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- 2º Grau
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Inteiro Teor
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO
Registro: 2021.0000698139
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Agravo de Execução Penal nº 0008389-88.2021.8.26.0502, da Comarca de Campinas, em que é agravante MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO, é agravado NATAN BARBOSA ALVES.
ACORDAM , em sessão permanente e virtual da 8ª Câmara de Direito Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: Negaram provimento ao recurso. V. U. , de conformidade com o voto do relator, que integra este acórdão.
O julgamento teve a participação dos Desembargadores SÉRGIO RIBAS (Presidente) E MARCO ANTÔNIO COGAN.
São Paulo, 27 de agosto de 2021.
LUIS AUGUSTO DE SAMPAIO ARRUDA
Relator (a)
Assinatura Eletrônica
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO
Agravo em Execução nº 0008389-88.2021.8.26.0502
Comarca de Campinas DEECRIM UR4
Agravante: Ministério Público
Agravado: Natan Barbosa Alves
Voto nº 17252
AGRAVO EM EXECUÇÃO IRRESIGNAÇÃO CONTRA DECISÃO QUE CONSIDEROU COMO CRIME COMUM O DELITO DE POSSE DE ARMA DE FOGO COM NUMERAÇÃO SUPRIMIDA NÃO ACOLHIMENTO Em razão da alteração legislativa promovida pela Lei nº 13.964/2019, a conduta de possuir arma de fogo com numeração suprimida não é mais equiparada à conduta de possuir arma de fogo de uso proibido e, também em razão da referida alteração legislativa, a Lei dos Crimes Hediondos passou a considerar somente essa última conduta como de natureza hedionda. Recurso não provido.
Vistos.
O Ministério Público interpôs Agravo em
Execução em face da r. decisão proferida pelo Juízo da Unidade
Regional de Departamento Estadual de Execução Criminal DEECRIM
4ª RAJ, Comarca de Campinas, nos autos da Execução nº
0007455-33.2021.8.26.0502, que homologou o cálculo de pena
considerando como crime comum o delito de posse de arma de fogo com
numeração suprimida (fls. 14/15).
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Em sua minuta, o Agravante requereu a reforma da r. decisão, a fim de que seja retificado o cálculo de penas, considerando-se o crime de posse de arma de fogo com numeração suprimida como crime hediondo (fls. 02/09).
O Agravo foi processado, vindo aos autos a contraminuta (fls. 20/22).
A r. decisão recorrida foi mantida (fls. 23).
Nesta instância, a D. Procuradoria Geral de
Justiça opinou pelo provimento do recurso (fls. 32/34).
É o relatório.
O recurso deve ser conhecido porque tempestivo, mas, no mérito, em razão da alteração legislativa promovida pela Lei nº 13.964/2019, não merece ser provido.
Inicialmente, anoto que o entendimento deste Relator era no sentido de que a Lei nº 13.497/17 não especificou que apenas o “caput” do artigo 16 da Lei nº 10.826/03 seria abrangido pela natureza de crime hediondo e, portanto, a hediondez atingiria as condutas previstas no parágrafo único, uma vez que elas são equiparadas ao “caput”, em razão dos expressos termos do parágrafo único do artigo 1º da Lei nº 13.497/17, que dispunha que “Consideram-se também hediondos o crime de genocídio previsto nos arts. 1º, 2º e 3º da Lei nº 2.889, de 1º de outubro de 1956, e o de posse ou porte ilegal de arma de fogo de uso restrito, previsto no art. 16 da Lei nº 10.826, de 22 de dezembro de 2003, todos tentados ou consumados”. E o parágrafo único do artigo 16 da Lei nº 10.826/03 dispunha que “Nas mesmas penas incorre quem: IV portar, possuir, adquirir, transportar ou fornecer
Agravo de Execução Penal nº 0008389-88.2021.8.26.0502 -Voto nº 17252 3
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arma de fogo com numeração, marca ou qualquer outro sinal de identificação raspado, suprimido ou adulterado; [...]”.
Nesse sentido, em julgado anterior à entrada em vigor da Lei nº 13.964/2019, já havia se posicionado o C. Superior Tribunal de Justiça: “HABEAS CORPUS. EXECUÇÃO PENAL. PORTE DE ARMA DE FOGO COM NUMERAÇÃO SUPRIMIDA (ART. 16, PARÁGRAFO ÚNICO, IV, LEI N. 10.826/2003). DELITO CONSIDERADO HEDIONDO. ALTERAÇÃO DA LEI N. 8.072/90 PELA LEI 13.497/2017. ALTERAÇÃO LEGISLATIVA QUE ABRANGE O CAPUT E OS PARÁGRAFOS. ORDEM DENEGADA. 1. O art. 16 da Lei n. 10.826/2003 prevê gravosas condutas de contato com 'arma de fogo, acessório ou munição de uso proibido ou restrito', vindo seu parágrafo único a acrescer figuras equiparadas em gravidade e resposta criminal. 2. Ainda que possam algumas das condutas equiparadas ser praticadas com armas de uso permitido, o legislador as considerou graves ao ponto de lhes fixar reprovação criminal equivalente às condutas do caput. 3. Equiparação é tratamento igual para todos os fins, considerando equivalente o dano social e equivalente também a necessária resposta penal, salvo ressalva expressa. 4. Ao ser qualificado como hediondo o art. 16 da Lei n. 10.826/2003, também as condutas equiparadas, e assim previstas no mesmo artigo, devem receber igual tratamento.” (Habeas Corpus nº 526.916/SP, 6ª Turma, Rel. Min. Nefi Cordeiro, j. em 01.10.2019, DJe 08.10.2019
Informativo nº 657).
Consigne-se que até a entrada em vigor da Lei nº 13.964/2019, ao equiparar as condutas tipificadas no parágrafo único do artigo 16 às condutas do caput, o legislador demonstrou a intenção de considerar aquelas de igual gravidade das últimas. Assim sendo, afirmar que as condutas do parágrafo único não eram hediondas seria conferir tratamento diferenciado a figuras penais que o legislador optou por considerar equivalentes.
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passou a vigorar com a seguinte redação: “Art. 16. Possuir, deter, portar, adquirir, fornecer, receber, ter em depósito, transportar, ceder, ainda que gratuitamente, emprestar, remeter, empregar, manter sob sua guarda ou ocultar arma de fogo, acessório ou munição de uso restrito , sem autorização e em desacordo com determinação legal ou regulamentar: Pena reclusão, de 3 (três) a 6 (seis) anos, e multa.
§ 1º Nas mesmas penas incorre quem: [...] IV
portar, possuir, adquirir, transportar ou fornecer arma de fogo com numeração, marca ou qualquer outro sinal de identificação raspado, suprimido ou adulterado;
[...] § 2º Se as condutas descritas no caput e no § 1º deste artigo envolverem arma de fogo de uso proibido, a pena é de reclusão, de 4 (quatro) a 12 (doze) anos. ” - grifo nosso.
E o artigo 1º da Lei nº 8.072/90, que tipifica as condutas que são consideradas de natureza hediondas, passou a dispor que: “Art. 1 São considerados hediondos os seguintes crimes, todos tipificados no Decreto-Lei n 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código Penal, consumados ou tentados: [...]
Parágrafo único. Consideram-se também hediondos, tentados ou consumados: [...] II - o crime de posse ou porte ilegal de arma de fogo de uso proibido, previsto no art. 16 da Lei nº 10.826, de 22 de dezembro de 2003 ;” grifo nosso.
Verifica-se, portanto, que, através da Lei nº 13.964/2019, o legislador manteve a equiparação da arma com numeração suprimida com a arma de uso restrito, no entanto, considerou de maior gravidade a conduta de possuir, deter, portar, adquirir, fornecer, receber, ter em depósito, transportar, ceder, ainda que gratuitamente, emprestar, remeter, empregar, manter sob sua guarda ou ocultar arma de uso proibido, estabelecendo uma pena maior.
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E, com relação à tipificação dos crimes hediondos, ao invés de considerar hediondo o crime de posse ou porte ilegal de arma de fogo de uso restrito, o legislador especificou que se considera hediondo apenas o crime de posse ou porte ilegal de arma de fogo de uso proibido.
Desta forma, considerando que a conduta de possuir arma de fogo com numeração suprimida não é mais equiparada à conduta de possuir arma de fogo de uso proibido, e que a Lei dos Crimes Hediondos considera somente esta última conduta como de natureza hedionda, é certo que não há mais que se falar que o crime pelo qual o agravado foi condenado é hediondo.
Nesse sentido: “AGRAVO EM EXECUÇÃO. Recurso defensivo. Agravante condenado pela prática do crime previsto no artigo 16, parágrafo único, inciso IV, da Lei n. 10.826/03. Cálculo de penas que considerou o sobredito delito como hediondo. Lei n. 13.964/2019 que alterou o artigo 1º, parágrafo único, da Lei dos Crimes Hediondos. Delito de porte ilegal de arma de fogo de uso proibido que passou a ser considerado hediondo. Novatio legis in mellius que deve ser aplicada. Inteligência do artigo 66, inciso I, da Lei de Execucoes Penais. Hediondez do delito afastada. Recurso provido.” (TJSP; Agravo de Execução Penal 0000054-35.2020.8.26.0496; Relator (a): Leme Garcia; Órgão Julgador: 16ª Câmara de Direito Criminal; Ribeirão Preto/DEECRIM UR6 - Unidade Regional de Departamento Estadual de Execução Criminal DEECRIM 6ª RAJ; Data do Julgamento: 11/11/2015; Data de Registro: 17/04/2020)
“Agravo em execução Insurgência defensiva contra a decisão homologatória do cálculo de penas que considerou como hediondo o crime do artigo 16, parágrafo único, inciso IV, da Lei nº 10.826/03
Crime que não mais pode ser considerado hediondo, em face da edição da Lei nº 13.964/2019 ("Pacote Anticrime"), que restringiu a hediondez para a posse ou porte ilegal de arma de uso proibido "Novatio legis in mellius" Aplicação
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Recurso provido para afastar a hediondez do delito e determinar a retificação de cálculos para efeito de benefícios.” (TJSP; Agravo de Execução Penal 0001415-87.2020.8.26.0496; Relator (a): Osni Pereira; Órgão Julgador: 16ª Câmara de Direito Criminal; Ribeirão Preto/DEECRIM UR6 - Unidade Regional de Departamento Estadual de Execução Criminal DEECRIM 6ª RAJ; Data do Julgamento: 11/11/2015; Data de Registro: 28/04/2020)
“AGRAVO. EXECUÇÃO PENAL. Condenação pelo artigo 16, parágrafo único, inciso IV, da Lei nº 10.826/03. Porte de arma de fogo de uso permitido com numeração suprimida. Retificação de cálculos. A Lei nº 13.964/2019 passou a considerar hediondo apenas o crime de posse ou porte ilegal de arma de fogo de uso proibido. Inviável a interpretação extensiva do artigo 1º, parágrafo único, inciso II, da Lei nº 8.072/90. Necessidade de aplicação dos percentuais adstritos aos delitos ditos comuns. Decisão reformada. RECURSO PROVIDO.” (TJSP; Agravo de Execução Penal 0009988-51.2019.8.26.0496; Relator (a): Camargo Aranha Filho; Órgão Julgador: 16ª Câmara de Direito Criminal; Ribeirão Preto/DEECRIM UR6 - Unidade Regional de Departamento Estadual de Execução Criminal DEECRIM 6ª RAJ; Data do Julgamento: 10/03/2020; Data de Registro: 10/03/2020)
Ante o exposto, nego provimento ao agravo em
execução, mantendo integralmente a r. decisão monocrática.
LUIS AUGUSTO DE SAMPAIO ARRUDA
Relator