16 de Agosto de 2022
- 2º Grau
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Detalhes da Jurisprudência
Processo
Órgão Julgador
Publicação
Julgamento
Relator
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Inteiro Teor
TRIBUNAL DE JUSTIÇA
PODER JUDICIÁRIO
São Paulo
Registro: 2016.0000722325
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos do Apelação nº XXXXX-57.2014.8.26.0100, da Comarca de São Paulo, em que é apelante BRADESCO SAÚDE S/A, são apelados PEDRO AVEDIS SEFERIAN e DANPRIS CONSTRUÇÕES E EMPREENDIMENTOS IMOBILIÁRIOS LTDA.
ACORDAM, em 5ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: "Negaram provimento ao recurso. V.U.", de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.
O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores MOREIRA VIEGAS (Presidente sem voto), FERNANDA GOMES CAMACHO E A.C.MATHIAS COLTRO.
São Paulo, 28 de setembro de 2016.
FÁBIO PODESTÁ
RELATOR
Assinatura Eletrônica
TRIBUNAL DE JUSTIÇA
PODER JUDICIÁRIO
São Paulo
APELAÇÃO nº XXXXX-57.2014.8.26.0100
APELANTE: BRADESCO SAÚDE S/A
APELADOS: PEDRO AVEDIS SEFERIAN E DANPRIS CONSTRUÇÕES E
EMPREENDIMENTOS IMOBILIÁRIOS LTDA
COMARCA: SÃO PAULO
VOTO Nº 13379
SEGURO-SAÚDE – Autor acometido de púrpura trombocitopênica imunológica – Recomendação médica para utilização do medicamento denominado MABTHERA (RITUXIMABE), indispensável ao controle da moléstia e prescrito somente após o insucesso de outros terapêuticos – Negativa de cobertura sob a alegação de exclusão contratual, por se tratar de uso off label, experimental e fora do rol da ANS – Inadmissibilidade – Contrato que não restringe a cobertura da doença – Função social do contrato de assistência médica – Súmula 102, TJSP – Cláusulas contratuais que devem ser interpretadas de forma mais favorável ao consumidor – Escolha do tratamento que não cabe à seguradora, mas ao médico que assiste o paciente – Abusividade da recusa, sob pena de inviabilizar o objeto do próprio ajuste – Cobertura devida – RESCISÃO CONTRATUAL IMOTIVADA – Inadmissibilidade – Contrato de trato sucessivo ou execução continuada, que gera catividade no consumidor – Ofensa à função social do contrato e à boa-fé contratual, sobretudo porque o autor, idoso, encontra-se em tratamento médico – Imprescindível que haja alguma exceção legal à continuidade do contrato – Decisão mantida – Apelo improvido.
Cuida-se de apelação interposta contra a r. sentença
prolatada a fls. 254/9, cujo relatório adoto, que, confirmando a tutela
antecipada, julgou procedente em parte a pretensão inicial, a fim de condenar
a ré ao pagamento da conta hospitalar, no valor de R$ 42.775,53 (quarenta e
dois mil, setecentos e setenta e cinco reais e cinquenta e três centavos);
devendo devolver aos autores os valores gastos com o tratamento, no valor de
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R$ 10.668,54 (dez mil, seiscentos e sessenta e oito reais e cinquenta e quatro centavos); bem como para declarar nula a clausula 12.2.2.1 do Contrato de Seguro de Reembolso de Despesas de Assistência Médico-Hospitalar Bradesco Saúde. Em razão da sucumbência, atribuiu-lhe, ainda, as custas e despesas processuais, bem como honorários advocatícios, fixados em vinte por cento sobre o valor da condenação.
Irresignada, recorre a requerida, sustentando, em síntese, que não está obrigada a custear medicamento que não conste do rol da ANS, especialmente porque utilizado de maneira diversa daquela estabelecida em sua bula (uso off label), e em caráter experimental. Alega que somente está obrigada a cobrir os riscos predeterminados na apólice, não podendo ser compelida a arcar com despesas não previstas no contrato. Defende a possibilidade de rescisão unilateral do contrato de seguro-saúde coletivo, inexistindo abusividade em aludida cláusula.
Recurso tempestivo e preparado. Contrarrazões a fls. 296/309.
É o relatório do essencial.
O apelo não merece ser provido.
De início, anoto a aplicação do Código de Defesa do Consumidor, por se tratar de clara relação de consumo, à luz da Súmula 469 do C. Superior Tribunal de Justiça.
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cobertura fundada no fato do procedimento não estar previsto no rol de procedimento da ANS ou possuir natureza experimental, à luz da Súmula 102, que dispõe:
“Havendo expressa indicação médica, é abusiva a negativa de cobertura de custeio de tratamento sob o argumento da sua natureza experimental ou por não estar previsto no rol de procedimentos da ANS.”
Na verdade, aludida listagem trata da cobertura mínima obrigatória. In casu, deve ser assegurada a cobertura do medicamento pleiteado, sob pena de desequilíbrio da avença em desfavor do consumidor aderente, que ficaria privado de usufruir de qualquer procedimento moderno e eficaz, decorrente do avanço da medicina.
Isto porque o objeto do contrato de assistência médica, seja sob égide de seguro-saúde ou de plano de saúde, é, em última análise, garantir a vida e a saúde dos beneficiários e, sob tal aspecto deve ser analisada a medida combatida.
A interpretação que a apelante pretende dar ao contrato restringe direito do paciente e viola o Código de Defesa do Consumidor quanto à interpretação mais favorável ao consumidor (art. 47). A recusa da seguradora impede a cobertura contratual para a doença e obsta o acesso às inovações oferecidas pela Medicina ao paciente, tolhendo-lhe a possibilidade de obter tratamento médico adequado, afrontando o objetivo do contrato celebrado entre as partes.
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Ora, “se o contrato de plano de saúde prevê a cobertura de determinado tratamento, não podem ser excluídos os procedimentos imprescindíveis para o seu êxito” ( AgRg no AREsp 35.266/PE, Rel. Ministro SIDNEI BENETI, TERCEIRA TURMA, julgado em 18/10/2011, DJe 07/11/2011).
Afinal, o médico responsável pelo tratamento do paciente é o profissional mais qualificado para perquirir suas necessidades e adotar o procedimento mais adequado para lhe proporcionar o restabelecimento de sua saúde e qualidade de vida.
Frise-se que o medicamento pleiteado (Rituximab) somente foi prescrito após o insucesso de outras terapêuticas (relatório médico a fl. 70).
A exclusão imposta pela ré também ofende a regra do art. 51, § 1º, inc. I, da Lei nº 8.078/90, que presume exagerada a vantagem do fornecedor que restringe direitos ou obrigações fundamentais inerentes à natureza do contrato, de tal modo a ameaçar seu objeto ou o equilíbrio contratual, e também porque o elenco dos procedimentos médicos instituído pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) não é exaustivo.
Neste diapasão, deve-se considerar o próprio objeto da avença travada entre em partes, bem como o princípio da função social do contrato e os deveres anexos decorrentes da boa-fé objetiva e a necessidade de tratamento médico adequado como forma de garantir a preservação da saúde do apelado.
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cobertura integral do medicamento necessário a tal tratamento, sob pena de torná-lo ineficaz ao seu objetivo. Ora, se o contrato não prevê restrição à cobertura, não há como se excluir o tratamento destinado ao restabelecimento do paciente, ainda mais quando o procedimento tenha sido indicado por médico especialista, sobretudo quando já ministrados outros procedimentos terapêuticos sem sucesso.
Por sua vez, em que pese haver previsão contratual permitindo a resolução independentemente de motivação, mediante simples manifestação de vontade de qualquer das partes contratantes, tal comportamento não pode prosperar em relações contratuais como a dos autos.
Com efeito, a cláusula que permite à apelante proceder a rescisão imotivada do contrato contraria o ordenamento jurídico, vez que viola a boa fé objetiva e a função social dos contratos, princípios que devem ser observados, mormente em se tratando de beneficiário idoso (fl. 26), portador de grave patologia (púrpura trombocitopênica imunológica fl. 70).
A norma do artigo 13, parágrafo único, II da Lei nº 9.656/98, que proíbe a suspensão ou rescisão unilateral do contrato, salvo fraude comprovada ou não pagamento da mensalidade por período superior a sessenta dias, também se aplica teleologicamente aos contratos coletivos, cujos beneficiários são os mesmos que o aludido dispositivo visa proteger.
Afinal, os contratos de assistência médica criam uma espécie de catividade dos consumidores em relação ao serviço contratado,
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prestado de forma contínua, cuja execução se protrai no tempo. Referidos contratos se baseiam em uma relação de confiança, surgida pelo convívio reiterado, gerando expectativas de manutenção do pacto para o futuro, justamente em razão do objeto contratualmente estipulado.
Vale acrescentar, ainda, que, em se tratando de contrato de adesão, a ele se aplica o disposto no artigo 424 do Código Civil, que nulifica as cláusulas capazes de configurar renúncia antecipada a direitos resultantes da natureza do negócio.
Não se trata, contudo, de obrigar a apelante a manter-se vinculada ao contrato ad perpetuam, mas de impedir o cometimento de abusos ou a estipulação de regras que acarretem o desequilíbrio contratual. Para que ocorra regular resolução contratual, cabe à seguradora motivar sua pretensão, demonstrando, de maneira objetiva, que teria ocorrido a quebra do sinalagma contratual, nas hipóteses previstas pelo art. 13 da Lei 9.656/1998, o que não ocorreu.
Por tais razões, a r. sentença deu adequada solução à lide e deve, pois, prevalecer.
Diante do exposto, pelo meu voto, NEGO PROVIMENTO ao recurso.
FÁBIO HENRIQUE PODESTÁ
Relator