18 de Agosto de 2022
- 2º Grau
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Detalhes da Jurisprudência
Processo
Órgão Julgador
Publicação
Julgamento
Relator
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Inteiro Teor
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO
Registro: 2021.0000674942
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº XXXXX-07.2019.8.26.0526, da Comarca de Salto, em que é apelante CLAUDINEIA DOURADO ANDRADE (ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA), é apelado MUNICIPIO DE SALTO.
ACORDAM , em sessão permanente e virtual da 13ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: Deram provimento ao recurso. V. U. , de conformidade com o voto do relator, que integra este acórdão.
O julgamento teve a participação dos Desembargadores FLORA MARIA NESI TOSSI SILVA (Presidente), ISABEL COGAN E FERRAZ DE ARRUDA.
São Paulo, 20 de agosto de 2021.
FLORA MARIA NESI TOSSI SILVA
Relator (a)
Assinatura Eletrônica
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VOTO Nº 19.468 (Processo digital)
APELAÇÃO Nº XXXXX-07.2019.8.26.0526
Nº NA ORIGEM: XXXXX-07.2019.8.26.0526
COMARCA: SALTO (1ª Vara)
APELANTE: CLAUDINEIA DOURADO ANDRADE (Justiça Gratuita)
APELADO: MUNICÍPIO DE SALTO
INTERESSADO: SECRETÁRIO MUNICIPAL DA SAÚDE DO MUNICÍPIO DA ESTÂNCIA TURÍSTICA DA CIDADE DE SALTO/SP
MM. JUIZ DE 1º. GRAU: Claudio Campos da Silva
APELAÇÃO CÍVEL. MANDADO DE SEGURANÇA. DIREITO À SAÚDE. Pleito de fornecimento do medicamento Entyvio (Vedolizumabe) 300 mg para tratamento de Doença de Crohn.
Direito à saúde, que é dever do Estado (art. 196 da Constituição Federal). Direito à vida e à dignidade da pessoa humana que não podem ser suplantados pela omissão ou pela conduta abusiva da administração pública.
Quadro de saúde, necessidades e condições particulares de cada indivíduo que devem ser observados, em cada caso concreto.
Feito distribuído em 25/09/2019. Necessidade de aplicação dos requisitos estabelecidos pelo tema 106 do STJ. Cumprimento de todos os requisitos no caso concreto. Pleito de dispensação do medicamento não acolhido, pela r. sentença.
Laudo médico comprobatório da necessidade do tratamento através do medicamento, que não faz parte da lista da RENAME.
Incapacidade financeira da impetrante comprovada.
Pleito de disponibilização dos medicamentos, constantes na ANVISA, que merece acolhimento.
R. sentença que deve ser reformada.
RECURSO DE APELAÇÃO PROVIDO.
Vistos.
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Trata-se de mandado de segurança impetrado por
CLAUDINEIA DOURADO ANDRADE em face do SECRETÁRIO
MUNICIPAL DA SAÚDE DO MUNICÍPIO DA ESTÂNCIA
TURÍSTICA DA CIDADE DE SALTO/SP em que pleiteia o
fornecimento do medicamento Entyvio (Vedolizumabe) 300 mg . Alega
a impetrante ser portadora de Doença de Crohn com acometimento de
cólon, comprometimento de todo cólon (pancolite), evoluindo com
emagrecimento progressivo, dores abdominais recorrentes e diarreia
muco-sanguinolenta (CID: K.50), motivo pelo qual necessita do uso do
medicamento pleiteado. Houve pedido liminar. Junta documentos às fls.
14/57.
Sobreveio a r. sentença, de fls. 58/59 que deferiu os
benefícios da justiça gratuita e indeferiu a inicial, julgando extinto o
processo, sem resolução de mérito , nos seguintes termos:
“Vistos.
Claudineia Dourado Andrade, qualificada na inicial, impetrou mandado de segurança contra ato do Secretário Municipal da Saúde do Município da Estância Turística de Salto/SP, objetivando a concessão do medicamento "Entyvio", cujo fornecimento foi negado pela autoridade coatora.
É o breve relatório.
Decido.
Impõe-se o indeferimento da inicial, por falta de interesse processual.
Isso porque, no julgamento do REsp repetitivo nº 1.657.156, o STJ fixou a seguinte tese: "A concessão dos medicamentos não incorporados em atos normativos do SUS exige a presença cumulativa dos seguintes requisitos:
i) Comprovação, por meio de laudo médico fundamentado e circunstanciado expedido por médico que assiste o paciente, da imprescindibilidade ou necessidade do medicamento, assim como da ineficácia, para o tratamento da moléstia, dos fármacos fornecidos pelo SUS;
ii) incapacidade financeira de arcar com o custo do medicamento prescrito;
iii) existência de registro do medicamento na ANVISA,
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observados os usos autorizados pela agência.
Modula-se os efeitos do presente repetitivo de forma que os requisitos acima elencados sejam exigidos de forma cumulativa somente quanto aos processos distribuídos a partir da data da publicação do acórdão embargado, ou seja, 4/5/2018.".
No caso, para saber se os medicamentos fornecidos pelo SUS são ineficazes e, portanto, se preencher o requisito descrito no item i, faz-necessária dilação probatória, com a produção de prova pericial, o que é inadmissível na via eleita.
Ante o exposto, INDEFIRO A INICIAL e julgo extinto o processo, sem resolução do mérito, com fundamento nos artigos 330, III e 485, VI do CPC.
Custas pela impetrante, observados os benefícios da gratuidade da justiça, os quais concedo, em razão do patrocínio da causa pelo convênio Defensoria-OAB, presumindo-se, portanto, a hipossuficiência financeira.
Honorários incabíveis na espécie.
Expeça-se certidão de honorários.
P.R.I.C.”
A impetrante apela, às fls. 61/69 , alegando, em
síntese, que: a) o entendimento de que há necessidade de perícia médica
para comprovação de que os medicamentos fornecidos pelo SUS são
ineficazes não merece prosperar, tendo em vista que para comprovação
deste requisito basta documento médico válido e subscrito por
profissional competente, nos termos do julgado proferido em sede de
tema repetitivo perante o STJ; b) consta dos autos relatório médico
detalhado acerca da doença de que a recorrente é portadora, bem como
de que não pode utilizar os medicamentos fornecidos pelo SUS em
virtude de reação alérgica (fls. 22), o que demonstra que os documentos
que acompanharam a inicial são suficientes para comprovar o direito
líquido e certo para obtenção do medicamento pleiteado; c) os demais
requisitos estabelecidos pelo C. STJ no julgamento do Tema 106 foram
comprovados nos autos. Requer: a) seja concedida tutela recursal pelo
receio da consumação de prejuízos irreparáveis à esfera da saúde, a fim
de ordenar ao recorrido, que dispense a postulante os medicamentos de
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que necessita, por tempo indeterminado e de maneira ininterrupta, enquanto perdurar a necessidade do tratamento médico, garantindo-se, ainda, o fornecimento do produto do mesmo fabricante durante toda a duração do tratamento, cumprindo-se, também, os outros itens da Portaria 863 de 12 de novembro de 2002 do Ministério da Saúde, como única forma de garantir-lhe o direito à vida; b) ao final seja reformada a r. sentença para conceder a segurança pleiteada, para que o recorrido seja compelido ao fornecimento dos medicamentos de que a recorrente necessita, por ser direito líquido e certo, confirmando a liminar acima pleiteada, por ser medida de mais lídima justiça.
A autoridade coatora apresentou contrarrazões de apelação, às fls. 78/81.
Esta subscritora CONCEDEU o efeito ativo ao recurso, na decisão de fls. 84 e seguintes.
Pelo acórdão de fls.123/133, foi dado PARCIAL PROVIMENTO ao apelo, reformando-se a r. sentença e determinandose o retorno dos autos à vara de origem para regular processamento e julgamento do presente mandado de segurança. Foi determinado, ainda, que até a apreciação do mérito do 'mandamus' pelo juízo de primeiro grau, ficaria a autoridade coatora obrigada a fornecer à impetrante o medicamento pleiteado, na forma da liminar concedida em tutela recursal por esta subscritora (fls. 84 e seguintes dos presentes autos).
Nova sentença foi proferida (fls. 181/182), cujo relatório adoto, e denegou a ordem .
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Apela a impetrante (fls. 187/195), aduzindo que: a) Trata-se a presente demanda de mandado de segurança pugnando pela concessão de medicamentos que a apelante necessita em virtude de ser portadora de Doença de Crohn com acometimento de cólon, com comprometimento de todo cólon (pancolite), evoluindo com emagrecimento progressivo, dores abdominais recorrentes e diarreia muco-sanguinolenta CID: K.50.1, conforme demonstra relatório médico; b) o entendimento de que há necessidade de perícia médica para comprovação de que os medicamentos fornecidos pelo SUS são ineficazes não merece prosperar, tendo em vista que para comprovação deste requisito basta documento médico válido e subscrito por profissional competente, nos termos do julgado proferido em sede de tema repetitivo perante o STJ; c) já consta dos autos relatório médico detalhado acerca da doença de que a recorrente é portadora, bem como de que não pode utilizar os medicamentos fornecidos pelo SUS em virtude de reação alérgica (fls. 22), o que demonstra que os documentos que acompanharam a inicial são suficientes para comprovar o direito líquido e certo para obtenção do medicamento pleiteado.
Foram apresentadas contrarrazões (fls. 207/211).
É o relatório .
Cumpre destacar que, em 3.5.2017, foi cadastrado o Tema nº 106 no Superior Tribunal de Justiça, para uniformização do entendimento sobre a “obrigatoriedade de fornecimento, pelo Estado,
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de medicamentos não contemplados na Portaria nº 2.982/2009 do Ministério da Saúde (Programa de Medicamentos Excepcionais)”, ainda, que, em 25.04.2018, foi proferido, pelo C. Superior Tribunal de Justiça, v. acórdão que negou provimento ao Recurso Especial nº 1.657.156/RJ, Tema 106, concernente à “obrigatoriedade de fornecimento, pelo Estado, de medicamentos não contemplados na Portaria nº 2.982/2009 do Ministério da Saúde (Programa de Medicamentos Excepcionais)”. O v. aresto foi publicado 04.05.2018, conforme se extrai de consulta ao andamento processual do Recurso ao “site” do C. Superior Tribunal de Justiça.
Contra o v. acórdão que julgou o REsp Nº 1.657.156/RJ, em 25.04.2018, foram opostos Embargos de Declaração pela União, Estado do Rio de Janeiro e pela parte Fátima Theresa Esteves dos Santos de Oliveira em 18.05.2018 e 22.05.2018.
Os Embargos de Declaração interpostos pelo Estado do Rio de Janeiro foram acolhidos em parte, para esclarecer que onde se lê: “existência de registro na ANVISA do medicamento”, leia-se: “existência de registro do medicamento na ANVISA, observados os usos autorizados pela agência”. Já os Embargos de Declaração interpostos pela União e pela parte Fatima Theresa Esteves dos Santos de Oliveira foram rejeitados. Por fim, houve alteração de ofício do termo inicial da modulação dos efeitos, do Recurso Especial Repetitivo, para a data da publicação do acórdão embargado, qual seja, 04.05.2018.
Assim sendo, a Tese Firmada no Tema Repetitivo nº
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106 do A.STJ, alterada no julgamento dos Embargos de Declaração, cujo acórdão foi publicado no DJe de 21.09.2018, foi:
“A concessão dos medicamentos não incorporados em atos normativos do SUS exige a presença cumulativa dos seguintes requisitos:
i () Comprovação, por meio de laudo médico fundamentado e
circunstanciado expedido por médico que assiste o paciente, da imprescindibilidade ou necessidade do medicamento, assim como da ineficácia, para o tratamento da moléstia, dos fármacos fornecidos pelo SUS;
ii () Incapacidade financeira de arcar com o custo do
medicamento prescrito;
iii () Existência de registro do medicamento na ANVISA,
observados os usos autorizados pela agência.”
Quanto à modulação dos efeitos, ficou assentado que: “Modula-se os efeitos do presente repetitivo de forma que os requisitos acima elencados sejam exigidos de forma cumulativa somente quanto aos processos distribuídos a partir da data de publicação do acórdão embargado, ou seja, 4/5/2018”.
No caso concreto, o medicamento pleiteado (Entyvio -Vedolizumabe ) NÃO SE ENCONTRA INCORPORADO NA LISTA DO RENAME, e o mandado de segurança foi DISTRIBUÍDO EM 25/09/2019 (consoante anotação do sistema SAJ), ou seja, posteriormente e à data fixada como paradigma para aplicação dos requisitos do tema 106 do E. STJ (quanto aos medicamentos não incorporados pelo SUS).
Em consequência, DEVEM SER APLICADOS AO
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CASO CONCRETO OS REQUISITOS FIXADOS PELO TEMA 106 , do E. STJ.
Por sua vez, verifica-se que no caso concreto estão preenchidos os requisitos fixados pelo Tema 106, aqui referido.
Com efeito, compulsando os autos, verifica-se que a impetrante é portadora de Doença de Crohn, e lhe foi prescrito o uso do medicamento Entyvio - Vedolizumabe de forma contínua.
Ademais, como se observa dos autos, há documento médico indicando a imprescindibilidade dos medicamentos, pleiteados nesta demanda, para manutenção da incolumidade física da impetrante (fls. 21 e 22), bem como apontando o afastamento do medicamento Remicade Innfliximabe, fornecido pelo SUS).
Entendo que se encontra demonstrada, a partir dos documentos médicos acostados às fls. 21/25, a moléstia da apelante (Doença de Crohn com acometimento de cólon, com comprometimento de todo cólon - pancolite), evoluindo com emagrecimento progressivo, dores abdominais recorrentes e diarreia muco-sanguinolenta (CID: K.50), motivo pelo qual necessita do medicamento pleiteado. Também consta em referidos relatórios médicos que a impetrante já fez utilização de diversos medicamentos para controle da doença, sem obter sucesso.
O médico independentemente se da rede pública ou privada é profissional legal e tecnicamente habilitado, detendo
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autonomia no exercício de sua profissão.
Por sua vez, de acordo com os elementos trazidos, a impetrante não possui condições financeiras de arcar com a medicação pleiteada, sem prejuízo de sua própria subsistência, mormente em razão de estar desempregada, sendo que o medicamento custa R$ 15.800,00 a caixa), razão pela qual teve deferida a gratuidade de justiça (fls. 59).
Por fim, cumpre analisar que o medicamento pleiteado possui registro na ANVISA, inclusive para tratamento da doença que acomete a impetrante.
A saúde, como “direito de todos e dever do Estado”, é garantida na Constituição Federal, em seu art. 196. Assim sendo, tratamentos e medicamentos ou congêneres devem ser assegurados a todos os cidadãos.
A questão sobre a dispensação de medicamentos, equipamentos, insumos e tratamentos de saúde é bastante tormentosa, porquanto traz à discussão a colisão de relevantes princípios e direitos constitucionais. De um lado, os que protegem o indivíduo em si, como o direito à saúde, insculpido no art. 196 da Constituição Federal, que fortemente se correlaciona com o direito à vida ( CR, art. 5º, caput) e com a dignidade da pessoa humana ( CR, art. 1º, III). De outro, os que protegem a coletividade, como o dever do Estado em promover políticas sociais e econômicas que visem ao acesso universal e igualitário às ações e serviços de saúde ( CR, art. 196). Tais direitos acham-se conflitantes na medida em que as necessidades individuais são mitigadas
Apelação Cível nº XXXXX-07.2019.8.26.0526 -Voto nº 19468 10
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em prol da coletividade, mormente sob a justificativa da limitação orçamentária do ente público questão abordada pelo que a doutrina chama de “reserva do possível”.
Diante desse conflito, a intervenção judicial justifica-se quando a omissão estatal ou sua conduta abusiva comprometerem a garantia de condições mínimas para uma existência digna ao indivíduo, entendimento que é corroborado no despacho proferido em 29.04.2004, pelo Ministro Celso de Mello, na ADPF-45.
Destarte, é legítima a atuação do Poder Judiciário nessas hipóteses, não havendo que se falar em violação ao princípio da separação dos poderes. Neste caso há apenas a preservação da vida da parte necessitada, mediante a concessão de medida que possui previsão constitucional.
O direito à saúde não está adstrito à discricionariedade do poder público, mas a ato estritamente vinculado, uma vez que ao Estado é imposto o dever de prestar ampla assistência médica e farmacêutica aos que dela necessitam (art. 196 da Constituição Federal).
Da mesma forma, não há que se cogitar em infringência aos princípios da isonomia e da impessoalidade, quando se está a exigir do Estado apenas o cumprimento de seu encargo constitucional de prestar serviços de saúde a quem deles precisa.
Nessa senda, não é possível se acolher, cegamente, as padronizações e protocolos clínicos de atendimento disponibilizados,
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pela administração pública, à população, sob pena de, suplantando-se o quadro de saúde e as necessidades particulares de cada indivíduo, incorrer-se em violação ao direito à vida, à dignidade da pessoa humana e à própria saúde como dever do Estado.
Assim, é essencial que haja a ponderação dos bens jurídicos em disputa, optando o intérprete pela providência que mais se amolda ao caso concreto.
Vale ressaltar, por oportuno, que o direito à saúde não possui caráter programático, mas sim aplicabilidade imediata, devendo a ele ser atribuída a máxima eficácia e efetividade. Isso porque, ainda que seja considerado como um direito social, não deixa de ser um direito fundamental, ao qual deve ser aplicado o disposto no art. 5º, § 1º, da Constituição Federal.
Aliás, tendo em vista a unicidade do sistema de saúde (SUS), as três entidades federativas (Munícipio, Estado e União) são solidariamente responsáveis pela prestação de ações e serviços de saúde (art. 198 da Constituição Federal e Lei nº 8.080/90), podendo ser cada uma delas, individual ou conjuntamente, demandada para responder sobre tal obrigação. Inclusive, sobre o tema, pode-se citar os seguintes julgados:
“PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. RECURSO ESPECIAL. SAÚDE. LEGITIMIDADE PASSIVA. SOLIDARIEDADE ENTRE OS MEMBROS FEDERATIVOS. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS NÃO INCORPORADOS EM ATOS NORMATIVOS DO SUS. POSSIBILIDADE. ORIENTAÇÃO FIRMADA NO RESP 1.657.156/RJ.
REPRESENTATIVO DA CONTROVÉRSIA. ACÓRDÃO RECORRIDO EM CONSONÂNCIA COM A JURISPRUDÊNCIA DO STJ. SUMULA 83/STJ.
O Superior Tribunal de Justiça, em reiterados precedentes, tem decidido que o funcionamento do Sistema Único de Saúde-SUS é de
Apelação Cível nº XXXXX-07.2019.8.26.0526 -Voto nº 19468 12
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responsabilidade solidária dos entes federados, de forma que qualquer deles tem legitimidade para figurar no polo passivo de demanda que objetive o acesso a medicamentos.”(REsp XXXXX -PR (2018/XXXXX-5) Rel: Min. Herman Benjamin. Julgamento: 25.09.2018. Órgão julgador: Segunda Turma).
“Paciente portadora de doença oncológica Neoplasia maligna de baço pessoa destituída de recursos financeiros direito à vida e à saúde necessidade imperiosa de se preservar, por razões de caráter ético-jurídico, a integridade desse direito essencial fornecimento gratuito de meios indispensáveis ao tratamento e à preservação da saúde de pessoas carentes dever constitucional do Estado ( CF, art. 5º, 'caput' e 196) Precedentes (STF) Responsabilidade solidária das pessoas políticas que integram o estado federal brasileiro
consequente possibilidade de ajuizamento da ação contra um, alguns ou todos os entes estatais recurso de agravo improvido (RE XXXXX AgR/RS Rio Grande do Sul AG REg. No Recurso Extraordinário
Rel: Min. Celso de Mello. Julgamento: 09.04.2013. órgão julgador: Segunda Turma).
Ademais, a Súmula 37 deste E. Tribunal de Justiça de
São Paulo firmou entendimento no sentido de que:
“A ação para o fornecimento de medicamentos e afins pode ser proposta em face de qualquer pessoa jurídica de Direito Público interno”.
Por sua vez, a falta de previsão orçamentária, a Lei de
Responsabilidade Fiscal e a Lei de Diretrizes Orçamentárias não podem
ser invocadas como escusa para que se deixe de fornecer o tratamento ao
paciente, sob pena de violação a um bem maior, que é o da vida ou a
dignidade da pessoa humana.
No caso ora em apreço, como já visto acima, foram
juntadas provas, tanto do estado de saúde da parte impetrante, como da
necessidade do uso do medicamento pleiteado, para o devido tratamento.
Ressalte-se que não houve, tampouco, nenhuma
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contraprova de que a parte impetrante possua meios de arcar com o custo do tratamento.
Como compete ao médico ainda que de clínica particular , profissional legal e tecnicamente habilitado, avaliar o caso, aferir e prescrever qual o melhor tratamento indicado, e verifica-se, na hipótese em tela, que a parte impetrante necessita da medicação prescrita, a dispensação se justifica, no caso em comento.
Sobre a proteção do direito à saúde, com a possibilidade de fornecimento de medicamentos, equipamentos, insumos ou tratamentos pelo Estado, pode-se citar, a título de exemplo, a jurisprudência abaixo indicada:
“Fornecimento de medicamento. Mandado de segurança. Direito à saúde garantido pela Constituição Federal (art. 196). Dever dos componentes do Estado Federal de prover as condições indispensáveis ao pleno exercício desse direito. Recurso e reexame necessário desprovidos.
(TJSP; Apelação / Reexame Necessário nº XXXXX-60.2012.8.26.0053; Relator (a): Borelli Thomaz; Comarca: São Paulo; Órgão julgador: 13ª Câmara de Direito Público; Data do julgamento: 25/03/2015; Data de registro: 27/03/2015)”
Deverá, entretanto, a impetrante apresentar receita médica atualizada, em conformidade com a praxe médico-farmacêutica, para retirar o medicamento requerido sempre que se fizer necessária nova solicitação, de modo a assegurar à administração pública a possibilidade de averiguar a necessidade de sua continuação.
Ademais, é de responsabilidade do paciente, familiar e/ou responsável comunicar à Unidade Básica de Saúde (UBS)
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dispensadora do medicamento requerido os casos de suspensão do tratamento medicamentoso, intolerância ao fármaco, substituição medicamentosa, mudança de endereço e óbito do paciente, bem como devolver o produto excedente, sob pena de ser-lhes cobrado o valor referente ao produto.
Por sua vez, deve também ser garantida à administração pública a possibilidade de providenciar a substituição por medicamentos genéricos, observado as características básicas, porventura disponíveis e padronizadas pela rede pública de saúde, com menor custo ao Estado, desde que atenda a todas as necessidades da parte autora e assim conste das futuras prescrições do médico.
A medida justifica-se não só para evitar riscos a paciente, mas também para não se ferir o princípio da isonomia, considerando os inúmeros cidadãos sujeitos ao sistema da rede pública, muitos em situação análoga ao caso em comento.
Por todo o apresentado, de rigor o provimento da apelação para conceder a ordem, para determinar que a autoridade apontada como coatora forneça o medicamento Entyvio (Vedolizumabe) 300 mg à impetrante, conforme consta em prescrição médica, fls. 21, sem preferências por marcas, observadas as características básicas, desde que atenda a todas as necessidades da parte impetrante, ratificando a liminar por mim deferida a fls. 84/86. Custas na forma da lei. Não há que se falar em condenação em honorários advocatícios em mandado de segurança, tal como prevê artigo 25 da Lei 12.016/2009.
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Por último, em relação ao prequestionamento, basta que as questões tenham sido enfrentadas e solucionadas no voto, como ocorreu, pois “desnecessária a citação numérica dos dispositivos legais” (STJ EDCL. No RMS 18.205/SP, Rel. Min. Felix Fischer, j. 18.04.2006), mas mesmo assim, para que não se diga haver cerceamento de direito de recorrer, dou por prequestionados todos os dispositivos legais referidos na fase recursal.
Por fim, eventuais embargos de declaração serão julgados virtualmente, nos termos da Resolução nº 549/2011, com a redação dada pela Resolução nº 772/2017.
Diante do exposto, pelo meu voto, DOU PROVIMENTO à apelação, para conceder a ordem, nos termos acima explicitados.
FLORA MARIA NESI TOSSI SILVA
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