14 de Agosto de 2022
- 2º Grau
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Detalhes da Jurisprudência
Processo
Órgão Julgador
Publicação
Julgamento
Relator
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Inteiro Teor
•ynrk ?;il PODER JUDICIÁRIO
RJ
1 í & *& TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SÃO PAULO
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TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SÃO PAULO
ACÓRDÃO/DECISÃO MONOCRATICA
237 ACÓRDÃO li iiii REGISTRADO (A i mil mil um m ) SO u im B N i m º u mi m
*03178171*
Vistos, relatados e discutidos estes autos de
Apelação nº 994.08.126973-6, da Comarca de São Simão,
em que ê apelante BETEL CORRETORA DE SEGUROS E PLANOS
HABITACIONAIS sendo apelado LUCIANE DE FÁTIMA RIBAS.
ACORDAM, em 6 Câmara de Direito Privado do
Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte
decisão: "DERAM PROVIMENTO PARCIAL AO RECURSO, NOS
TERMOS QUE CONSTARÃO DO ACÓRDÃO. V. U." , de
conformidade com o voto do Relator, que integra este
acórdão.
O julgamento teve a participação dos
Desembargadores JOSÉ JOAQUIM DOS SANTOS (Presidente
sem voto), VITO GUGLIELMI E PERCIVAL NOGUEIRA.
São Paulo, 02 de setembro de 2010.
SEBASTIÃO CARLOS GARCIA
RELATOR
PODER JUDICIÁRIO
Tribunal de Justiça de São Paulo
Voto nº 13615
Apte.: Betei Corretora de Seguros e Planos Habitacionais (p/s/curador especial)
Apda.: Luciane de Fátima Ribas
São Simão
SOCIEDADE EM CONTA DE PARTICIPAÇÃO - Pleito declaratório de nulidade de contrato,
restituição dos valores pagos e indenização por danos morais - Autora que firmou com a ré contrato de sociedade em conta de participação com objetivo de adquirir imóvel - Sentença de procedência - Inconformismo da ré —
Financiamento de casa própria somente conferido a pessoas jurídicas autorizadas pelo Banco Central - Caracterização de enriquecimento indevido da ré-apelante -Aplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor - Cabimento da restituição das parcelas pagas devidamente atualizadas - Não configuração, no entanto, dos danos morais -Apelo parcialmente provido.
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Luciane de Fátima Ribas ingressou com ação declaratória com pedidos sucessivos cumulados com indenização de danos materiais e morais contra Betei Corretora de Seguros e PI anos Habitacionais Ltda, havendo sido julgada procedente (fls. 108/111).
Irresignado, porém, apelou o réu, pleiteando a inversão do julgado (fls. 115/117).
Isento de preparo, o recurso foi processado e contrariado (fls. 121/123).
E o relatório.
O recurso está em caso de ser parcialmente provido para afastar a indenização por danos morais, na conformidade da fundamentação a seguir exposta.
Consigne-se, à partida, que o pleito da autora-apelada, consoante a r. sentença, funda-se nos seguintes fatos: "(•••) no final de agosto de 2002, teve conhecimento, por meio de comercial veiculado em programa de televisão, que a ré comercializava planos habitacionais para aquisição, construção ou reforma de imóvel (...) Interessada em adquirir um imóvel próprio, a autora manteve contato telefônico com representante da ré, transmitiu seus dados pessoais (que seriam para preenchimento do contrato) e obteve o número da conta-corrente da ré (...) Com o envio do contrato, a autora o assinou e o devolveu pelo correio; em cumprimento das obrigações assumidas, a autora pagou a título de sinal a quantia de R$ 600,00 e mais duas parcelas mensais de R$ 95,83, de um total de 30 prestações (...) Ao receber o boleto para pagamento da terceira parcela estranhou que a data de vencimento havia sido antecipada do dia 30 para o dia 10. Pediu esclarecimentos à ré, oportunidade em que soube que o
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contrato assinado, na realidade, versava sobre uma sociedade de conta em participação. A ré não mais atuava no ramo imobiliário, mas no segmento de saúde (...) Diz a autora que se sentiu enganada, induzida a erro pela propaganda abusiva veiculada pela ré, porquanto levada a acreditar que estaria firmando instrumento de plano habitacional, quando em verdade passara a integrar uma sociedade comercial (...) Pediu a procedência da demanda para obter a
declaração de nulidade do contrato, com os desdobramentos legais cabíveis, além da condenação da ré ao pagamento das quantias pagas devidamente atualizadas e dos danos morais em valor a ser arbitrado judicialmente..." (fls. 108/109).
O digno Magistrado sentenciante, Fábio Evangelista de Moura, julgou procedente a ação para declarar nulo o contrato firmado entre as partes, condenar a ré à devolução das quantias pagas e ao pagamento de indenização por danos morais fixada em R$ 11.400,00.
Pois bem. Pelos elementos coligidos nos autos, especialmente pela análise do "contrato de sociedade em conta de participação" (fls. 19/20), é possível inferir que a avença entabulada entre as partes, embora rotulada de sociedade, na verdade, objetiva a aquisição de casa própria e, não a
participação em sociedade. Conforme bem ressaltado, em caso parelho, pelo douto Desembargador Francisco Loureiro:
"(...) O atrativo econômico do contrato, na
verdade, não está na constituição de qualquer
sociedade, mas apenas e tão somente na obtenção de
recursos para aquisição da casa própria (...) Essa
operação econômica, pouco importa a roupagem
jurídica que receba - sociedade em conta de
participação, consórcio ou cooperativa - tem todav as
Voto nº 13615 - Apelação nº 994.08.126973-6 - São Shríf^V^U
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características de captação de poupança popular para
aquisição da casa própria, atividade subordinada, por
norma imperativa, à prévia autorização do Banco
Central do Brasil (...) Óbvio que a conseqüência do
negócio em fraude à norma proibitiva cogente é a nulidade, por ilicitude do objeto, uma vez que se busca, por via oblíqua, atingir objetivos reprovados pelo
ordenamento..." (TJ-SP - 4 Câmara de Direito Privado Apelação Cível n- 689.088.4/0-00 - j . 10.12.2009)
Destarte, concernentemente à restituição dos valores pagos pela autora, necessário ressaltar-se que, como é sabido e consabido, o enriquecimento indevido ou sem causa não é
tolerado em nosso sistema legal. Presentemente, como está evidenciado nos autos, é fato inconteste e incontroverso que a autora efetuou pagamentos à empresa-ré; e, conquanto explícito no contrato uma finalidade de conta de participação, o fato também evidenciado é que o objetivo e o escopo da autora era efetivamente a obtenção de um imóvel.
Ora bem: ao que está evidenciado nos autos, a autora jamais recebeu esse benefício, ou qualquer outro que decorresse dos pagamentos por ele feitos à ré-apelante. Tudo está a indicar, por conseguinte, um desembolso de numerário da autora para a ré, sem a contraprestação devida, o que ensejaria, como enseja, no mínimo, o direito dela à devolução do que pagou, devidamente corrigido.
Em segundo lugar, porém não em menor relevância jurídica, é de ser considerado, por um lado, que o Código de Defesa do Consumidor tem aplicação ao caso sub judice; e, por outro lado, que o direito da autora à restituição do que pagou é
Voto nº 13615 - Apelação nº 994.08.126973-6 - São §'uálfa//l
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exigível mesmo no caso de não haver ela adimplido integralmente com as parcelas devidas, mormente porque a ré foi citada por edital.
Como quer que seja, a falta de clareza das cláusulas contratuais indica a incompatibilidade entre o "contrato de sociedade em conta de participação" e o Código de Defesa do Consumidor. Cabe menção, mais uma vez, ao julgado supra
citado:
"(...) Não há como deixar de reconhecer como
abusivo negócio em que se exige o adiantamento de
expressiva quantia, acenando com a contrapartida vaga
de futuro financiamento, com atualização extorsiva e
prazo incerto. Evidente que não pode sociedade simples
atuar como verdadeiro agente financeiro, captando
poupança popular, concedendo cartas de crédito e
estipulando modos de remuneração do capital alheio
sem prévia e expressa autorização do BACEN...".
Daí por que, não bastasse a repulsa ao enriquecimento sem causa pelo ordenamento pátrio, em sede de relações de consumo, até mesmo quando por culpa do consumidor, o
fornecedor de produto ou serviço está obrigado à restituição na forma já mencionada.
Todavia, como já referido, o inconformismo da ré está em caso de parcial acolhimento para afastar a indenização por danos morais, porquanto não se vislumbra, na hipótese, sua ocorrência e configuração de dano extrapatrimonial.
Efetivamente, nesse aspecto, é de se ressaltar que o
pressuposto para configuração do dano moral, ausente na
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hipótese dos autos, é o gravame à imagem ou à intimidade da pessoa, em sua honra pessoal ou reputação ( C.F., art. 5 , V e X).
No caso sub judice, entretanto, o que se tem, em essência, é um conflito de interesses entre os demandantes, tendo por objeto a interpretação e aplicabilidade do contrato. Ora bem: a liberdade de pactuação, de um lado; e, de outro, a utilização da via judicial para a solução dos conflitos, inserem-se no campo das licitudes formais e procedimentais, garantidas pelo ordenamento jurídico, inclusive pela Constituição Federal.
Presentemente, tem-se a pactuação de um contrato bilateral sinalagmático, entre a autora e a ré, direcionado e tendo por fim e objeto a aquisição de imóvel. Pois bem: a inserção de cláusulas eventualmente havidas por ilegais, ou até abusivas, não traduz, por si mesma, violação à honra, à intimidade ou à
reputação do contratante. Muito menos a mera divergência quanto a sua aplicabilidade a determinado caso concreto.
A propósito, cabe mencionar arestos colacionados por Rui Stoco in Tratado de Responsabilidade Civil, Ed. Revista dos Tribunais, 5 ed., pág. 1366, verbis:
"Para que o dano moral seja indenizável é
preciso que haja repercussão, não bastando um simples
descontentamento no âmbito subjetivo da pessoa"
(TJSP, 6 C. Dir. Privado, Ap. 80.545-4, Rei.: Des. Ernani de Paiva, JTJ-LEX 221/95).
"Sem dúvida alguma, a Constituição Federal
vigente agasalhou de maneira mais ampla possível a
indenização por dano moral. Porém, ele não é devido
incondicionalmente, devendo ser examinado casn/í a
Voto nº 13615 - Apelação nº 994.08.126973-6 - São %\m{é///
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caso, para que ações como estas não criem a 'indústria
do dano moral'" (I TACSP, 7 C, Ap. 762.989-6, Rei.: Álvares Lobo, RT 766/260).
De todo modo, havendo a autora se socorrido da via judicial para proteção e garantia de seu direito, deixou mesmo de haver repercussão moral a seu desfavor, em decorrência do sustentado descumprimento contratual, não restando configurado o pressuposto da reparabilidade do dano moral que é a ofensa ou denegrimento da honra subjetiva ou objetiva da pessoa. E, como referido, descumprimento de contrato, por si mesmo, não tem um tal alcance de eventus damni.
Por fim, no que concerne às verbas da sucumbência, acolhido parcialmente o presente recurso, importa reconhecer a sucumbência recíproca entre as partes ( C.P.C., artigo 21, caput),
ressalvando-se, porém, que ambas são beneficiárias da assistência judiciária gratuita.
Isto posto, dá-se parcial provimento ao apelo, nos termos e pelos fundamentos constantes do presente voto condutor do acórdão.
Sebas^igUCJEarlos Garcia
Relator