1 de Julho de 2022
- 2º Grau
Acesse: https://www.jusbrasil.com.br/cadastro
Detalhes da Jurisprudência
Órgão Julgador
Publicação
Julgamento
Relator
Acesse: https://www.jusbrasil.com.br/cadastro
Inteiro Teor
TRIBUNAL DE JUSTIÇA
PODER JUDICIÁRIO
São Paulo
Registro: 2017.0000942266
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação nº 0009011-16.2015.8.26.0297, da Comarca de Jales, em que é apelante MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO, são apelados LARISSA CARLA SOUZA MENDONÇA e VALDIR TRANQUERO MENDONÇA.
ACORDAM , em 16ª Câmara de Direito Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: "Negaram provimento ao recurso. V. U.", de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.
O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores LEME GARCIA (Presidente), NEWTON NEVES E OTÁVIO DE ALMEIDA TOLEDO.
São Paulo, 5 de dezembro de 2017
LEME GARCIA
RELATOR
Assinatura Eletrônica
TRIBUNAL DE JUSTIÇA
PODER JUDICIÁRIO
São Paulo
16ª Câmara Criminal
APELAÇÃO CRIMINAL n. 0009011-16.2015.8.26.0297
Comarca: JALES
Apelante: MINISTÉRIO PÚBLICO
Apelados: LARISSA CARLA SOUZA MENDONÇA
VALDIR TRANQUERO MENDONÇA
Voto: 9328
APELAÇÃO. Loteamento irregular. Absolvição por insuficiência de provas. Recurso do Ministério Público. Inviável a condenação dos acusados. Ausência de elementos seguros para a procedência da ação penal. Não evidenciado o dolo exigível à espécie na conduta dos apelados. Aplicação do princípio do in dubio pro reo. Sentença absolutória mantida. Recurso impróvido.
Trata-se de recurso de apelação interposto pelo MINISTÉRIO PÚBLICO contra a r. sentença prolatada pelo MM. Juiz de Direito José Pedro Geraldo Nóbrega Curitiba, da 3ª Vara da Comarca de Jales, que absolveu LARISSA CARLA SOUZA MENDONÇA e VALDIR TRANQUERO MENDONÇA da prática do delito previsto no artigo 50, inciso I e parágrafo único, inciso I, da Lei n. 6.766/1979, com base no artigo 386, inciso VI, do Código de Processo Penal (fls. 267/273).
Em razões de recurso, em apertada síntese, pretende o Parquet a condenação dos apelados nos termos exatos propostos na denúncia, por entender comprovados os fatos nela articulados (fls. 279/291).
Em contrarrazões, manifesta-se a Defesa pelo
não provimento do recurso ministerial (fls. 297/309).
A douta Procuradoria de Justiça, em parecer da lavra do Dr. Carlo Fantoni Júnior, opina pelo parcial provimento do recurso ministerial, no sentido de que se opere a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos, para os dois agentes
TRIBUNAL DE JUSTIÇA
PODER JUDICIÁRIO
São Paulo
(fls. 319/322).
É o relatório.
O recurso não comporta provimento.
Segundo consta da denúncia, após o dia 08 de janeiro de 2013, na “Estância Pôr do Sol”, situada na margem da Rodovia Euclides da Cunha, altura do km 578, Córrego do Veadão, na zona rural, em Jales, LARRISA CARLA SOUZA MENDONÇA e VALDIR TRANQUERO MENDONÇA, agindo em concurso e com unidade de desígnios, efetuaram loteamento do solo para fins urbanos, por meio da venda de terrenos, sem registro e autorização dos órgãos públicos competentes e em desacordo com as disposições da Lei do Parcelamento do Solo Urbano (Lei n. 6.766/79).
Conforme é relatado na inicial acusatória, os apelados parcelaram imóvel rural com finalidade urbana, alienando os terrenos de forma onerosa, auferindo lucros diretos, sem registrar o empreendimento e obter prévia autorização dos órgãos públicos competentes, e sem dotar o local da infraestrutura básica de rede de escoamento pluvial, coleta/tratamento de esgoto, abastecimento de água, vias asfaltadas e energia elétrica, entre outros equipamentos públicos.
Inicialmente, cabe frisar que a circunstância de o imóvel estar situado em área rural, não afasta a incidência do tipo
TRIBUNAL DE JUSTIÇA
PODER JUDICIÁRIO
São Paulo
penal previsto no artigo 50, da Lei n. 6.766/79 1 , tornando a conduta atípica, uma vez que a exegese legal prevê que o loteamento ou desmembramento do solo seja feito para fins urbanos (independentemente da localização em área rural ou urbana).
Considerando que a lei define o imóvel rural como “o prédio rústico, de área contínua qualquer que seja a sua localização que se destina à exploração extrativa agrícola, pecuária ou agroindustrial, quer através de planos públicos de valorização, quer através de iniciativa privada” (artigo 4º, inciso I, da Lei n. 4.504/64 - Estatuto da Terra), é a destinação do imóvel que determina se a sua finalidade é rural ou urbana.
Vale dizer, desvirtuado o imóvel das finalidades extrativas, agrícolas, pecuárias ou agroindustrial, ainda que situado em área rural, pode ser reconhecida a sua finalidade urbana e caracterizado o delito de parcelamento irregular do solo para fins urbanos.
Nesse sentido, anoto o quanto já decidido por este E. Tribunal de Justiça:
PARCELAMENTO DO SOLO URBANO Loteamento de gleba rural, para fins urbanos, sem autorização do órgão competente e em desacordo com a legislação federal e municipal vigentes. Configuração. Materialidade e autoria
1
Art. 50. Constitui crime contra a Administração Pública.
I - dar início, de qualquer modo, ou efetuar loteamento ou desmembramento do solo para fins urbanos, sem autorização do órgão público competente, ou em desacordo com as disposições desta Lei ou das normas pertinentes do Distrito Federal, Estados e Municipíos;
TRIBUNAL DE JUSTIÇA
PODER JUDICIÁRIO
São Paulo
comprovadas. Crime cometido sem título legítimo de propriedade e por meio de promessa de venda de lote. Ré que, pessoalmente, firmou vários compromissos de compra e venda de lotes do "Sítio Dom Bosco", na qualidade de cedente, e participou com o corréu, ao menos, de uma negociação. Dolo evidenciado
Atipicidade da conduta não verificada. Legislação que rege o parcelamento do solo de acordo com a sua finalidade e não com a sua localização (art. 1º, da Lei n. 6.766/79). Condenação mantida Penas fixadas em seus patamares mínimos, substituída a privativa de liberdade por restritiva de direitos e estabelecido o regime aberto, para o caso de conversão
Exclusão ou redução da pena de multa. Impossibilidade. Previsão legal em abstrato no tipo penal. Aplicação no limite mínimo disposto na norma - Apelo desprovido.
(TJSP; Apelação 9000007-51.2006.8.26.0510; Relator (a): Gilberto Ferreira da Cruz; Órgão Julgador: 15ª Câmara de Direito Criminal; Foro de Rio Claro - 1ª Vara Criminal; Data do Julgamento: 19/05/2016; Data de Registro: 25/05/2016)
Assim, o simples fato de se tratar de uma
propriedade rural não implica na atipicidade da conduta dos réus.
A par disso, em que pesem os indícios colhidos
na fase investigativa, que ensejaram o oferecimento da denúncia pelo
Ministério Público, deve ser reconhecido que, consoante bem ponderado
na r. sentença condenatória, não há elementos seguros no conjunto
probatório que comprovem o dolo da conduta dos agentes.
Em juízo, LARISSA relatou que o terreno
pertencia, de fato, ao seu pai (VALDIR), mas estava registrado em seu
nome, em razão dele estar com problemas com credores. Negou
qualquer participação no loteamento ou intermediação nas negociações,
afirmando que não recebeu qualquer valor das vendas, apenas tendo
assinado os contratos de compromisso de compra e venda. Alegou que
ela e seu pai haviam recebido orientação do 2º cartório de notas de
Jales, da funcionária “Licinha”, no sentido de que era possível vender
um terreno rural para até 10 pessoas, sem que isso caracterizasse um
TRIBUNAL DE JUSTIÇA
PODER JUDICIÁRIO
São Paulo
loteamento (mídia digital).
No mesmo sentido, VALDIR relatou que registrou o imóvel no nome de sua filha (LARISSA) porque estava com alguns problemas financeiros, por isso ela constava como vendedora nos contratos e assinou os documentos, porém, não participou das negociações ou das vendas. Alegou que, no cartório da “Licinha”, esta lhe informou que poderiam “passar” a escritura para até 10 pessoas em conjunto. O declarante vendeu partes da área para algumas pessoas por meio de contratos particulares, sem a intenção de realizar um loteamento irregular, desconhecendo que a sua conduta era ilegal. Alegou que, somente após ter feito as vendas, foi informado de que não poderia mais “passar” a escritura, em razão de um “aviso” do Ministério Público (mídia digital).
Os adquirentes Ademir Natal Tozzo Júnior, Sílvia Regina Rodrigues Tozzo, Neilor Cristiano Moraes Bogas, Paulo César Delatin, Renan Henrique Moura da Silva e Maria de Fátima Silva do Nascimento, ouvidos sob o crivo do contraditório, negaram ter mantidocontato com LARISSA, afirmando que toda a negociação foi feita diretamente com VALDIR ou, ainda, com terceiros que haviam adquirido o lote dele (mídia digital).
Neilor afirmou que, na época em que comprou o lote, era possível “passar” a escritura para até 10 pessoas e, nesse sentido, estava aguardando os 10 compradores para, então, ser feita a transferência em nome de todos. Posteriormente, ficou sabendo que não poderia mais ser feita a transferência “em comum” e nenhum dos adquirentes conseguiu a escritura. Segundo soube, o Promotor de Justiça comunicou o cartório de que a partir daquela data não era mais
TRIBUNAL DE JUSTIÇA
PODER JUDICIÁRIO
São Paulo
possível o registro de área “em comum”. Indagado, o depoente alegou que, na época, informaram para ele no cartório que era possível a transferência para até 10 pessoas, mas não tem nenhum documento escrito a respeito (mídia digital).
Paulo César contou que adquiriu o seu lote com um amigo (Ismael Júnior), que o havia comprado de Marcelo, que, por sua vez, o havia comprado de VALDIR. Na época, o depoente conversou com VALDIR e este lhe afirmou que a transferência da escritura seria feita após a venda dos 10 lotes. O apelante havia se comprometido a marcar uma reunião entre os adquirentes para que fosse repartida a energia entre eles, mas isso não foi feito (mídia digital).
Renan afirmou que, quando adquiriu o lote, sabia que a transferência seria feita “em comum”, após a venda de todos os lotes. Porém, quando conseguiram vender todos os lotes, a possibilidade de fazer uma “escritura coletiva” estava “bloqueada” (mídia digital).
Consoante se denota da prova oral colacionada, a alegação dos réus no sentido de que não pretendiam efetuar um loteamento ou desmembramento do solo, tendo agido com a intenção de constituir um condomínio rural, é confirmada pelos depoimentos dos adquirentes.
Com efeito, Neilor, Paulo César e Renan afirmaram expressamente que foram informados de que o terreno apenas poderia ser registrado como uma propriedade em comum entre todos os 10 adquirentes. Neilor e Renan confirmaram, ainda, que também haviam recebido informação no cartório no sentido de que era
TRIBUNAL DE JUSTIÇA
PODER JUDICIÁRIO
São Paulo
possível a transferência da área “em comum”, sendo que apenas posteriormente tal possibilidade foi “bloqueada”.
Nesse sentido, inclusive, as alegações encontram respaldo na decisão judicial de fls. 14/15, na qual o pedido de providências n. 0006982-27.2014.8.26.0297, ajuizado pelo Ministério Púbico, perante a 1ª Vara da Comarca de Jales, foi deferido, sendo determinado ao cartório de registro de imóveis que negasse o ingresso de título translativo de propriedade sempre que constatados indícios de parcelamento irregular de solo urbano ou rural.
Destarte, tendo em vista que a referida decisão foi proferida em 23/09/2014, data posterior à assinatura dos contratos de venda e compra pelos apelantes (datados de 08/11/2013 e 12/02/2014), se denota que, na época em que foram celebrados os negócios, não havia uma clara determinação no sentido que a venda dos imóveis rurais em condomínio poderia configurar um loteamento ilegal.
Assim, consoante bem anotado na r. sentença de primeiro grau, “evidente a razoável dúvida quanto ao dolo na conduta do réu, tendo em vista possivelmente que as negociações não foram caracterizadas com a intenção de efetuar loteamento ou desmembramento do solo para fins urbanos”.
Ademais, o intuito de constituir uma propriedade em condomínio consta expressamente do “compromisso particular de venda e compra rural” firmado entre os acusados e os adquirentes, tendo em vista que consta explicitamente que o objeto do contrato é uma “parte ideal correspondente 1/10 (um décimo) da área” e que “a
TRIBUNAL DE JUSTIÇA
PODER JUDICIÁRIO
São Paulo
outorga da escritura pública definitiva em favor do compromissário comprador, ou a quem ele indicar, deverá ser feita mediante a venda, pela vendedora, das demais áreas, em comum com os demais proprietários” (fls. 58/61 e 122/126).
Vale frisar, ainda, que o terreno foi dividido em 10 lotes de 3.025 m 2 , de maneira que o número reduzido de lotes aliado ao expressivo tamanho da área de cada um deles evidencia que não foi instituído no local um empreendimento imobiliário de grandes proporções.
Em suma, os elementos probatórios obtidos no transcurso da instrução sugerem que os réus tinham a intenção de constituir um condomínio rural, conforme informaram aos adquirentes e consignaram nos contratos de compromisso de compra e venda, agindo com base nas informações de que era possível instituir uma propriedade em comum entre até 10 proprietários.
Não há nos autos, portanto, elementos de prova que demonstrem, de forma consistente, a verossimilhança da imputação contida na denúncia, notadamente no que tange ao dolo dos acusados em realizar um loteamento irregular. Ao revés, o conjunto probatório, ao que tudo indica, revela que os apelados estavam realizando uma alienação de fração ideal de imóvel rural, sem a deliberada intenção de realizar um loteamento clandestino ou desmembrar a propriedade.
Com efeito, subsistindo dúvidas quanto ao dolo da conduta dos acusados, porquanto não foi verificada, de forma cristalina, a deliberada intenção de realizar um loteamento clandestino,
TRIBUNAL DE JUSTIÇA
PODER JUDICIÁRIO
São Paulo
inviável a prolação de édito condenatório, impondo-se, em homenagem ao princípio do in dubio pro reo, a manutenção da absolvição de ambos, nos termos do que dispõe o artigo 386, inciso VII, do Código de Processo Penal.
Cabe registrar que, no que se refere à corré LARRISA, deve ser mantida a absolvição também em razão da ausência de comprovação de seu efetivo envolvimento no loteamento do imóvel ou nas negociações e vendas dos lotes, uma vez que todos os adquirentes afirmaram que não tiveram contato com ela, tendo tratado de toda a transação apenas com o seu genitor Valdir.
Posto isso, pelo meu voto, nego provimento ao recurso ministerial, mantida, na íntegra, a r. sentença absolutória de primeiro grau.
LEME GARCIA
Relator