18 de Agosto de 2022
- 1º Grau
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TJSP • Procedimento Comum Cível • Adicional de Periculosidade • XXXXX-68.2017.8.26.0242 • 2ª Vara do Tribunal de Justiça de São Paulo - Inteiro Teor
Detalhes da Jurisprudência
Processo
Órgão Julgador
Assuntos
Juiz
Partes
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SENTENÇA
Processo Digital nº: XXXXX-68.2017.8.26.0242 - Ordem nº 2017/001489
Classe - Assunto: Procedimento Comum Cível - Adicional de Periculosidade
Requerente: Angela Maria Ribeiro da Silva
Requerido: PREFEITURA MUNICIPAL DE ARAMINA
Vistos.
ANGELA MARIA RIBEIRO DA SILVA , servidora pública municipal ajuizou Procedimento Comum Cível - Adicional de Periculosidade contra o MUNICÍPIO DE ARAMINA-SP.
Narra a inicial que a autora ingressou no serviço público no ano de 1996, para ocupar o cargo de servente, porém, desde o início atuou em desvio de função como auxiliar de dentista, expondo-se ao risco de contaminação inerente ao exercício dessa atividade, além do contato com radiação ionizante e substâncias radioativas emanadas do parelho de RX. Aduz que, em meados de 2016, foi aprovada em concurso público, passando, oficialmente, a ocupar o cargo de Auxiliar de Consultório Dentário. A partir de então, o Município iniciou o pagamento do adicional de periculosidade, razão pela qual sustenta fazer jus ao pagamento do benefício, retroativamente aos últimos 05 anos, tendo em vista a identidade das atribuições. Pugna pela concessão da gratuidade da justiça e a condenação do réu ao pagamento do referido adicional, com seus respectivos reflexos. Juntou procuração e documentos (fls.7/17).
Foi deferida a gratuidade processual à requerente (fls.18/19).
Citado, o réu apresentou contestação (fls. 22/45) suscitando as preliminares de carência de ação por falta de interesse de agir, impossibilidade jurídica do pedido e a prescrição quinquenal. No mérito, após ressaltar o caráter estatuário da relação laboral, refutou a pretensão sustentando ausência de provas do direito alegado e a natureza
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tipicamente celetista do adicional. Impugnando a concessão da justiça gratuita à autora, requereu a improcedência dos pedidos. Juntou documentos (fls.46/95).
Houve réplica (fls. 98/105).
O feito foi saneado, oportunidade em que rejeitada a impugnação à gratuidade e deferida a produção de prova pericial (fls.110/111).
Apresentados os quesitos (fls.113/115 e 116/119), o laudo pericial foi elaborado e encartado aos autos (fls.151/191), que foi seguido somente da manifestação da parte autora.
Designada audiência de instrução e julgamento, a parte autora desistiu da oitiva das testemunhas por ela arroladas, o que foi homologado (fls.208/209).
Encarrada a instrução, somente a parte autora apresentou alegações finais (fls. 210/212).
Vieram os autos conclusos para sentença.
É o relatório.
Fundamento e decido .
Inicialmente, não se vislumbra impossibilidade jurídica do pedido formulado pela parte autora, pois a pretensão e causa de pedir não são vedadas pelo ordenamento jurídico.
O interesse de agir se faz presente pois diante da recusa do requerido em efetuar o pagamento retroativo do adicional controvertido, à autora cabia ingressar com a presente ação de cobrança.
No tocante à prescrição, tratando de ação proposta para discussão de direito de servidor à percepção de adicional relativo à relação laboral, por se tratar de prestação continuada, de trato sucessivo, a prescrição é a quinquenal estabelecida no art. 1º do Decreto 20.910 /32, alcançando as parcelas anteriores aos cinco anos da data da
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propositura da ação, em conformidade com a Súmula nº 85 do STJ: "Nas relações jurídicas de trato sucessivo em que a Fazenda Pública figure como devedora, quando não tiver sido negado o próprio direito reclamado, a prescrição atinge apenas as prestações vencidas antes do quinquênio anterior à propositura da ação."
No mérito, a pretensão é improcedente.
Trata-se de reclamação trabalhista em que a servidora pública busca a condenação do réu ao pagamento retroativo do adicional de periculosidade, que só passou a ser pago em meados de 2016, ao argumento de que há mais de vinte anos exerce a atividade de auxiliar de dentista, condição que a expõe ao risco de contaminação inerente ao exercício dessa atividade, além do contato com radiação ionizante e substâncias radioativas emanadas do parelho de RX.
A Constituição da Republica assegura, dentre os direitos sociais, o trabalho, prevendo de maneira expressa os trabalhadores rurais e urbanos têm o direito à percepção do "adicional de remuneração para as atividades penosas, insalubres ou perigosas, na forma da lei" (art. 7º, XXIII).
Entretanto, tal direito não foi abrangido pelo art. 39, § 3º, da Carta Magna, com a redação que lhe foi conferida pela Emenda Constitucional n.º 19/98, eis que não indicado o inciso do art. 7º correspondente ao adicional de insalubridade. Veja- se:
Art. 39. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios instituirão, no âmbito de sua competência, regime jurídico único e planos de carreira para os servidores da administração pública direta, das autarquias e das fundações públicas.
(...)
§ 3º Aplica-se aos servidores ocupantes de cargo público o disposto no art. 7º, IV, VII, VIII, IX, XII, XIII, XV, XVI, XVII, XVIII, XIX, XX, XXII e XXX, podendo a lei estabelecer requisitos
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diferenciados de admissão quando a natureza do cargo o exigir. (redação da EC n.º 19/1998)
Da interpretação da referida norma constitucional, conclui-se que o adicional de periculosidade, embora não contemplado como direito constitucional atribuído aos servidores públicos civis da União, Estados, Distrito Federal e Municípios, pode ser a estes conferido por meio de legislação infraconstitucional de competência do ente federado a que vinculado o servidor, conforme já assentando pelo Supremo Tribunal Federal:
SERVIDOR PÚBLICO. ADICIONAL DE REMUNERAÇÃO PARA AS ATIVIDADES PENOSAS , INSALUBRES OU PERIGOSAS, NA FORMA DA LEI. ART. 7º, XXIII, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. - O artigo 39, § 2º, da Constituição Federal apenas estendeu aos servidores públicos civis da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios alguns dos direitos sociais por meio de remissão, para não ser necessária a repetição de seus enunciados, mas com isso não quis significar que, quando algum deles dependesse de legislação infraconstitucional para ter eficácia, essa seria, no âmbito federal, estadual ou municipal, a trabalhista. Com efeito, por força da Carta Magna Federal, esses direitos sociais integrarão necessariamente o regime jurídico dos servidores publicos civis da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, mas, quando dependem de lei que os regulamente para dar eficácia plena aos dispositivos constitucionais de que eles decorrem, essa legislação infraconstitucional terá de ser , conforme o âmbito a que pertence o servidor público, da competência dos mencionados entes públicos que constituem a federação. Recurso extraordinário conhecido, mas não provido. (RE nº 169.173, 1a T/STF, rel. Min. Moreira Alves, DJ 16/5/1997)
Ressalto que a autora, ocupante de cargo público de auxiliar de consultório dentário (fls. 76), submete-se ao regime estatutário, fazendo jus à remuneração dos serviços efetivamente prestados e às vantagens previstas no Estatuto respectivo, e não às verbas previstas na Consolidação das Leis Trabalhistas.
No que aqui nos interessa, assim estabelece o Estatuto do Servidor Público do Município de Aramina (LM nº 825/1998), em seu TÍTULO IV DO
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VENCIMENTO E DAS VANTAGENS PECUNIÁRIAS - CAPÍTULO II DAS VANTAGENS PECUNIÁRIAS (fls.63).
Artigo 124 Além do vencimento, serão concedida ao funcionário as seguintes vantagens: I. Diárias; II. Ajudas de custa; III. Gratificações; IV. Décimo terceiro salário; V. Adicionais por tempo de serviço; VI. Adicional noturno.
Como se vê, a legislação municipal não previu a concessão do adicional de periculosidade a seus servidores, condição que seria imprescindível para o acolhimento do pleito condenatório, não alterando o cenário de vácuo legislativo o posterior e atual pagamento da vantagem pecuniária à autora, eis que concedido sem amparo legal.
Saliento que a atuação da Administração Pública deve pautar-se pelo disposto em lei, não podendo dela se afastar, sob pena de responsabilização administrativa, civil e penal por conceder direitos sem amparo legal.
Neste sentido:
RECURSOS DE APELAÇÃO EM AÇÃO ORDINÁRIA. 1. ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO MUNICIPAL . HORAS EXTRAORDINÁRIAS, HORAS NOTURNAS, DESCANSO SEMANAL REMUNERADO. A Administração Pública está adstrita ao princípio da legalidade , que norteia o contrato de trabalho com seus servidores. Impossibilidade de pagamento de verba não prevista na legislação . Inaplicabilidade do regime celetista ao servidor estatutário. Sentença de improcedência mantida. 2. RECONVENÇÃO. ADMINISTRATIVO. DEVOLUÇÃO DE QUANTIA RECEBIDA DE BOA-FÉ POR SERVIDOR. CARÁTER ALIMENTAR DA VERBA. Pretensão à devolução de verbas recebidas a título de horas extras de caráter alimentar, indevidamente paga pela Administração por próprio erro, constatado pelo Tribunal de Contas. Impossibilidade. Ausência de má-fé. Verba de caráter alimentar. Sentença de improcedência mantida. Recursos desprovidos. (TJSP; Apelação Cível XXXXX-68.2012.8.26.0553; Relator (a): Marcelo Berthe; Órgão Julgador: 7a Câmara Extraordinária de Direito Público; Foro de Santo Anastácio - Vara Única; Data do Julgamento: 25/08/2016; Data de Registro: 26/08/2016)
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Em suma, somente lei em sentido estrito pode estabelecer a criação de adicionais para servidores públicos, sendo que a regra contida em lei no Estatuto dos Funcionários Públicos do Município de Aramina (fls.63) não abrange a previsão de adicional de periculosidade para os servidores.
Portanto, em que pesem reconhecidas as condições insalubres do ambiente de trabalho da autora, bem como a periculosidade inerente à exposição à radiação ionizante (fls.160/161), inexistindo previsão legal para pagamento do "adicional de periculosidade" na legislação municipal, não há como concedê-lo, sendo descabida a aplicação analógica da Consolidação das Leis Trabalhistas ou do Estatuto dos Servidores Públicos Federais para suprir o vazio da legislação administrativa municipal.
É o que basta.
Ante o exposto, REJEITO o pedido formulado na inicial, julgando extinta a fase de conhecimento, com resolução de mérito, com fundamento no artigo 487, inciso I, do Código de Processo Civil.
Por força do princípio da sucumbência, condeno a parte autora ao pagamento das custas, despesas processuais e honorários advocatícios, arbitrados em 10% (dez por cento) sobre o valor atualizado da causa, nos termos do artigo 85, §§ 2º 2 3º, inciso I, do Código de Processo Civil, observada a gratuidade concedida (folha 18).
Oportunamente, arquivem-se os autos.
P.I.C.
Igarapava, 20 de maio de 2020.
Pedro Henrique Bicalho Carvalho
Juiz de Direito
2a Vara da Comarca de Igarapava/SP