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- 2º Grau
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Inteiro Teor
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO
Registro: 2016.0000508431
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos do Apelação nº 1011088-34.2015.8.26.0053, da Comarca de São Paulo, em que é apelante AMERICA SOFT INFORMATICA LTDA, é apelado FAZENDA PÚBLICA ESTADUAL - SECRETARIA DA FAZENDA.
ACORDAM , em 7ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: "Deram provimento ao recurso. V. U.", de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.
O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores COIMBRA SCHMIDT (Presidente), MAGALHÃES COELHO E EDUARDO GOUVÊA.
São Paulo, 25 de julho de 2016
Coimbra Schmidt
RELATOR
Assinatura Eletrônica
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Voto nº 32.674
APELAÇÃO nº 1011088-34.2015.8.26.0053 SÃO PAULO
Apelante : AMERICA SOFT INFORMÁTICA LTDA.
Apelada : FAZENDA DO ESTADO DE SÃO PAULO
MM. Juiz de Direito : Dr. Kenichi Koyama
TRIBUTÁRIO. 1. Quem aliena veículo automotor sem comunicar o ato à repartição encarregada do registro e licenciamento responde pela obrigação tributária do adquirente omisso, como devedor solidário. Incidência dos arts. 4º, III, da LE nº 6.606/89; 6º, II, e § 2º, da LE nº 13.296/08 e 124, II, do CTN. 2. Limitação da responsabilidade do alienante, no caso, até a comunicação da transferência do veículo com alienação fiduciária efetuada pela instituição financeira ao DETRAN, suficiente para eximir a responsabilidade da antiga proprietária. 3. DANO MORAL. Inscrição irregular do nome da autora em cadastros de inadimplentes e protesto indevido de título. Dano moral caracterizado. Caso em que o dano emerge in re ipsa, ainda que a prejudicada seja pessoa jurídica, presumindo-se a lesão pelo simples fato da violação, independente de prova de prejuízo. 4. Sentença reformada. Recurso provido.
Cuida-se de Procedimento Ordinário movido
por America Soft Informatica Ltda em face de Fazenda Pública Estadual - Secretaria
da Fazenda no qual se pretende, liminarmente, sejam suspensas qualquer medida
satisfativa do crédito da ré e a inscrição do nome da requerente junto ao SERASA.
No mérito, requer a declaração de inexistência da relação jurídico tributária entre a
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autora e a requerida, com o consequente impedimento desta em efetuar cobrança dos débitos referentes ao veículo GM/MONZA GLS, placa KIN0308 e, por fim, pleiteia indenização por danos morais. Aduz que em fevereiro de 2006 alienou o referido automóvel para Armando Roberto Ribeiro, tendo seguido as providências necessárias para a transferência do veículo, e que Armando, por sua vez, alienou o mencionado para Herbert Richard Modesto Bratfisch por meio de financiamento junto ao antigo BANESPA. Deste modo, afirma que desde então não possui responsabilidade sobre o veículo. Ocorre que acabou surpreendida por notificação de sua Instituição Financeira, que lhe informou que suas linhas de crédito foram canceladas por ter sido o nome da autora inscrito no SERASA por dois protestos estaduais, referentes aos exercícios de 2011/2012. Além disso, indica que teve o nome inscrito em dívida ativa no CADIN estadual, por débitos de IPVA do citado automóvel, relativos aos anos de 2008 até 2013. Alega que mesmo o DETRAN/SP possuindo todas as informações sobre a alienação, dados do comprador e data da venda, não consta em cadastro o verdadeiro proprietário do veículo, permanecendo este como se fosse da autora. Diante disso, alega que as indevidas inscrições junto ao CADIN e ao SERASA Foi indeferida a liminar (fls. 85/89).
...
Fazenda Pública Estadual - Secretaria da
Fazenda contestou o feito. Pontuou que o Código de Trânsito Brasileiro determina que as transferências de veículos automotores devem ser registradas no DETRAN, sendo obrigatório o registro da transferência. Além disso, de acordo com o art. 6º, II, da Lei Estadual nº 6.606/89, é responsável solidariamente pelo pagamento do IPVA o proprietário de veículo que o alienar e não fizer a comunicação ao órgão público competente. Deste modo, frisou que a autora não cumpriu com obrigação determinada em lei. Afirmou também que as convenções particulares relativas à responsabilidade sobre o pagamento de tributos não podem ser opostas à Fazenda Pública, por força do art. 123 do CTN. Assim, tendo ocorrido o fato gerador no dia
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1º de cada exercício, tal qual disposto na Lei Estadual nº 13.296/2008, art. 3º, a autora seria, ao menos, responsável solidária pelos débitos de IPVA. Apontou ainda jurisprudência favorável à ré. Ademais, afirmou ser completamente indevido o pedido de indenização por danos morais, haja vista que não teria sido demonstrado nexo causal entre a conduta da Administração e o dano suportado, não havendo que se falar ainda de suposta aplicação da teoria do risco administrativo (fls. 169/188).
Julgou-a improcedente a sentença, de
cujo relatório extraí o fragmento acima transcrito (fs. 263/7).
Apela a autora insistindo no acolhimento
da pretensão. Aduz, em síntese, que vendeu o veículo Monza, Placa KIN 0308, a Armando Roberto Ribeiro em fevereiro de 2006 que, por sua vez, o alienou a Herbert Richard Modesto Bratfisch em 18.3.2006, através de financiamento bancário junto ao Banco Banespa, comprovado que na mesma data a instituição financeira efetuou a anotação da alienação fiduciária junto ao DETRAN. Diz que tal fato permite a identificação do comprador e deixa certa a venda do veículo, restando cumprido, desse modo, o dever de comunicação imposto pelo art. 134 do CTB e, consequentemente, fazendo cessar sua responsabilidade por débitos incidentes sobre o bem a partir de então. A par disso, assevera que constam no cadastro do veículo no Detran bloqueio por queixa de roubo/recuperado e ação de busca e apreensão movida pelo Banco Santander, que reforçam a cientificação da apelada sobre a transferência de propriedade do veículo. Finaliza, dizendo que sofreu prejuízo em decorrência da inscrição de seu nome nos órgãos de proteção ao crédito, fazendo jus, portanto, a indenização por danos morais (fs. 270/88).
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Contrarrazões a fs. 295/305.
É o relatório.
1. O art. 4º, III, da Lei Estadual nº
6.606/89 atribui a condição de sujeito passivo da obrigação tributária, por solidariedade, ao proprietário de veículo de qualquer espécie, que o alienar e não comunicar a ocorrência ao órgão público encarregado do registro e licenciamento, inscrição ou matrícula. 1
A Lei Estadual nº 13.296, de 23 de
dezembro de 2008, que revogou a lei supracitada, contém em seu art. 6º, II e § 2º, redação semelhante, também atribuindo a condição de sujeito passivo da obrigação tributária, por solidariedade, ao proprietário de veículo automotor que o alienar e não fornecer os dados necessários à alteração no Cadastro de Contribuintes do IPVA no prazo de 30 (trinta) dias, em relação aos fatos geradores ocorridos entre o momento da alienação e o do conhecimento desta pela autoridade responsável.
A norma atende a regra geral do art. 124,
II, do Código Tributário Nacional 2 . Não se liga a atribuição de responsabilidade tributária de terceiros; tratada nos arts. 128 e seguintes do diploma. É caso de pura e simples sujeição à obrigação tributária em situação idêntica à do devedor principal, por falta de cumprimento de obrigação acessória.
1 Redação dada pelo inciso II do art. 1º da Lei nº 9.459, de 16/12/1996.
2 São solidariamente obrigadas (II) as pessoas expressamente designadas por lei.
Apelação nº 1011088-34.2015.8.26.0053 5
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A lei local, como se vê, não ofende
norma maior. Assim, antes da comunicação da venda ao órgão do trânsito, não há como infirmar o lançamento do tributo em nome do proprietário do veículo.
No caso, embora não comunicada
formalmente a alienação do bem, nota-se, no entanto, que a apelante carreou aos autos documentos que comprovam que o veículo sobre o qual incidem os débitos questionados foi alienado a Herbert Richard Modesto Bratfisch, através de financiamento bancário junto ao Banco do Estado de São Paulo, e que a instituição financeira, em 18.3.2006, efetuou a anotação da alienação fiduciária junto ao DETRAN (fs. 45 e 100). Outrossim, os documentos de fs. 102/6 demonstram que, posteriormente, o banco credor ajuizou ação de busca e apreensão contra o devedor, onde foi determinada e cumprida pelo Detran a ordem de bloqueio de transferência do veículo, em 16 de junho de 2008 (fs. 102/6). Inquestionável, portanto, a ciência, pelo órgão de trânsito, da transferência da propriedade do veículo.
Ademais, através da Portaria Detran nº
1.070, de 2 de agosto de 2001, foi “implantado, no âmbito do Estado de São Paulo, o Sistema Eletrônico de Controle de Inserção e Baixa de Gravames, doravante denominado “Sistema Nacional de Gravames
SNG”, consoante as disposições estabelecidas na Resolução CONTRAN n. 124, de 14 de fevereiro de 2001” (art. 1º).
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Tal sistema “compreende o
gerenciamento eletrônico dos dados técnicos informativos das instituições financeiras, em consonância com o banco de dados do DETRAN/SP, com transmissão e consultas on line” (art. 1º, § 2º).
Verifica-se, assim, que sua finalidade é
facilitar o fluxo de informações entre instituições financeiras e o órgão executivo estadual de trânsito, garantindo que este tenha acesso à situação dominial de veículos financiados.
Logo, havendo comunicação do gravame
junto ao Sistema Nacional de Gravames - SNG, ao qual o DETRAN tem acesso on line, considera-se comunicada a transferência definitiva da propriedade do veículo ao adquirente, conforme determinado pelo art. 134 do Código de Trânsito Brasileiro e 34 da Lei nº 13.296/08.
Desse modo, a partir da referida data
(18.3.2006), não há que se falar em responsabilidade da apelante pelos débitos irradiados do veículo.
Nesse sentido, em caso semelhante, já
decidiu esta Câmara que a instituição financeira informou o gravame aos órgãos públicos, passando a constar do prontuário do veículo a restrição financeira, com data de contrato de 09/05/2008 e como financiado “Roberto Farinas Rodrigues” (fls. 50).
Assim, embora o autor ainda estivesse
cadastrado como proprietário, a comprovação da tradição, bem como o
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conhecimento desta pela autoridade responsável (conforme parte final do artigo 6º,
inciso II, da Lei Estadual nº 13.296/2008), bastam para afastar a sua responsabilidade
do pagamento do tributo incidente sobre a propriedade, para os fatos geradores que
ocorreram após a transação. 3
Outrossim, essa orientação vem sendo
adotada em outros julgado desta Casa:
RECURSOS OFICIAL E DE APELAÇÃO AÇÃO DE
PROCEDIMENTO ORDINÁRIO - IPVA - VEÍCULO
AUTOMOTOR PRETENSÃO À INEXIGIBILIDADE DE DÉBITOS E RECEBIMENTO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS - POSSIBILIDADE PARCIAL. 1 . O adquirente e o alienante de veículo automotor são responsáveis solidários, pelo pagamento do IPVA, até a comunicação da alienação perante o Órgão de Trânsito competente. 2 . No caso dos autos, há comprovação da comunicação da transferência de propriedade, mediante a inclusão da intenção de gravame, pelo Banco Bradesco S.A., no Sistema Nacional de Gravames, em nome de terceiro. 3 . Aplicação da Portaria nª 1.070/01 do DETRAN. 4 . Os elementos de convicção produzidos nos autos demonstram que a parte autora não é responsável tributária pelo lançamento tributário ora questionado. 5 . Ação de procedimento ordinário, julgada parcialmente procedente. 6 . Sentença, ratificada. 7 . Recursos oficial e de apelação, apresentado pela parte ré, desprovidos. 4
APELAÇÃO - Ação declaratória de inexigibilidade de crédito tributário cumulada com indenização por danos morais IPVA, exercícios de 2008 a 2010. Veículo transferido a terceiro. Falta de comunicação da alienação ao órgão de trânsito. Inscrição, contudo, de gravame (bloqueio judicial e busca e apreensão), desde 2007 e 2008, no cadastro oficial do DETRAN. Prova suficiente da ciência, pelo Fisco, de que o bem não pertencia à autora - Débito relativo ao IPVA, inscrito em dívida ativa e no CADIN, que enseja a reparação por danos morais Sentença
3 Apelação nº 0012476-82.2013.8.26.0562, Des. Moacir Peres, j. 2.3.15
4 Apelação nº 1002166-90.2015.8.26.0477, Des. Francisco Bianco, j. 27.6.16.
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reformada - RECURSO PROVIDO. 5
Apelação cível. IPVA referente aos exercícios de 2009 e seguintes. Tributo incidente sobre veículo alienado em 2007. Anotação de intenção de gravame, com indicação do nome do financiado e do respectivo número de inscrição no CPF/MF. Responsabilidade solidária do antigo proprietário que não subsiste quanto aos débitos posteriores à ciência da transferência. Cancelamento dos protestos. Recurso provido. 6
2. A pessoa jurídica não pode ser ofendida
subjetivamente. O chamado dano moral que se lhe pode afligir é a repercussão negativa sobre sua imagem. Em resumo: é o abalo de seu bom-nome 7 .
A pessoa jurídica, criação da ordem legal, não
tem capacidade de sentir emoção e dor, estando por isso desprovida de honra subjetiva e imune à injúria. Pode padecer, porém, de ataque à honra objetiva, pois goza de uma reputação junto a terceiros, passível de ficar abalada por atos que afetam o seu bom nome no mundo civil ou comercial onde atua 8 .
Sofrimento íntimo é o que se
convencionou chamar dor da alma. A pessoa jurídica não tem íntimo. Não possui honra subjetiva. É esta a razão, simples, pela qual somente a ofensa à imagem (honra objetiva) é passível de indenização. E foi nesse sentido que o STJ uniformizou o entendimento relativo à matéria, cristalizado na Súmula nº 227 9 , consoante indicam os paradigmas considerados: recursos especiais nº s 129.428 / RJ (acima citado), 134.993 5 Apelação nº 0046503-05.2012.8.26.0602, Des. Vicente de Abreu Amadei, j. 21.6.16.
6 Apelação nº 1000769-78.2015.8.26.0482, Des. Luciana Bresciani, j. 17.6.16.
7 REsp nº 752.672 / RS, Min. Humberto Gomes de Barros
8 Apud REsp nº 129.428 / RJ. Min. Ruy Rosado de Aguiar.
9 “A pessoa jurídica pode sofrer dano moral”.
Apelação nº 1011088-34.2015.8.26.0053 9
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/ MA, 161.739 / PB, 161.913 / MG e 177.995 / SP.
E nos casos de protesto indevido de
título ou inscrição irregular em cadastros de inadimplentes, como é o da hipótese dos autos, a jurisprudência do STJ firmou entendimento de que, o dano moral se configura in re ipsa, isto é, prescinde de prova, ainda que a prejudicada seja pessoa jurídica ( REsp 1.059.663/MS, Rel. Min. Nancy Andrighi, DJe de 17/12/2008). 10
É o suficiente para estabelecimento do
liame de causalidade autorizante, no caso, da concessão da reparação do dano moral, pois a apelante teve sua imagem maculada, em decorrência de ato indevido praticado pela apelada.
Deve-se ter em mente não ser a
indenização pelo dano moral instrumento de enriquecimento indevido. Assim, consideradas as circunstâncias do caso, fixo a indenização pelo dano moral no montante de R$ 5.000,00. É consentânea frente à situação e atende sua dupla função, terapêutico-compensatória.
3. Posto isso, dou provimento ao recurso.
Julgo procedente a ação para declarar a inexigibilidade dos débitos de IPVA incidentes sobre o veículo mencionado na inicial a partir de 18 de fevereiro de 2006, em relação à autora, cancelando as respectivas CDAs, protestos e inscrição no CADIN que houver em seu nome, bem como para condenar a ré no pagamento de indenização por danos morais, que 10 AgRg no AREsp 718767 / RJ, Min. Marco Aurélio Bellizze, j.16.2.16.
Apelação nº 1011088-34.2015.8.26.0053 10
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fixo em R$ 5.000,00 (cinco mil reais), invertidos os ônus da sucumbência.
Os recursos que deste se originarem
estarão sujeitos a julgamento virtual, a não ser que se manifeste impugnação à forma, nos respectivos prazos de interposição.
COIMBRA SCHMIDT
Relator