341/355 que julgou procedente em parte a ação principal para condenar o requerido ao pagamento de danos morais fixados R$ 4.000,00 para cada autora, totalizando a importância de R$ 12.000,00 (doze mil reais) atualizados monetariamente desde o evento danoso, no caso a solicitação de desligamento da energia elétrica, que se deu em 06 setembro de 2017 e os juros de mora a partir de seu comparecimento aos autos em 29 novembro de 2018. Condenou o requerido ao pagamento das custas e despesas processuais, estas atualizadas desde o desembolso e verba honorária, que arbitrou em 10% do valor da condenação atualizados monetariamente a partir da publicação da sentença e com juros de mora a partir de seu trânsito em julgado. Condenou as requerentes ao pagamento
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das custas e despesas processuais, estas atualizadas desde o desembolso e verba honorária que arbitrou em R$ 600,00, que corresponde a 10% do valor que sucumbiu, se considerado o valor pleiteado R$ 18.000,00 e o valor obtido, R$ 6.000,00. Referida importância, deverá ser corrigida monetariamente a partir da publicação da sentença e com juros de mora a partir de seu trânsito em julgado. Os valores devidos pelas requerentes à título de custas, despesas e honorários, ficam suspensos pelo prazo quinquenal na forma do art. 98, § 3º do Código de Processo Civil, em razão da gratuidade concedida.
Julgou parcialmente procedente a reconvenção para condenar as reconvindas a pagar aluguel mensal no importe de R$ 500,00 no período compreendido entre abril de 2017 a julho de 2019. Referida importância a ser apurada em liquidação de sentença, deverá ser atualizada monetariamente e com juros mensais de 1%. Condenou as reconvindas ao pagamento das custas e despesas processuais, estas atualizadas desde o desembolso e verba honorária, que arbitrou em 10% do valor da condenação atualizados monetariamente a partir da publicação da sentença e com juros de mora a partir de seu trânsito em julgado, suspensas as verbas em função da concessão do benefício da justiça gratuita. Condenou o reconvinte ao pagamento da importância de R$ 300,00 que corresponde a 10% da importância que sucumbiu a título de danos morais (R$ 3.000,00). Referida importância deverá ser atualizada monetariamente a partir da publicação da sentença e com juros de mora a partir da prolação.
Pleiteiam as apelantes a reforma do julgado alegando que era inadmissível a reconvenção, eis que seu objeto não era conexo com o da ação principal. Entendem que a indenização por danos morais deve ser majorada, eis que arbitrada em valor insuficiente. Discorrem sobre a conduta abusiva do apelado, entendendo que deve ser punido com maior rigor. Sustentam que os juros de mora devem incidir a partir do ato ilícito, nos termos da súmula 54 do STJ. Aduzem que o apelado litigou de má-fé por alterar a verdade dos fatos a fim de induzir o juízo a erro, além de dificultar a sua citação. Entendem que não devem ser condenadas ao pagamento de verbas sucumbenciais e que é cabível a majoração dos honorários advocatícios fixados a seu favor. Sustentam que a sentença violou o princípio da congruência, acolhendo o pedido do reconvinte por fundamento diverso daquele apresentado. Argumentam que deve ser julgado improcedente o pleito reconvencional eis que inexistente relação jurídica entre as partes, sendo que após a aquisição do imóvel pelo reconvinte por meio de leilão, este não tomou qualquer medida para a celebração de negócio jurídico, limitando-se a pretender sua retomada sob pena de ajuizamento de ação. Porém, em vez de ingressar com a medida adequada, o requerido utilizou-se de atitudes abusivas. Subsidiariamente entendem que se criou a justa expectativa de que poderiam residir no imóvel gratuitamente, ante o não ajuizamento da ação cabível. Apontam que a relação locatícia era vigente entre a autora e a antiga proprietária do imóvel,
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não podendo o réu reconvinte requerer o pagamento de alugueres. Entendem que não pode ser utilizado o fundamento do enriquecimento ilícito no caso em tela. Subsidiariamente, pretendem que nada seja considerado devido durante todo o período de inércia do reconvinte ou seja, até a intimação para apresentação de contestação à reconvenção. Pretendem que seja declarado qual das apelantes fica responsável pelo pagamento das verbas, observando que duas delas são menores de idade. Sustentam que o reconvinte deve ser condenado ao pagamento de multa por litigância de má-fé também na reconvenção.
Apresentadas as contrarrazões, subiram os autos a esta Corte de Justiça, tendo a Douta P.G.J. apresentado parecer opinando pelo parcial provimento do recurso.
É o relatório.
O recurso merece parcial provimento, apenas para ajuste da incidência dos juros de mora de acordo com a súmula 54 do STJ, bem como para carrear ao requerido integralmente os ônus sucumbenciais da ação principal, devendo, no mais, ser mantida a bem lançada sentença.
Trata-se de ação indenizatória e reconvenção em decorrência do fato de que o requerido/reconvinte adquiriu em leilão o imóvel em que residiam as autoras, em função de contrato de locação celebrado com a antiga proprietária.
O requerido então notificou as autoras para que desocupassem o imóvel, já que não tinha interesse na prorrogação do contrato de locação e, antes de decorrido o prazo legal para tanto, providenciou perante as prestadoras de luz e água o corte de fornecimento do serviço.
Evidente, portanto, o ilícito cometido pelo requerido, que apesar de novo proprietário do imóvel, abusou de seu direito ao retirar das autoras as condições básicas de sobrevivência no imóvel, antes do prazo de desocupação, em vez de tomar as medidas judiciais cabíveis para a sua retomada.
O valor da indenização, porém, restou bem arbitrado.
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Sobre o tema, oportuna a lição do Prof. Silvio de Salvo Venosa ("Direito Civil, vol. IV, 3ª ed., Atlas, 2003), segundo a qual:
"Se, até 1988, a discussão era indenizar ou não o dano
moral, a partir de então a ótica desloca-se para os limites e
formas de indenização, problemática que passou a
preocupar a doutrina e a jurisprudência."(pág. 203).
"Há um duplo sentido na indenização por dano moral:
ressarcimento e prevenção. Acrescente-se ainda o cunho
educativo que essas indenizações apresentam para a
sociedade. Quem, por exemplo, foi condenado por vultosa
quantia porque indevidamente remeteu título a protesto;
ou porque ofendeu a honra ou imagem de outrem, pensará
muito em fazê-lo novamente."(pág. 207).
No tocante à fixação de um valor pelo dano moral, os
tribunais utilizaram-se no passado, por analogia, do
Código Brasileiro de Telecomunicações (Lei nº 4.117/62) e
da Lei de Imprensa (nº 2.250/69), únicos diplomas que
apontaram parâmetros para a satisfação de danos morais,
no passado.
No Código Brasileiro de Telecomunicações, os valores
oscilavam de 5 a 100 salários mínimos, enquanto na Lei de
Imprensa, de 5 a 200 salários mínimos. Não se trata, no
entanto, de aplicação inflexível, mas de mera base de
raciocínio do juiz, que não está adstrito a qualquer regra
nesse campo . . ." (pág. 207/209).
"A falta de legislação específica nessa problemática tem
gerado, todavia, decisões díspares e incongruentes. (pág.
209).
Na verdade, na fixação da indenização pelo dano moral, como já tivemos a oportunidade de decidir 1 , cabe ao juiz ao definir o montante da reparação nortear-se pelo princípio da razoabilidade, para não aviltar a pureza essencial do sofrimento que é do espírito, evitando a insignificância que o recrudesce ou o excesso que poderia masoquisá-lo.
Nesse sentido, o Colendo Superior Tribunal de Justiça, no julgamento publicado na RSTJ 112/216, com voto condutor do eminente Ministro SÁLVIO DE FIGUEIREDO, bem ponderou:
1 Ap. s/ Rev. 563.866-00/7 - 2ª Câm. extinto 2º TAC - Rel. Juiz FELIPE FERREIRA - J. 7.2.2000 ; AI 719.075-00/2 - 2ª Câm. extinto 2º TAC - Rel. Juiz FELIPE FERREIRA - J. 17.12.2001
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"Na fixação da indenização por danos morais,
recomendável que o arbitramento seja feito com
moderação, proporcionalmente ao grau de culpa, ao nível
socioeconômico dos autores, e, ainda, ao porte da
empresa recorrida, orientando-se o juiz pelos critérios
sugeridos pela doutrina e pela jurisprudência, com
razoabilidade, valendo-se de sua experiência e do bom
senso, atento à realidade da vida e às peculiaridades de
cada caso".
É o que afirma, noutras palavras, o eminente Des. Rui Stoco, citando lição do Prof. Caio Mário da Silva Pereira, no sentido de que a indenização não pode ser" nem tão grande que se converta em fonte de enriquecimento, nem tão pequena que se torne inexpressiva "(in Responsabilidade Civil, RT, 3ª edição, pag. 524).
Em suma: levando-se em consideração as circunstâncias do caso concreto, com as repercussões pessoais e sociais, os inconvenientes naturais suportados pelas autoras, seu nível socioeconômico, e, ainda, as condições financeiras do réu, a indenização pelos danos morais deve ser mantida no valor fixado na r. sentença de primeiro grau (R$ 4.000,00 para cada autora), quantia esta que se mostra suficiente para confortar o abalo indevidamente experimentado pelas autoras, e, ao mesmo tempo, desestimular a conduta negligente do réu.
Com razão, porém, as apelantes, eis que ausente qualquer relação jurídica contratual entre as partes, os juros de mora devem incidir a parte da data do corte do serviço, nos termos da súmula 54 do STJ.
Com relação ao pleito reconvencional, deve ser mantida integralmente a sentença.
Ora, evidente a conexão do pleito reconvencional com o principal, na medida em que ambos derivam dos mesmos fatos jurídicos, quais sejam, a existência de relação locatícia entre as autoras e a antiga proprietária do imóvel que foi arrematado em leilão pelo requerido.
Assim, não há que se falar em não conhecimento da reconvenção.
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E bem andou o magistrado sentenciante ao estipular uma taxa de ocupação mensal em favor do novo proprietário do imóvel:
“Entendimento contrário estaria a caracterizar enriquecimento
sem causa, já que elas residiram no imóvel no período de abril
de 2017 a julho de 2019, data que informaram que
desocuparam o imóvel (fls. 182), sem prova de qualquer
pagamento e/ou contraprestação, o que é vedado pelo
ordenamento juridica (caput do artigo 884 do Código Civil).
Considerando que o valor de R$ 500,00, pleiteado pelo
requerente, não foi contestado pelas requeridas e inexistindo
elementos que evidenciem serem exarcebados, fixo-os como o
valor mensal dos alugueres no período acima. Referida
importância a ser apurada em liquidação de sentença, deverá
ser atualizada monetariamente e com juros mensais de 1%.
Por fim, destaco que tal cobrança do aluguel independe de
notificação, ao revés do que ocorre no caso de desocupação.
Nesse sentido confira-se os seguintes arestos” (fls.350/351).
Assim, se a desocupação do imóvel ocorreu praticamente dois anos depois de notificadas as autoras, não poderiam permanecer utilizando o imóvel graciosamente, sendo acertada a decisão de fixação de uma verba locatícia mensal a fim de remunerar a ocupação a partir da data em que tinham ciência do dever de desocupação, sob pena de enriquecimento indevido das autoras.
De outro lado, não se mostra plausível a condenação por litigância de má-fé pretendida pelas apelantes, que exige a demonstração inequívoca do dolo processual.
E o eminente NELSON NERY JÚNIOR (in Código de Processo Civil Comentado e Legislação Extravagante, 10ª edição, Editora Revista dos Tribunais, p. 213) conceitua o litigante de má-fé como:
"A parte ou interveniente que, no processo, age de forma
maldosa, com dolo ou culpa, causando dano processual à
parte contraria.
É o improbus litigator, que se utiliza de procedimentos
escusos com o objetivo de vencer ou que, sabendo ser
difícil ou impossível vencer, prolonga deliberadamente o
andamento do processo procrastinando o feito. As
condutas aqui previstas, definidas positivamente, são
exemplos do descumprimento do dever de probidade
estampado no CPC 14".
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Nesse sentido, o entendimento da jurisprudência trazida à colação:
“LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ - DOLO OU ILICITUDE - AUSÊNCIA
- NÃO RECONHECIMENTO. Na litigância temerária, a má-fé
não se presume, mas exige prova satisfatória, não só de
sua existência, mas da caracterização do dano processual
a que a condenação cominada na lei visa a compensar.”
(Ap. s/ Rev. 677.512-00/4 - 8ª Câm. - Rel. Juiz ORLANDO
PISTORESI - J. 2.9.2004).
“LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ - DOLO OU ILICITUDE - AUSÊNCIA
- NÃO RECONHECIMENTO. Não restando caracterizado o
dolo processual e ausente, também, prova de prejuízo à
parte contrária, inviável a imposição de pena por litigância
de má-fé.” (AI 873.866-00/9 - 11ª Câm. - Rel. Juiz CLÓVIS
CASTELO - J. 21.3.2005).
Por fim, com relação aos ônus sucumbenciais da ação principal, se apenas a indenização pelos danos morais foi fixada em patamar inferior ao pleiteado, não é o caso de reconhecer a sucumbência recíproca, conforme entendimento previsto na Súmula nº 326, do Colendo Superior Tribunal de Justiça, veja-se:
"Na ação de indenização por dano moral, a condenação
em montante inferior ao postulado na inicial não implica
sucumbência recíproca".
Assim, quanto à ação principal, deve o réu arcar integralmente com as custas, despesas processuais e honorários advocatícios fixados em 15% sobre o valor total da condenação.
Ante o exposto, dou parcial provimento ao recurso das autoras para fixar a incidência de juros de mora da indenização por danos morais a partir do desligamento dos serviços, bem como para imputar ao requerido integralmente os ônus sucumbenciais da ação principal condenando-o a arcar com as custas, despesas processuais e honorários advocatícios fixados em 15% sobre o valor da condenação.
FELIPE FERREIRA
Relator
Assinatura Eletrônica