18 de Agosto de 2022
- 2º Grau
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Detalhes da Jurisprudência
Processo
Órgão Julgador
Publicação
Julgamento
Relator
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Inteiro Teor
TRIBUNAL DE JUSTIÇA
PODER JUDICIÁRIO
São Paulo
7ª Câmara de Direito Privado
Registro: 2021.0000674252
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº
XXXXX-49.2017.8.26.0637, da Comarca de Tupã, em que são apelantes HÉLIO
STEFANINI (ESPÓLIO) e AMÉLIA CARRENHO STEFANINI (JUSTIÇA
GRATUITA), são apelados ELIZABETE STEFANINI DE MICHELI e EDNA
STEFANINI FUJII.
ACORDAM, em 7ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de
Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: "Negaram provimento ao recurso. V. U. Sustentou oralmente o Dr. Douglas Celestino Bispo.", de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.
O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores
MIGUEL BRANDI (Presidente sem voto), MARIA DE LOURDES LOPEZ GIL E JOSÉ RUBENS QUEIROZ GOMES.
São Paulo, 18 de agosto de 2021.
RÔMOLO RUSSO
RELATOR
Assinatura Eletrônica
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Apelação Cível nº XXXXX-49.2017.8.26.0637
Apelantes: HÉLIO STEFANINI e Amélia Carrenho Stefanini
Apelados: Elizabete Stefanini De Micheli e Edna Stefanini Fujii
Comarca: Tupã
Voto nº 32.008
AÇÃO REVOCATÓRIA DE DOAÇÃO POR INGRATIDÃO. Sentença de improcedência fundada na decadência do direito potestativo. Ingratidão que decorreria da recusa das donatárias em prestarem alimentos aos doadores. Prazo decadencial que tem início com a ciência do fato caracterizador da ingratidão (art. 559 do Código Civil). Ação revocatória distribuída mais de dois anos após o ajuizamento do pleito alimentar. Prazo decadencial consumado. Ingratidão que, de qualquer forma, não restou comprovada. Donatárias idosas e com renda modesta. Apelo desprovido.
Cuida-se de recurso de apelação interposto pelos autores da ação revocatória de doação contra a r. sentença de improcedência (fls. 756/760). Afirmam a inocorrência da decadência do direito de revogar a doação por ingratidão, na medida em que esta somente restou configurada com a condenação das donatárias na prestação de alimentos. Requer o provimento do recurso (fls. 763/773).
Recurso preparado e respondido (fls.
485/498). Há oposição ao julgamento virtual (fls. 793).
É o relatório.
Os apelantes buscam a desconstituição de doação, formalizada por escritura pública, fundada no direito
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potestativo de sua revogação por ingratidão das donatárias, sua filhas consanguíneas, as quais lhes podendo ministrar alimentos, negaram-se a prestá-los, na forma do art. 557, IV, do Código Civil, verbis:
“Art. 557. Podem ser revogadas por ingratidão as doações:
IV - se, podendo ministrá-los, recusou ao doador os alimentos de que este necessitava”.
Marque-se, de plano, que o prazo decadencial para o exercício do aludido poder formativo extintivo é de um ano, a contar do conhecimento do fato, consoante disciplina o art. 559 do Código Civil, verbis:
“Art. 559. A revogação por qualquer desses motivos deverá ser pleiteada dentro de um ano, a contar de quando chegue ao conhecimento do doador o fato que a autorizar, e de ter sido o donatário o seu autor” (g.n.)
Sublinhe-se que, tratando-se de prazo decadencial, este não é passível de suspensão ou interrupção.
Nesse sentido, Marco Aurélio Bezerra de Melo comenta que, in verbis:
“A revogação da doação depende de sentença judicial, e o prazo de que o doador ou seus herdeiros dispõem para o ajuizamento da ação é de um ano, contado a partir do conhecimento do doador do fato que a autoriza e de que o donatário foi o seu autor. Assim, na hipótese de descumprimento do encargo, o prazo se iniciará no momento em que chegar ao conhecimento do doador o inadimplemento absoluto ou mora do donatário. Quando se tratar de ingratidão do donatário, o prazo começará a fluir quando chegar ao conhecimento do doador que ele ou as pessoas arroladas no art. 558 do Código Civil foram vítimas da ingratidão normativa e que o donatário foi o seu autor. O direito de revogar o negócio
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jurídico é potestativo, encontrando-se o donatário em absoluto estado de sujeição, e a sentença que assim reconhecer é de natureza desconstitutiva. Trata-se, portanto, de prazo decadencial, que se aplica para o caso de revogação da doação por ingratidão do donatário e por descumprimento do encargo. O prazo é fatal, não comportando causas impeditivas, suspensivas ou interruptivas do seu curso, exceto se o interessado for absolutamente incapaz” ( Código Civil Comentado: doutrina e jurisprudência / Anderson Schreiber … [et al]. 2ª Edição. Rio de Janeiro: Forense, 2020, p. 346).
Outrossim, o exercício do direito potestativo em apreço independe de decisão judicial definitiva impondo a obrigação alimentar, consoante pontua Alexandre Dartanham de Mello Guerra, verbis:
“O dever de prestar alimentos encontrase disciplinado no art. 1.694 do Código Civil. Independentemente de qualquer outro vínculo jurídico entre o doador e o donatário (justamente por força da retributividade própria da doação), o doador deve ser considerado um credor de alimentos do donatário por razões de natureza moral e ética. De um lado, não se pode admitir o aumento patrimonial do donatário por mera liberalidade do doador. De outro lado, não se pode admitir que o donatário seja autorizado por lei a deixar o doador em situação de desamparo no momento de sua necessidade. O fato de o doador ter favorecido economicamente o donatário é idôneo por si só para criar um dever moral de assistência em seu proveito (independentemente da existência concomitante de um dever jurídico). O dever alimentar na situação de penúria do donatário independe de expressa decisão judicial definitiva que previamente lhe imponha. O doador deve provar que houve a recusa do donatário a prestar os alimentos quando era a ele possível assim proceder sem prejuízo de seu sustento e dos demais que dele dependem” (Comentários ao Código Civil: Direito Privado Contemporâneo Coord. Giovanni Ettore Nanni. São Paulo: Saraiva Educação, 2018, pp. 895/896).
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Por conseguinte, é incabível a pretendida suspensão do prazo decadencial durante o curso da ação de alimentos, cuja conclusão, repise-se, não condiciona o ajuizamento da ação revogatória. O prazo decadencial, portanto, deve ser contado do primeiro ato de ingratidão.
Pois bem.
Passar-se-á à verificação do referido marco inicial de contagem.
Com efeito, na peculiaridade dos autos, observa-se que os doadores ajuizaram ação de alimentos em face das donatárias (proc. nº XXXXX-37.2015.8.26.0637), pleiteando a condenação de cada uma no pagamento de pensão alimentícia no valor mensal de R$ 2.415,00.
Houve a concessão de tutela antecipatória arbitrando alimentos provisórios no valor mensal de um salário mínimo para cada doador, seguindo-se o ajuizamento de cumprimento de sentença nº XXXXX-67.2015.8.26.0637.
Por conseguinte, evidencia-se que os autores ajuizaram a ação revocatória da antecipação de legítima depois de mais de dois do ajuizamento do pleito alimentar, cuja promoção de execução configura evidência cabal da ciência da aludida ingratidão.
A só propositura da ação, pois, induvidosamente, é o ponto de partida à contagem do referido prazo decadencial, notadamente porque nela os doares já carregaram consigo a aludida ingratidão decorrente da sonegação do auxílio alimentício dos donatários.
A decadência foi consumada.
De qualquer modo, não restou evidenciada a alegada ingratidão, o que se passa a considerar, em face da concludente prova produzida ao longo da instrução.
Nessa medida, cabe marcar-se que o art.
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557, IV, do Código do CPC cria para o donatário a obrigação de, sem sacrifício pessoal, prestar os alimentos necessários à subsistência digna do doador.
Trata-se de obrigação mais restritiva do que aquela decorrente do parentesco, o qual permite o pleito dos “alimentos de que necessitem para viver de modo compatível com a sua condição social” (art. 1.694 do Código Civil).
Consoante destacado pelas apeladas, as despesas que subsidiaram o pedido de alimentos excedem o quanto necessário para uma subsistência digna, abarcando os dispêndios necessários à manutenção da condição social dos doadores.
Com efeito, o estudo social realizado na ação de alimentos (fls. 354/361) indicou que os doadores possuem gastos mensais no valor total de R$ 7.825,00, verbis:
“O senhor Hélio relata-nos que atualmente recebe R$2.500,00 mensais de aposentadoria, e sua esposa, a senhora Amélia, não possui renda. Declara-nos o senhor Hélio que possuem as seguintes despesas: R$400,00 (energia elétrica das casas das Ruas Borebis e Tapajós); R$200,00 (água); R$140,00 (telefone); R$1.700,00 (Plano de Saúde UNIMED); R$1.000,00 (Farmácia); R$900,00 (Faxineira); R$300,00 (viagens para tratamento médico em Marília/SP); R$350,00 (Jardineiro); R$280,00 (piscina); R$90,00 (seguro do imóvel); R$250,00 (seguro de automóvel); R$1.800,00 (mercado); R$90,00 (manutenção de cerca elétrica); R$25,00 (guarda noturno); R$200,00 (veterinário); R$100,00 (higiene pessoal), entre outros.Explicam que possuem os seguintes bens imóveis em seu nome: -a residência em que moram, construída na década de 80 com o objetivo de acomodar os filhos (que atualmente é objeto de discussão Judicial); - um imóvel onde funcionava o empreendimento comercial “GERAL RECORD EMPREENDIMENTO LTDA”, que se encontra vazio, logo sem proporcionar renda; -um sítio com aproximadamente sete alqueires e meio; -um terreno de três alqueires, sendo que estes
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últimos se encontram em nome das filhas e também não têm uso comercial. Argumentam que cogitaram vender um dos imóveis para arrecadarem dinheiro e assim continuarem reproduzindo sua vida material de forma satisfatória, pois na época já dependiam da ajuda das filhas Helena e Silvia, tendo esta, inclusive, vendido alguns bens para ajuda-los. No entanto, devido à oposição das filhas Elisabete e Edna, ora requeridas, não o fizeram. Afirmam-nos os requerentes que recebem ajuda financeira somente das filhas Helena e Silvia, destacando que os demais estão distanciados afetivamente há aproximadamente cinco anos em razão de desentendimentos relacionados à venda dos bens que ainda possuem. Os entrevistados verbalizam-nos que as filhas requeridas ficaram chateadas porque Silvia, a filha caçula, passou a residir junto deles, e que para elas a senhora Silvia está interessada em tirar proveito próprio ou se beneficiar” (fls. 355).
Observa-se que dentre tais gastos estão indicadas despesas com: i) conta de energia elétrica de imóvel diverso ao da residência dos doadores; ii) faxineira (R$ 900,00); iii) jardineiro (R$ 350,00); iv) piscina (R$ 280,00); v) seguro residencial (R$ 90,00); vi) seguro de automóvel (R$ 250,00); vii) manutenção de cerca elétrica (R$ 90,00); e, viii) veterinário (R$ 200,00).
Havendo indicação, outrossim, de que os doadores possuem um imóvel e um sítio, ambos desocupados, além de terem recebido indenização por desapropriação, consoante indicado na petição inicial da ação de alimentos, verbis:
“Cabe destacar que os únicos recursos suplementares que auxiliaram a manutenção dos requerentes, de 2010 a janeiro de 2013, foi a verba indenizatória recebida pela requerente Amélia, obtida nos autos do processo de desapropriação n. 1122/10, que tem seu trâmite pela Terceira Vara da Comarca de Tupã-SP, a saber: na data de 25/08/2011 houve o levantamento do valor de R$ 110.556,15, em
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06/09/2012, receberam a quantia de R$ 77.389,30, e na data de 30/01/2013, o valor de R$ 180.576,51” (fls. 283).
Por outro lado, verifica-se que as donatárias, ambas idosas, percebem renda modesta (R$ 1.818,57 fls. 555; e, R$ 2.262,70 fls. 441), marcando-se que a nua-propriedade dos bens doados em antecipação de legítima não lhes proporciona quaisquer rendimentos.
Por conseguinte, não se tem por caracterizada a ingratidão pela recusa das apeladas em contribuir com o custeio das despesas apontadas para a manutenção de uma condição social em prol dos doadores superior àquela por elas vivenciada, sublinhando-se que a prestação dos alimentos demandaria sacrifício pessoal das donatárias, com o comprometimento da própria subsistência.
Nesse percurso, é imperativa a manutenção da r. sentença.
Por esses fundamentos, pelo meu voto, nego provimento ao recurso.
Nos moldes do art. 85, § 11, do CPC/2015, majoro os honorários sucumbenciais arbitrados pela r. sentença para 15% do valor atribuído à causa, cuja exigibilidade fica suspensa em razão da gratuidade processual deferida.
RÔMOLO RUSSO
Relator