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- 2º Grau
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Inteiro Teor
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO
Registro: 2021.0000503855
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Criminal nº 1500412-61.2020.8.26.0548, da Comarca de Campinas, em que é apelante TULIO CELSO HASPER DA SILVA, é apelado MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO.
ACORDAM , em sessão permanente e virtual da 2ª Câmara de Direito Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: Afastaram a preliminar e NEGARAM PROVIMENTO ao recurso de Túlio Celso Hasper da Silva, mantendo-se integralmente a r. sentença. V.U. , de conformidade com o voto do relator, que integra este acórdão.
O julgamento teve a participação dos Desembargadores ALEX ZILENOVSKI (Presidente) E FRANCISCO ORLANDO.
São Paulo, 29 de junho de 2021.
LUIZ FERNANDO VAGGIONE
Relator (a)
Assinatura Eletrônica
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Voto nº 14.163
Apelaçãonº 1500412-61.2020.8.26.0548
Comarca: Campinas
Apelante: Tulio Celso Hasper da Silva
Apelado : Ministério Público do Estado de São Paulo
Apelação. Tráfico de drogas. Preliminar de nulidade. Audiência de instrução, debates e julgamento realizada por meio de videoconferência que violaria o princípio da legalidade. Não ocorrência. Situação excepcional de calamidade pública. Observância dos princípios constitucionais do devido processo legal. Precedentes. Preliminar afastada. Mérito. Prova segura. Materialidade e autoria comprovadas. Condenação mantida. Penas e regime adequadamente impostos. Manutenção. Recurso improvido.
Vistos.
Ao relatório da r. sentença de fls. 244/246, que passa a integrar a
presente decisão, acrescenta-se que Tulio Celso Hasper da Silva foi
condenado à pena de 05 (cinco) anos e 10 (dez) meses de reclusão, em
regime inicial fechado, e ao pagamento de 583 (quinhentos e oitenta e
três) dias-multa, no valor unitário mínimo, porqueincurso no artigo 33,
caput, da Lei nº 11.343/2006, sendo-lhe indeferido o direito de recorrer
em liberdade.
O acusado foi absolvido da imputação de violação ao artigo 329
do Código Penal, com fundamento no artigo 386, inciso II, do Código de
Processo Penal.
Inconformado, o réu apelou buscando, em preliminar, a nulidade
da audiência de instrução, debates e julgamento, uma vez que realizada
através de meio virtual.No mérito, pugna pela absolvição ante a
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insuficiência probatória (fls. 200/208).
Contra-arrazoado o apelo (fls. 215/221) e oferecido o r. parecer pela Procuradoria Geral de Justiça (fls. 229/236 e 269/270), manifestouse o Ministério Público, em ambas as instâncias, pelo não provimento do recurso defensivo.
É o relatório.
Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso interposto.
Preliminarmente, sustenta o recorrente a ocorrência de nulidade ante a realização do ato processual por ambiente virtual, o que, no seu entender, viola o princípio da legalidade.
Destaca-se que não se constata qualquer irregularidade na decisão que designou a audiência e tampouco na própria realização do ato.
Em virtude do estado de calamidade pública, decorrente da pandemia do Covid-19, e a consequente suspensão do expediente presencial do Poder Judiciário, o Conselho Nacional de Justiça editou, dentre outras, a Resolução nº 329, de 30 de julho de 2020, regulamentando a realização de audiências e outros atos processuais por videoconferência em processos penais, com vistas à continuidade da prestação jurisdicional e mediante a observância dos princípios
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constitucionais atinentes ao processo penal.
No âmbito estadual, o ato encontra amparo nos Comunicados CG 284/2020 e CG 317/2020, ambos da Corregedoria Geral da Justiça, expedidos com a mesma finalidade de garantir a marcha processual durante o período de quarentena decorrente da pandemia.
De acordo com o Comunicado CG 284/2020 “as audiências poderão ser realizadas por meio de videoconferência, a critério do magistrado responsável, utilizando a ferramenta Microsoft Teams (que não precisa estar instalada no computador das partes, advogados e testemunhas), via computador ou smartphone, sendo vedada a atribuição de responsabilidade aos advogados e procuradores a providenciarem o comparecimento de partes e testemunhas a qualquer localidade”.
O Comunicado CG 317/2020, por sua vez, prevê que “audiências virtuais poderão ser realizadas, mediante agendamento, utilizando-se a ferramenta Microsoft Teams, para a participação de pessoas custodiadas nas Unidades Prisionais do Estado, observando-se o Comunicado CG nº 284/2020”.
Ressalta-se que o sistema Microsoft Teams se revelou importante ferramenta para viabilização da continuidade dos trabalhos forenses, sendo absolutamente apta a garantir o pleno exercício do direito de defesa, tanto que a defesa não indicou situação concreta prejudicial ao trabalho técnico ou à autodefesa do réu.
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Acerca da legitimidade da realização das audiências por meio
virtual, já se manifestou o C. Superior Tribunal de Justiça:
HABEAS CORPUS. ROUBO CIRCUNSTANCIADO.
AUDIÊNCIA DE INSTRUÇÃO E JULGAMENTO POR
VIDEOCONFERÊNCIA. ALEGAÇÃO DE
CERCEAMENTO DE DEFESA. NÃO OCORRÊNCIA.
EXCEPCIONALIDADE DA SITUAÇÃO. CALAMIDADE
PÚBLICA. PANDEMIA DE COVID-19. RESOLUÇÃO N.
329/2020 DO CNJ. NECESSIDADE DE OBSERVÂNCIA.
1. A conjuntura atual de crise sanitária mundial é
excepcionalíssima e autoriza, no âmbito de processos
penais e de execução penal, a realização de atos (por
exemplo, sessões de julgamento, audiências e perícias) por
sistema áudio visual sem que isso configure cerceamento de
defesa.
2. O Conselho Nacional de Justiça e os órgãos judiciais nas
diversas unidades da Federação e comarcas do País
colocaram em ação inúmeras boas práticas no segmento
tecnológico, que têm assegurado a milhões de brasileiros o
acesso aos serviços prestados pelo Judiciário, entre as
quais, uma plataforma emergencial para realização de atos
processuais por meio de videoconferência.
3. Para evitar que haja máculas aos princípios
constitucionais relacionados à garantia de ampla defesa,
Magistrados e Tribunais devem observar os parâmetros
dados pelo Conselho Nacional de Justiça na Resolução n.
329, de 30/7/2020.
4. No caso, embora a regra geral - que deve sempre
prevalecer - seja de que as audiências devem ser presenciais
e o réu deve ser interrogado pessoalmente pelo Juiz, o
contexto atual justifica a realização desses atos por
videoconferência. A audiência de instrução e julgamento
virtual deve ocorrer em tempo real, permitindo a interação
entre o magistrado, as partes e os demais participantes, bem
como devem ser adotadas todas as providências para buscar
a máxima equivalência com o ato realizado
presencialmente, respeitando a garantia da ampla defesa e
o contraditório, a igualdade na relação processual, a efetiva
participação do réu na integralidade da audiência e a
segurança da informação e da conexão.
5. Ordem denegada. Liminar sem efeito. Recomendação ao
Juízo expedida, em atenção ao parecer do Ministério
Público Federal, para que, na impossibilidade de retomada
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das audiências presenciais pela situação epidemiológica da
comarca, redesigne audiência por videoconferência, com
observância das medidas previstas na Resolução n.
329/2020, do CNJ (fl. 413). ( HC 590.140/MG, Rel. Ministro
SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, SEXTA TURMA, julgado em
22/09/2020, DJe 25/09/2020)
Nesse mesmo sentido já decidiu este Egrégio Tribunal de Justiça:
Apelação. Tráfico de drogas. Recurso da Defesa. Arguição
de nulidade processual em razão da realização da audiência
de instrução por meio de videoconferência. Pleito
absolutório por insuficiência de provas. Pleitos
subsidiários: a) reconhecimento do tráfico privilegiado; b)
fixação do regime inicial aberto; c) substituição da pena
privativa de liberdade por restritiva de direitos. 1.
Preliminar. Alegação de nulidade da realização de
audiência de instrução, debates e julgamento por meio de
videoconferência. Alegação de ilegalidade dos atos
administrativos que regulamentaram a realização de
audiências virtuais. Violação de garantias do devido
processo. Ilegalidade afastada. Situação de emergência em
saúde pública de importância internacional, decorrente da
pandemia do novo coronavírus (SARS-CoV2), declarada
pela Organização Mundial de Saúde. Medidas de prevenção
e de contenção adotadas pelos Estados nacionais.
Promulgação da Lei 13.979/2020 que especifica as medidas
de isolamento e quarentena para enfrentamento da
pandemia. Medidas de quarentena decretadas no Estado de
São Paulo. Suspensão das atividades judiciais presenciais
fundada nas medidas adotadas pelo governo federal e
estadual. Adoção de sistema remoto de trabalho no âmbito
do Poder Judiciário. Atividade essencial que não foi
paralisada. Adequação das medidas de trabalho diante da
excepcional situação de emergência de saúde pública. Atos
administrativos editados com o propósito de conferir
uniformidade na realização dos atos processuais pelo
regime remoto de trabalho o qual guarda natureza
excepcional e temporária. Medidas que buscam resguardar
a saúde de todos os atores envolvidos na marcha
processual, bem como dos acusados em geral. Aplicação
analógica do art. 185, § 2º do Código de Processo Penal. 2.
Violação de garantias processuais não reconhecida.
Entrevista reservada entre defensor e acusado resguardada
pela plataforma digital utilizada. Incomunicabilidade das
testemunhas controlada. Identificação das testemunhas
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preservada. Possibilidade de adoção de medidas que possam
resguardar a proibição de leitura de depoimentos escritos.
(...) (Apelação Criminal 1501036-13.2020.8.26.0548; Relator
Marcos Alexandre Coelho Zilli; Órgão Julgador: 16ª Câmara
de Direito Criminal; Foro de Campinas - 4ª Vara Criminal;
Data do Julgamento: 05/04/2021; Data de Registro:
05/04/2021)
Habeas Corpus. Processual Penal. Alegação de
constrangimento ilegal consistente na designação de
audiência de instrução e julgamento na modalidade virtual,
através da plataforma Microsoft Teams. Inexistência de
ilegalidade a ser sanada. Situação excepcional que meios de
possibilitar a continuidade dos trabalhos forenses.
Manutenção das garantias processuais, tais como o direito
de entrevista reservada com o defensor. Ato amparado nos
Comunicados CG 284/2020 e CG 317/2020, ambos da
Corregedoria Geral de Justiça, expedidos com a finalidade
de garantir a marcha processual durante o período de
quarentena decorrente do novo coronavírus. Inexistente
constrangimento ilegal a ser sanado pela presente via
heroica. Ordem denegada. (Habeas Corpus nº
2098132-63.2020.8.26.0000, 16ª Câmara de Direito
Criminal. Rel. Guilherme de Souza Nucci, julgado em 04 de
julho de 2020).
Atente-se que tal ferramenta tem sido amplamente divulgada
para a prática de atos que envolvam considerável número de pessoas,
como o julgamento colegiado em Tribunais e, também, as sessões do
Poder Legislativo, em Assembleias Legislativas e Câmaras Municipais,
possibilitando a permanência das atividades cotidianas.
Além disso, ainda que irregularidade houvesse, o
reconhecimento da nulidade dependeria da demonstração do efetivo
prejuízo para a defesa do réu, o que não ocorreu no caso em análise.
Portanto, não demonstrado prejuízo advindo ao acusado em
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razão da realização da audiência por videoconferência, não há qualquer
nulidade a ser reconhecida.
Afastada a preliminar, passa-se à análise do mérito.
Segundo a denúncia:
“1-) Consta do incluso inquérito policial iniciado por auto de
prisão em flagrante que, no dia 14 de fevereiro de 2020, por
volta das 10h50min, na Rua Manganês, altura do nº 281,
bairro Vila Rica, nesta cidade e Comarca, TULIO CELSO
HASPER DA SILVA , qualificado às fls. 19, trazia consigo ,
para fins de tráfico, 35 (trinta e cinco) invólucros plásticos
contendo cocaína , pesando, aproximadamente, 14,63g
(massa líquida), sem autorização legal e em desacordo com
determinação legal e regulamentar, além da quantia de R$
50,00 (cinquenta reais), consoante boletim de ocorrência de
fls. 10/12, auto de exibição e apreensão de fls. 13, guia
depósito judicial de fls. 91 e laudo toxicológico definitivo de
fls. 94/96.”
A materialidade do crime é atestada pelo auto de prisão em
flagrante (fls. 01/02), boletim de ocorrência (fls. 10/12), pelo auto de
exibição e apreensão (fl. 13), pelo laudo de constatação provisória (fls.
16/17), pelo exame químico-toxicológico (fls. 94/96) e pela prova oral
colhida.
O peso líquido das substâncias apreendidas foi indicado no laudo
de exame químico-toxicológico: 14,63 gramas de cocaína.
A autoria é certa.
A prova foi assim considerada na r. sentença:
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“ (...) De fato, nadata da abordagem, perante a autoridade policial, os Guardas Municipaiscomo o fizeram em juízo, contaram que desconfiaram do réu e seuacompanhante, a testemunha Marcio, ao vêlos em um conhecido ponto devenda de entorpecente, acrescentando que a suspeita aumentou aoverificarem que Marcio trazia consigo uma sacola e fazia menção deentregar alguma coisa a Márcio, mas ao vê-los se desfez da sacola e passoua correr, desobedecendo a ordem de parada. Alcançado e detido, em seupoder foi encontrada uma cédula de R$50,00 (cinquenta reais) no interior desua boca e, na sequência, constatou-se que na sacola da qual ele se desfizeraestavam as porções de cocaína. É claro que ele, como já destacado, negou apropriedade da droga, no entanto, além de ter sido desmentido pelosguardas, que não o conheciam, também foi desmentido pelo próprio Marcio,segundo o qual, na delegacia de polícia, contou que é usuário de crack ecocaína, portador de distúrbio mental e que se encontrava em companhia deTulio, porque pretendia adquirir dele cocaína, estando, por isso, comR$120,00 (cento e vinte reais), no entanto, tão logo aproximou-se do réu,percebeu a aproximação de uma viatura da Guarda Municipal, o queprovocou a fuga deste último. Ele porém, permaneceu onde estava já quesegundo referiu, não estava devendo nada (...).”
Da prova oral lançada na r. sentença sob o crivo das partes e o seu cotejo com os demais elementos probatórios existentes nos autos do processo é autorizado inferir que estão cabalmente demonstradas a existência material do crime de tráfico de drogas descrito na denúncia e a responsabilidade penal dele decorrente.
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Com efeito, os guardasmunicipais, sempre que ouvidos, foram uníssonos em narrar que em patrulhamento de rotina avistaram o réu e outro indivíduo (Márcio Malaquias Damasceno) em ação típica da mercancia ilícita, porquanto um entregava algo para o outro, sendo o endereço conhecido pela venda de drogas. Ao visualizar a viatura, o acusadodispensou um saco plástico ao solo e tentou empreender fuga. Abordado, dentro de sua boca, foi encontrada a quantia de R$50,00. Na sacola dispensada, localizaram as porções de drogas descritas na denúncia. Indagado, negou a prática delitiva. Por seu turno, com Márcio foi encontrada a quantia de R$120,00, tendo admitido que ali estava para adquirir entorpecentes. Os agentes públicos esclareceram, ainda, que no local apenas estavam os dois abordados.
Segundo posicionamento firmado nos Tribunais Superiores, o testemunho de agentes públicos (policiais civis, militares e guardas municipais), além de gozarem de fé pública, deve ser valorado como qualquer outro depoimento, estando sua admissão condicionada à prudente apreciação de seu conteúdo e cotejo com os demais elementos probatórios inseridos no processo penal. Nesse sentido:
PENAL E PROCESSO PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO
AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. REVISÃO CRIMINAL.
CRIME DE TRÁFICO DE DROGAS. NULIDADE.
DILIGÊNCIA REALIZADA NO DOMICÍLIO DO AGRAVANTE
SEM AUTORIZAÇÃO JUDICIAL. POSSIBILIDADE.
FUNDADAS RAZÕES. SITUAÇÃO DE FLAGRÂNCIA.
ENTORPECENTES DISPENSADOS PELO SUSPEITO ANTES
DA ABORDAGEM POLICIAL. PLEITO DE ABSOLVIÇÃO.
PALAVRA DOS POLICIAIS. MEIO DE PROVA IDÔNEO.
REVERSÃO DO JULGADO PELO TRIBUNAL DE ORIGEM.
IMPOSSIBILIDADE. REVISÃO DO CONTEÚDO FÁTICOPROBATÓRIO. ÓBICE DA SÚMULA N. 7/STJ. (...) 3. A
Apelação Criminal nº 1500412-61.2020.8.26.0548 -Voto nº 14163 10
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jurisprudência desta Corte é firmada no sentido de que "o
depoimento dos policiais prestado em Juízo constitui meio de
prova idôneo a resultar na condenação do réu, notadamente
quando ausente qualquer dúvida sobre a imparcialidade dos
agentes, cabendo à defesa o ônus de demonstrar a
imprestabilidade da prova, o que não ocorreu no presente
caso" ( HC n. 477.171/SP, relator Ministro REYNALDO
SOARES DA FONSECA, QUINTA TURMA, julgado em
13/11/2018, DJe 22/11/2018). (...) 5. Agravo regimental
desprovido. ( AgRg no AREsp 1770014/MT, Rel. Ministro
ANTONIO SALDANHA PALHEIRO, SEXTA TURMA, julgado
em 07/12/2020, DJe 15/12/2020).
Ademais, inexiste nos autos qualquer prova no sentido de que
tinham a intenção de prejudicar o acusado, imputando-lhe crime por ele
não cometido.
Neste contexto, a versão apresentada pelo réu, no sentido de que
apenas estava no local para adquirir drogas para uso próprio, restou
isolada nos autos, mormente pelo testemunho dos agentes públicos, os
quais esclareceram que visualizaram atividade típica do comércio de
entorpecentes e, em seguida, encontraram entorpecentes na sacola
dispensada por Túlio , além de dinheiro em seu poder.
Além disso, o réu em juízo afirmou que estava naquela
localidade juntamente com Márcio, ambos esperando pelo traficante
para mencionada aquisição. No entanto, sua versão sequer foi
confirmada por ele. Ao revés, Márcio, na delegacia, afirmou que quem
vendia drogas naquela “biqueira” era Túlio , dizendo que não correu
quando os guardas civis municipais chegaram diferentemente do réu
pois “não estava devendo nada” (fl. 06).
Insta salientar que é ônus do acusado, quando deduz versão
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exculpatória, produzir elementos probatórios aptos a demonstrar as suas
alegações, tarefa da qual ele não se desincumbiu durante a instrução
processual, a rigor do artigo 156 do Código de Processo Penal.
Diante de todo panorama apresentado, verifica-se nitidamente
que em oposição à frágil versão defensiva, sobressaem as informações
ofertadas pelos guardas civis municipais, os quais deram conta, de modo
seguro e sob o crivo do contraditório, da existência da infração penal e
sua respectiva autoria.
O tráfico de drogas na modalidade “trazer consigo” prescinde da
prova da mercancia, bastando a demonstração de tal finalidade, a qual
restou cabalmente comprovada nos autos pelos testemunhos já
destacados, assim como pela quantidade de droga apreendida e pela
forma de acondicionamento das substâncias, que se encontravam
divididas em porções menores (35 porções de cocaína), de modo a
facilitar a entrega a terceiros.
Nesse sentido:
PENAL E PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS
SUBSTITUTIVO DE RECURSO PRÓPRIO.
INADEQUAÇÃO. TRÁFICO DE DROGAS. AÇÃO
PENAL PÚBLICA INCONDICIONADA. PRINCÍPIO DA
DIVISIBILIDADE. POSSIBILIDADE DE
OFERECIMENTO DE DENÚNCIAS SEPARADAS.
PEDIDO DE ABSOLVIÇÃO. REEXAME DE FATOS.
AUSÊNCIA DE MANIFESTA ILEGALIDADE. ORDEM
NÃO CONHECIDA. (...) 3. O Superior Tribunal de Justiça
já se manifestou que "para a ocorrência do elemento
subjetivo do tipo descrito no art. 33, caput, da Lei n.
11.343/2006, é suficiente a existência do dolo, assim
compreendido como a vontade consciente de realizar o
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ilícito penal, o qual apresenta 18 (dezoito) condutas que
podem ser praticadas, isoladas ou conjuntamente" (REsp
1.361.484/MG, Rel. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ,
SEXTA TURMA, julgado em 10/6/2014, DJe 13/6/2014). 4.
Hipótese em que a condenação da paciente pelo delito de
tráfico de drogas - posse de 233.63g de cocaína e 1,35g de
maconha, sem autorização e em desacordo com
determinação legal - está amparada em prova suficiente
(auto de apreensão, laudo de constatação, depoimentos
testemunhais e conversas obtidas mediante interceptação
telefônica). Logo, a pretensão de absolvição por atipicidade
da conduta demanda, necessariamente, o revolvimento de
matéria fático-probatória, o que é inviável em habeas
corpus. 5. Habeas corpus não conhecido. ( HC 496.536/MG,
Rel. Ministro RIBEIRO DANTAS, QUINTA TURMA,
julgado em 05/09/2019, DJe 12/09/2019) (grifo nosso).
De rigor, portanto, a manutenção da condenação pelo crime
descrito na inicial.
Passa-se à análise das sanções:
Inicialmente, observa-se que não consta da r. sentença a
pormenorização do critério trifásico da dosimetria da pena. Confira-se
(fl. 246 e mídia digital da audiência):
“Posto isso epelo mais que dos autos constam, julgo
parcialmente procedente a ação e com fulcro no artigo 386, inciso II,
do Código de Processo Penal, absolvo Tulio Celso Hasper da Silva da
imputação relativa ao crime descrito no artigo 329 do Código Penal,
mas o condeno como incurso no artigo 33 da Lei 11.343/2006, à pena
de 05 (cinco) anos e 10 (dez) meses de reclusão, além de 583
(quinhentos e oitenta e três) dias-multa no valor mínimo, cujo
cumprimento inicial dar-se-á no regime fechado, tendo em vista não
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apenas a sua reincidência, como a sua reiteração criminosa, reveladora de péssima conduta social e distorção de personalidade, daí porque entendo que a manutenção de sua custódia é medida que se impõe para a preservação da ordem pública, evidentemente afrontada com a contumaz prática criminosa, no caso de delitos equiparados a hediondo, o que torna insuficiente qualquer medida cautelar previsto no referido diploma Processual Penal.”
Extrai-se do referido excerto, no entanto, que a pena-base foi estabelecida no mínimo legal, em 05 (cinco) anos de reclusão e o pagamento de 500 (quinhentos) dias-multa, e na segunda etapa sofreu um aumento de 1/6 (um sexto) por conta da multirreincidência genérica do réu (processos nº 0002508-31.2017.8.26.0548, com trânsito em julgado para a defesa em 26/01/2018, nº 0004105-76.2017.8.26.0114, trânsito em julgado para o réu em 23/05/2018, nº 0042332-19.2009.8.26.0114, com data fim da execução prevista para 02/06/2020, e nº 0070213-34.2010.826.0114, com data do fim da execução prevista para 25/12/2020 fls. 49/54 e 68/69) e reincidência específica (processo nº 0012192-31.2011.8.26.0114, com data do fim da execução prevista para 02/06/2016 fls. 50/51 e 68).
Na terceira fase, o redutor previsto no art. 33, § 4º, da Lei Antidrogas não poderia mesmo incidir, por força da multirreincidência do apelante, conforme expressa disposição legal. Assim, a pena tornouse definitiva em 05 (cinco) anos e 10 (dez) meses de reclusão, além do pagamento de 583 (quinhentos e oitenta e três) dias-multa, no valor unitário mínimo.
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Por fim, considerando o quantum da pena imposta e o disposto no artigo 387, § 2º, do Código de Processo Penal, observa-se que o acusado permaneceu 212 dias custodiado cautelarmente,conforme GRP de fls. 193/194, período compreendido entre a prisão em flagrante, ocorrida em 14/02/2020 (fls. 01/02) e a publicação da r. sentença (16/09/2020). Decotado esse tempo da pena imposta, o saldo que lhe resta a cumprir autorizaria, na apreciação exclusiva do § 2.º do art. 33 do Código Penal, a fixação de regime mais brando. Todavia, as circunstâncias do caso concreto, em especial a multirreincidência do réu, uma das condenações, inclusive, por idêntico delito, e a apreensão de droga de maior nocividade (cocaína), impedem, nos termos do § 3.º do art. 33, combinado com o art. 59, ambos do Código Penal, a alteração do regime fechado fixado na r. sentença.
Deixo de substituir a pena privativa de liberdade por restritiva de direitos e de conceder a suspensão condicional da pena por expressa determinação legal (artigo 44, incisos I e II, e artigo 77, caput, e inciso I, ambos do Código Penal).
Ante do exposto, afastada a preliminar, NEGA-SE PROVIMENTO ao recurso de Túlio Celso Hasper da Silva , mantendose integralmente a r. Sentença.
LUIZ FERNANDO VAGGIONE
Relator