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- 2º Grau
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Inteiro Teor
TRIBUNAL DE JUSTIÇA
PODER JUDICIÁRIO
São Paulo
Registro: 2021.0000854664
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Remessa Necessária Criminal nº 1000388-07.2021.8.26.0047, da Comarca de Assis, em que é recorrente M. J. DE D. "O., é recorrido N. C. R..
ACORDAM , em 16ª Câmara de Direito Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão:"Apregoado o julgamento às 13h45m, ante a ausência do Advogado inscrito para a sustentação oral, o pedido foi convertido em preferência.
Negaram provimento à Remessa Necessária. V. U.", de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.
O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores CAMARGO ARANHA FILHO (Presidente sem voto), NEWTON NEVES E OTÁVIO DE ALMEIDA TOLEDO.
São Paulo, 19 de outubro de 2021
LEME GARCIA
RELATOR
Assinatura Eletrônica
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16ª Câmara Criminal
REEXAME NECESSÁRIO n. 1000388-07.2021.8.26.0047
Comarca: ASSIS
Recorrente: MM. JUIZ DE DIREITO DA 3ª VARA CRIMINAL DA COMARCA DE ASSIS - “EX OFFICIO”
Recorrido: NEWTON CARLOS RODRIGUES
Voto: 21397
REEXAME NECESSÁRIO. Habeas corpus concedido pelo d. juízo a quo. Expedição de salvo conduto para que o paciente realize o cultivo domiciliar de Cannabis para fins medicinais. Paciente portador de Esclerose Lateral Amiotrófica. Necessidade de uso do óleo de Cannabis devidamente comprovada pelo laudo médico juntado aos autos. Existência de autorização da ANVISA para importação de remédio a base de Canabidiol de alto custo e que impede o seu acesso pelo paciente. Omissão da ANVISA em regulamentar o plantio domiciliar de cannabis para fins medicinais verificada. Excludente de culpabilidade da inexigibilidade de conduta diversa reconhecida. Recurso improvido.
Trata-se de reexame necessário, com fundamento no artigo 574, inciso I, do Código de Processo Penal, em face da r. decisão proferida pelo MM. Juiz de Direito Arnaldo Luiz Zasso Valderrama, da 3ª Vara Criminal da Comarca de Assis, que concedeu habeas corpus em favor de Newton Carlos Rodrigues para impedir que as autoridades de segurança pública do Estado de São Paulo realizem a prisão em flagrante do paciente pela produção artesanal de Cannabis Sativa em sua residência para fins estritamente medicinais, bem como apreender as referidas substâncias no limite de 20 plantas (fls. 391/398).
A douta Procuradoria Geral de Justiça, em parecer da lavra do Dr. Ivan Francisco Pereira Agostinho, opina pelo provimento do recurso de ofício (fls. 423/425).
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É o relatório.
O recurso não comporta provimento, devendo, por conseguinte, ser mantida a r. decisão de primeiro grau.
Pelo que se infere dos documentos médicos de fls. 34/36, o paciente Newton Carlos Rodrigues é portador de Esclerose Lateral Amiotrófica ELA (CID 10 G12.2). Segundo os mesmos relatórios médicos, o paciente se socorreu de diversos tratamentos médicos com base no consumo de “Vitamina D 130.000ui/dia + Óleo de Peixe (Protocolo de Coimbra)”, mas a terapêutica convencional não mostrou eficácia, motivo pelo qual lhe foram prescritos remédios contendo Canabidiol.
A par disso, o paciente realizou junto à ANVISA pedido de autorização para importação do remédio CBD Tincture USA HEMP, o que foi devidamente autorizado pela referida Agência Reguladora (fls. 39/40).
Contudo, pelo que se infere do documento de fls. 41, o remédio CBD Tincture USA HEMP é importado, custando atualmente a quantia de R$ 38.516,14.
Diante da hipossuficiência econômica do paciente, aposentado por invalidez (fls. 33) e que recebe a quantia mensal de R$ 1.623,16 do INSS (fls. 32), bem como pelo alto custo do medicamento CBD Tincture USA HEMP, o impetrante ajuizou o presente habeas corpus, objetivando a obtenção de salvo-conduto a fim de que as autoridades policiais sejam impedidas de proceder à prisão e persecução penal do paciente pela produção artesanal e uso conforme
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prescrição médica de Cannabis medicinal, vedando-se, ainda, a
apreensão ou destruição das plantas em questão, cultivadas para fins
de seu próprio tratamento médico.
A Delegacia Geral de Polícia do Estado de São
Paulo, por meio da Dra. Elisabete Ferreira Sato, Delegada de Polícia
Diretora, e o Comando Geral da Polícia Militar do Estado de São Paulo,
por meio do Coronel Fernando Alencar Medeiros, apresentaram
informações (fls. 303/307 e 376/377).
O Ministério Público, em manifestação do i.
Promotor de Justiça Fernando Fernandes Fraga, manifestou-se pela
concessão da ordem (fls. 382/385).
O d. juízo a quo concedeu a ordem para expedir
salvo conduto em favor do paciente e determinar que “as autoridades
de segurança pública sejam impedidas de proceder à prisão em
flagrante do paciente pela produção artesanal de Cannabis Sativa em
sua residência para fins estritamente medicinais em seu benefício, bem
como de apreender os vegetais mencionados no limite de 20 (vinte)
plantas.” In verbis:
“Todavia, não há regulamentação do procedimento para o cultivo domiciliar da planta para fins medicinais, o que obsta o direito fundamental à saúde do paciente, haja vista o alto custo da importação e a impossibilidade de cultivo e manipulação da planta proscrita, para a elaboração de um remédio mais adequado às suas necessidades, sob pena de tipificação penal.
No caso há um conflito entre princípios e valores importantes: a saúde do paciente e a dignidade da pessoa humana, em contraposição à saúde pública. Explorando os mencionados interesses em conformidade com o princípio da razoabilidade e proporcionalidade, acredito que os primeiros devem se sobressair. Isso porque o paciente já se valeu de vários outros tipos de tratamento para tentar aliviar seu problema de saúde, que friso, não tem cura, mas todas as tentativas restaram infrutíferas,
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demonstrando a necessidade do tratamento à base de cannabis.
É certo que o paciente poderia se valer do Sistema Único de Saúde para a obtenção do medicamento importado, mormente pela comprovada hipossuficiência (fl.33), bem como porque já conseguiu autorização da Anvisa para a importação. No entanto, o procedimento é extremamente demorado, burocrático e incerto.
Ademais, o custo é elevadíssimo e seria arcado pelos cofres públicos, o que traria prejuízo desnecessário ao erário ante a possibilidade da extração caseira com os mesmos efeitos. Não se deve esquecer que atualmente o país e o mundo passa por uma grande crise financeira e sanitária, portanto tudo que puder ser feito para evitar mais prejuízos é válido.
Analisando o caso pela ótica penal de forma genérica, as circunstâncias específicas da causa - cultivar maconha com o único propósito de tratamento de saúde, de forma orientada por profissional da medicina podem tanto excluir a ilicitude do fato como a culpabilidade do agente, seja pelo estado de necessidade, seja pela inexigibilidade de conduta diversa. Assim, é razoável o deferimento da medida, como forma de assegurar o direito à saúde e à liberdade do paciente, bem como evitar persecuções penais desnecessárias e injustas.” (fls. 394).
Agiu com acerto o i. magistrado de primeiro
grau.
Analisando os elementos carreados aos autos,
observa-se a presença dos pressupostos necessários a concessão de
salvo conduto em favor do paciente.
Inicialmente, anoto que o presente habeas
corpus foi impetrado contra o Comandante Geral da Polícia Militar do
Estado de São Paulo e contra a Delegacia Geral da Polícia Civil do
Estado de São Paulo, ambos órgãos estaduais, o que evidencia a
competência deste Tribunal de Justiça para análise da impetração.
Esta, inclusive, é a posição consolidada do
Superior Tribunal de Justiça:
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“CONFLITO DE COMPETÊNCIA. HABEAS CORPUS PREVENTIVO. PEDIDO DE SALVO CONDUTO PARA CULTIVO, USO, PORTE E PRODUÇÃO ARTESANAL DA CANNABIS (MACONHA) PARA FINS MEDICINAIS. ALEGAÇÃO DE JUSTO RECEIO DE SOFRER RESTRIÇÃO NO DIREITO DE IR E VIR. NARRATIVA QUE APONTA A POSSIBILIDADE DE AUTORIDADES POLICIAIS DO ESTADO DE SÃO PAULO PRATICAREM COAÇÃO CONTRA A LIBERDADE DEAMBULATORIAL DOS PACIENTES. AUSÊNCIA DE PEDIDO DE SALVO CONDUTO PARA IMPORTAÇÃO DA PLANTA OU DE QUALQUER OUTRA CONDUTA TRANSNACIONAL. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA ESTADUAL.
1. O presente conflito de competência deve ser conhecido, por se tratar de incidente instaurado entre juízos vinculados a Tribunais distintos, nos termos do art. 105, inciso I, alínea d, da Constituição Federal - CF.
2. O núcleo da controvérsia consiste em definir a competência para prestar jurisdição na hipótese habeas corpus preventivo para viabilizar o plantio de maconha para fins medicinais. Os impetrantes objetivam ordem de salvo conduto para que os pacientes possam cultivar artesanalmente a planta Canabis Sativa L, bem como usála e portá-la dentro do território nacional para fins terapêuticos 3. Da leitura da inicial do habeas corpus impetrado em favor dos pacientes extrai-se que autoridades estaduais foram apontadas como coatoras, quais sejam: o Delegado Geral da Polícia Civil de São Paulo e o Comandante Geral da Polícia Militar de São Paulo.
Destarte, as autoridades estaduais apontadas como coatoras, por si só, já definem a competência do primeiro grau da Justiça Estadual.
4. Ademais, o salvo conduto pleiteado pelos impetrante diz respeito ao cultivo, uso, porte e produção artesanal da Cannabis, bem como porte ainda que em outra unidade da federação. Nesse contexto, o argumento do Juízo de Direito Suscitado de que os pacientes teriam inexoravelmente que importar a Cannabis permanece no campo das ilações e conjecturas. Em outras palavras, não cabe ao magistrado corrigir ou fazer acréscimos ao pedido dos impetrantes, mas tão somente prestar jurisdição quando os pedidos formulados estão abarcados na sua competência.
Em resumo, não há pedido de importação a justificar a competência da Justiça Federal, consequentemente, não há motivo para supor que o Juízo Estadual teria que se pronunciar acerca de autorização para a importação da planta invadindo competência da Justiça Federal.
Ademais, a existência de uso medicinal da Cannabis no território pátrio de forma legal, em razão de salvos condutos concedidos pelo Poder Judiciário, demonstra a possibilidade de aquisição da planta dentro do território nacional, sem necessidade de recorrer à importação.
5. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça - STJ é
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firme quanto à necessidade de demonstração de internacionalidade da conduta do agente para reconhecimento da competência da Justiça Federal, o que não se identifica no caso concreto. Frise-se ainda que o tráfico interestadual não tem o condão de deslocar a competência para a Justiça Federal Precedentes.
6. Conflito conhecido para declarar a competência da
1
Justiça Estadual.”
Assim, definida a competência para o julgamento do feito, passo à análise do mérito.
Depreende-se dos autos que o paciente é portador de Esclerose Lateral Amiotrófica ELA (CID 10 G12.2). A controvérsia dos autos cinge-se a possibilidade do cultivo domiciliar da Cannabis para fins medicinais, mormente nos casos em que a importação dos remédios à base de Canabidiol ou dos próprios produtos in natura possuem custos elevados e de alta complexidade, o que dificulta sobremaneira a sua aquisição.
O artigo 2º, parágrafo único, da Lei n. 11.343/06 dispõe que “Pode a União autorizar o plantio, a cultura e a colheita dos vegetais referidos no caput deste artigo, exclusivamente para fins medicinais ou científicos, em local e prazo predeterminados, mediante fiscalização, respeitadas as ressalvas supramencionadas.”.
O Decreto n. 5.912/2006, que instituiu o Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas SISNAD e regulamentou a Lei n. 11.343/2006, previu em seu artigo 14, inciso I, alínea c, que compete ao Ministério da Saúde autorizar o plantio, cultura, colheita dos vegetais dos quais possam ser extraídas drogas.
1 CC 171.206/SP, Rel. Ministro JOEL ILAN PACIORNIK, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 10/06/2020, DJe 16/06/2020
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Atualmente, a autorização para regularização e uso de remédios ou tratamentos médicos foi outorgada à Agência Nacional de Vigilância Sanitária ANVISA.
A ANVISA, por meio das RDC n. 16/2014 e 327/19, regulamentou “os procedimentos para a concessão da Autorização Sanitária para a fabricação e a importação, bem como estabelece requisitos para a comercialização, prescrição, a dispensação, o monitoramento e a fiscalização de produtos de Cannabis para fins medicinais, e dá outras providências.”, deixando, contudo, de regulamentar o cultivo caseiro da Cannabis.
A par disso, o paciente requereu à ANVISA autorização para a importação do remédio CBD Tincture USA HEMP, o que foi prontamente concedido pela Agência Regulatória. Entretanto, o remédio produzido com base em Canabidiol tem um custo mensal aproximado de R$ 40.000,00 (fls. 41), o que impede o seu acesso pelo paciente, pessoa nitidamente hipossuficiente.
Desse modo, a teor do alto custo do remédio CBD Tincture USA HEMP, foi prescrito ao paciente tratamento com o uso de “Solução oleosa rica em fitocanabióides (extrato caseiro de Cannabis rico em THC/CBD).”, cuja substância pode ser extraída de cultivo caseiro da Cannabis, conforme relatório médico de fls. 297/300.
Assim, o uso da Cannabis medicinal pelo paciente encontra óbice apenas na ausência de regulamentação pela ANVISA, a qual, até o momento, limitou-se a regular a importação e produção de remédios que contenham o Canabidiol, deixando, contudo, de estabelecer procedimentos para o cultivo caseiro da Cannabis.
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Nesse caso, realizada a devida ponderação de direitos envolvidos no presente recurso, deve prevalecer o direito à vida, à saúde e à dignidade do paciente, que necessita acesso rápido e barato dos produtos medicinais que possam oferecer uma melhor qualidade de vida e um melhor tratamento à sua doença.
A propósito, o E. Supremo Tribunal Federal, nos autos do AgRg no RE 801676/PE, já decidiu que “na colisão entre o direito à vida e à saúde e interesses secundários do Estado, o juízo de ponderação impõe que a solução do conflito seja no sentido da preservação do direito à vida” 2 .
Ressalta-se, também, que a autorização do cultivo domiciliar da cannabis pelo paciente é solução que menos onera o erário, que deixará de arcar com os custos elevadíssimos do remédio importado.
Nesse sentido, a posição adotada pelo i. magistrado de origem também atende ao que foi decidido pelo E. Supremo Tribunal Federal nos autos do RE n. 566471, que limitou o fornecimento gratuito de remédios de alto custo pelo Estado aos casos em que não fosse possível a substituição do remédio pretendido. In verbis: “O reconhecimento do direito individual ao fornecimento, pelo Estado, de medicamento de alto custo, não incluído em Política Nacional de Medicamentos ou em Programa de Medicamentos de Dispensação em Caráter Excepcional, depende da comprovação da imprescindibilidade adequação e necessidade , da impossibilidade de substituição do fármaco e da incapacidade
2 ARE 801676 AgR, Relator (a): ROBERTO BARROSO, Primeira Turma, julgado em
19/08/2014, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-170 DIVULG 02-09-2014 PUBLIC
03-09-2014
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financeira do enfermo e dos membros da família solidária , respeitadas as disposições sobre alimentos dos artigos 1.694 a 1.710 do Código Civil” 3 .
Assim, de acordo com o que foi decidido pela Suprema Corte, nos casos em que exista tratamento médico substitutivo, deve se dar preferência à terapêutica menos onerosa ao erário, a fim de se preservar o Sistema Único de Saúde e melhor atender ao princípio da eficiência (art. 37, caput, CF).
Por fim, em uma análise apenas da conduta penal do paciente, a qual em tese se amoldaria ao delito previsto no artigo 28 da Lei n. 11.343/06, revela-se presente, de forma evidente, a causa excludente de culpabilidade da inexigibilidade de conduta diversa, o que por si só já justificaria a concessão do salvo conduto.
Nesse sentido, o saudoso doutrinador Damásio de Jesus, ao tratar sobre a inexigibilidade de conduta diversa como causa supralegal de exclusão da culpabilidade, nos ensina que “Não se trataria bem de uma hipótese supralegal de exclusão da culpabilidade, pois, em última análise, o juiz estaria aplicando a disposição reitora do caso semelhante ao fato concreto. Mas, não havendo norma descritiva de fato semelhante, o juiz pode absolver o sujeito com base nos costumes e nos princípios gerais de direito em que se fundamenta a inexigibilidade. Então, o juiz não estaria aplicando uma norma contida na legislação penal, mas sim uma causa supralegal de exclusão da culpabilidade. Herzbruch ensina que as causas de exclusão da culpabilidade contidas nos Códigos não são mais que simples manifestações do princípio geral segundo o qual a não exigibilidade de 3 RE 566471 RG, Relator (a): MARCO AURÉLIO, Tribunal Pleno, julgado em 01.09.2020.
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outra conduta exclui a culpabilidade, pelo que não vê inconveniente que
o juiz absolva o agente que atuou sem que se lhe pudesse exigir outro
comportamento, ainda que sua situação não se encontre prevista em
lei. Não se trata da adoção de um critério anárquico, que viria trazer
embaraço e incerteza à aplicação da lei penal, mas de um critério a ser
adotado pelo juiz com ponderação, atendendo a situações
excepcionalíssimas não previstas pelo legislador.” 4
Em diversos casos análogos, assim já decidiu
este E. Tribunal de Justiça:
“Recurso em sentido estrito Plantio de Cannabis sativa para fabricação de xarope caseiro - Salvo conduto negado na origem - Existência de autorização administrativa da ANVISA para importação de remédios com o mesmo princípio ativo Necessidade da recorrente
Demonstrada a responsabilidade e boa-fé da recorrente, objetivando não praticar atos ilícitos Direito à saúde -Dignidade da pessoa humana - Inexigibilidade de conduta diversa - Possibilidade de fiscalização - Precedentes
Recurso PARCIALMENTE PROVIDO, para concessão de
5
salvo-conduto, mediante condições.”
“Remessa Necessária Criminal Autorização para cultivo da planta cannabis sativa para fins medicinais Pleito de salvo-conduto a fim de possibilitar à recorrida o plantio do referido vegetal para a extração de óleo artesanal utilizado no tratamento de seu filho, acometido de esquizofrenia indiferenciada (CID 10 F20.3) Indicação médica para utilização da substância, com autorização, inclusive, de importação do produto pela Anvisa - Recorrida que não possui condições financeiras para importação do medicamento de uso prolongado - Relatório médico atestando melhora no quadro clínico do doente mediante a utilização do óleo caseiro Previsão contida no art. 2º, parágrafo único, inciso II, da Lei nº 11.343/2006 acerca da possibilidade de cultivo de plantas das quais possam ser extraídas drogas para fins medicinais ou científicos
Matéria que ainda não foi regulamentada Direito à saúde que fica assegurado Entendimento perfilhado pelo Col. STF de que"na colisão entre o direito à vida e à saúde e
4 Jesus, Damásio de Direito penal, vol. I, 32. Edição, São Paulo, Saraiva, 2011, p. 528. 5 TJSP; Recurso em Sentido Estrito 1004643-57.2021.8.26.0451; Relator (a): Heitor Donizete de Oliveira; Órgão Julgador: 12ª Câmara de Direito Criminal; Foro de Piracicaba - 1ª Vara Criminal; Data do Julgamento: 17/08/2021; Data de Registro: 18/08/2021
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interesses secundários do Estado, o juízo de ponderação impõe que a solução do conflito seja no sentido da preservação do direito à vida"Observância ao princípio da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, CF)-Sentença mantida Recurso não provido.” 6
“Recurso em Sentido Estrito Decisão de primeira instância que negou ordem de Habeas Corpus preventivo
Pleito de salvo-conduto para garantir o plantio residencial de Cannabis Sativa, para fins medicinais Admissibilidade - Prescrição realizada por médico com vistas a mitigar dores e outros sintomas relativos ao tratamento de neoplasia maligna Relatório clínico a atestar a eficácia da substância no caso concreto, com significativa melhora no quadro álgico, além da carência de medicamento genérico, alternativo ou similar registrado na Anvisa que possa substituir o produto Ausência de indicativos de que o emprego da cannabis será utilizado fins recreativos ou para quaisquer outras atividades - Proteção do direito à vida e à saúde que se impõe Ausência de ofensividade aos bens jurídicos tutelados pela norma penal
Precedentes. Recurso provido.” 7
“Habeas Corpus Pleito de salvo-conduto a fim de garantir o plantio artesanal, para fins medicinais, de Cannabis Sativa, livre do risco de prisão. Paciente portador de 'doença de Crohn' e 'fibromialgia', apresentando intenso sofrimento físico e psicológico em virtude de seu quadro de saúde. Paciente que se utilizou de diversos medicamentos para controlar e amenizar sua condição de saúde, os quais não tiveram os efeitos esperados ou eram de valor financeiro inacessível. Documentos médicos comprovando que a Paciente obteve melhora significativa com o uso terapêutico de Cannabis Sativa, orientando a continuação de seu tratamento. Necessidade comprovada, por indicação médica, para uso de medicamentos/óleos à base de Cannabis Sativa. Paciente que possui autorização de importação do produto pela ANVISA. Ordem concedida para expedição de salvo-conduto, nos termos deste voto.” 8
“REMESSA NECESSÁRIA CRIMINAL Cultivo de Cannabis Sativa (" maconha ") para fins estritamente medicinais
Salvo-conduto expedido dia 31/10/2019, com validade de 01 (um) ano, para que, livres do risco de prisão, os
6 TJSP; Remessa Necessária Criminal 1014358-02.2020.8.26.0050; Relator (a): Xisto Albarelli Rangel Neto; Órgão Julgador: 13ª Câmara de Direito Criminal; Foro Central Criminal Barra Funda - DIPO 3 - Seção 3.1.1; Data do Julgamento: 23/07/2021; Data de Registro: 23/07/2021
7
TJSP; Recurso em Sentido Estrito 1003696-46.2020.8.26.0642; Relator (a): Mauricio Valala; Órgão Julgador: 8ª Câmara de Direito Criminal; Foro de Ubatuba - 3ª Vara; Data do Julgamento: 08/04/2021; Data de Registro: 09/04/2021
8 TJSP; Habeas Corpus Criminal 2225590-63.2020.8.26.0000; Relator (a): Ely Amioka; Órgão Julgador: 8ª Câmara de Direito Criminal; Foro de Araras - Vara Criminal; Data do Julgamento: 17/12/2020; Data de Registro: 17/12/2020
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pacientes possam semear e cultivar em sua própria residência a referida planta, cujo óleo dela extraído artesanalmente se revela eficaz aos fins medicinais de que necessitam para o tratamento da enfermidade que acomete o seu filho [autismo severo (CID 10 F84)]
Pedido de renovação, por igual período, acolhido pela primeira instância Cabimento Indicação médica para uso da substância, com autorização, inclusive, de importação do produto pela ANVISA Decisão de caráter personalíssimo que manteve a fixação da quantidade máxima de plantas a serem cultivadas [22 (vinte e duas) no estágio florativo e 22 (vinte e duas) no estado vegetativo] e renovou prazo de 1 (um) ano para que os pacientes apresentem relatório médico atualizado que contenha a expressa indicação da necessidade de continuação do tratamento, a fim de obter a renovação do salvo-conduto Relatórios médicos e pedagógicos atualizados que dão conta da melhora significativa da ansiedade, agressividade e comportamento do filho dos pacientes com a utilização da cannabis Renovação do salvo-conduto de rigor Precedentes do TJSP em casos análogos Ordem corretamente concedida RECURSO
9
IMPROVIDO.”
“REEXAME NECESSÁRIO. Cultivo medicinal de Cannabis Sativa L (maconha) Pleito de salvo-conduto aos pacientes a fim garantir o plantio artesanal, em suas residências, para fins medicinais, livre do risco de prisão. Admissibilidade. Necessidade comprovada por indicação médica para uso de medicamentos à base de Cannabis sativa com autorização de importação do produto pela
10
ANVISA. Nega-se provimento ao reexame necessário.”
Portanto, seja pela ausência injustificada da
regulamentação pela ANVISA para o cultivo domiciliar de Cannabis para
fins medicinais, mormente nos casos em que a sua substituição por
remédios importados se mostre excessivamente ao cidadão ou ao
próprio Estado, seja pela evidente existência da causa supralegal
excludente da culpabilidade da inexigibilidade de conduta diversa, é o
caso de manutenção da decisão concessiva da ordem.
9
TJSP; Remessa Necessária Criminal 0032297-12.2020.8.26.0050; Relator (a): Osni Pereira; Órgão Julgador: 16ª Câmara de Direito Criminal; Foro Central Criminal Barra Funda - DIPO 4 - Seção 4.2.1; Data do Julgamento: 18/12/2020; Data de Registro: 18/12/2020
10 TJSP; Remessa Necessária Criminal 1000732-94.2018.8.26.0563; Relator (a): Luiz Fernando Vaggione; Órgão Julgador: 2ª Câmara de Direito Criminal; Foro de São Bento do Sapucaí - Vara Única; Data do Julgamento: 29/06/2020; Data de Registro: 07/07/2020
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Posto isso, pelo meu voto, nego provimento ao
recurso de ofício, a fim de confirmar, na íntegra, a r. decisão de
primeiro grau.
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Relator