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19 de Abril de 2024
  • 2º Grau
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Tribunal de Justiça de São Paulo
há 6 anos

Detalhes

Processo

Órgão Julgador

3ª Câmara de Direito Criminal

Publicação

Julgamento

Relator

Airton Vieira

Documentos anexos

Inteiro TeorTJ-SP_APL_00738566320118260114_acd49.pdf
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Inteiro Teor

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SÃO PAULO

3ª Câmara de Direito Criminal

Registro: 2018.0000768076

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos do Apelação nº XXXXX-63.2011.8.26.0114, da Comarca de Campinas, em que é apelante/apelado ANDERSON EVANGELISTA MARQUES DA SILVA, é apelado/apelante MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO e Apelado ADILSON SIMPLÍCIO DA SILVA.

ACORDAM , em 3ª Câmara de Direito Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: "Negaram provimento à apelação do réu Anderson Evangelista, e deram provimento em parte à apelação do Ministério Público, apenas para condenar o réu Adilson Simplício, nos termos do art. 14,"caput", da Lei n. 10.826/03, aplicando a pena de 02 (dois) anos de reclusão, regime aberto, e multa de 10 (dez) diárias, no piso, e substituindo a pena corporal por prestação de serviços à comunidade e limitação de fim de semana, tudo a ser melhor especificado pelo Juiz de Direito da Vara das Execuções Penais. V.U.", de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores RUY ALBERTO LEME CAVALHEIRO (Presidente sem voto), ÁLVARO CASTELLO E LUIZ ANTONIO CARDOSO.

São Paulo, 25 de setembro de 2018

AIRTON VIEIRA

RELATOR

Assinatura Eletrônica

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SÃO PAULO

3ª Câmara de Direito Criminal

Apelação Criminal n. XXXXX-63.2011.8.26.0114

Apelantes: Anderson Evangelista Marques da Silva

Ministério Público do Estado de São Paulo

Apelados: Adilson Simplício da Silva

Anderson Evangelista Marques da Silva

Ministério Público do Estado de São Paulo

Origem: 6ª Vara Criminal da Comarca de Campinas

MM. Juiz de Direito: José Guilherme Di Rienzo Marrey

Voto n. 9.471

APELAÇÕES DA DEFESA E DA ACUSAÇÃO. PORTE ILEGAL DE ARMA DE FOGO. AUTORIA E MATERIALIDADE COMPROVADAS PARA AMBOS OS RÉUS. LEGÍTIMA DEFESA NÃO CONFIGURADA. DEPOIMENTOS DE POLICIAIS. VALIDADE. TIPICIDADE FORMAL E MATERIAL CARACTERIZADA. PENA E REGIME. REVISÃO. IMPOSSIBILIDADE. RECURSO DEFENSIVO DO RÉU INCRIMINADO DESPROVIDO. RECURSO MINISTERIAL PROVIDO EM PARTE APENAS PARA CONDENAR O RÉU ABSOLVIDO.

1. Materialidade e autoria criminosas devidamente comprovadas. No caso dos autos, a conjugação dos elementos probatórios leva ao suficiente grau de certeza quanto à materialidade e à autoria do crime de porte ilegal de arma de fogo, relativamente a ambos os réus, e não somente quanto àquele que foi condenado no Juízo de Origem. A absolvição de um dos réus, com fundamento na legítima defesa, não pode ser mantida, porque não caracterizada "in casu" a indigitada excludente de ilicitude. Os depoimentos dos agentes públicos deixaram bastante clara a ocorrência da infração penal em apreço.

2. Validade do depoimento de agentes de segurança pública. Os depoimentos judiciais de policiais, militares ou civis e de guardas civis, têm o mesmo valor dos depoimentos oriundos de quaisquer outras testemunhas estranhas aos quadros policiais. Entendimento contrário seria e é chapado absurdo, porque traduziria descabido e inconsequente preconceito, ao arrepio, ademais, das normas Constitucionais e legais. No duro, inexiste impedimento ou suspeição nos depoimentos prestados por policiais, militares ou civis, ou por guardas civis, mesmo porque

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seria um contrassenso o Estado, que outrora os credenciara para o exercício da repressão criminal, outorgando-lhes certa parcela do poder estatal, posteriormente, chamando-os à prestação de contas, perante o Poder Judiciário, não mais lhes emprestasse a mesma credibilidade no passado emprestada. Logo, são manifestas a ilegalidade e mesmo a inconstitucionalidade de entendimentos que subtraíssem, "a priori", valor dos sobreditos depoimentos judiciais pelo simples fato de terem sido prestados por pessoas revestidas da qualidade de policiais "lato sensu". Precedentes do STF ( HC XXXXX/PE Rel. Min. Carlos Ayres Brito j. 05.09.06; HC XXXXX-5 Rel. Min. Celso de Mello DJU 18.10.96; HC 70.237

Rel. Min. Carlos Velloso RTJ 157/94) e do STJ ( AgRg no AREsp 262.655/SP Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze j. 06.06.13; HC 177.980/BA Rel. Min. Jorge Mussi j. 28.06.11; HC 149.540/SP Rel. Min. Laurita Vaz j. 12.04.11 e HC 156.586/SP Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho j. 27.04.10).

Outrossim, especificamente quanto aos guardas civis, incide a inteligência da Lei n. 13.022/14, que amplia a restrita interpretação que se havia do art. 144, § 8º, da Constituição Federal, dando-lhes, dentre outras competências específicas, as funções de colaboração na apuração penal e na defesa da paz social. Logo, as Guardas Municipais (guardas civis) estão investidas na incumbência da garantia da paz social, atuando na prevenção da prática de crimes, podendo, inclusive, atuar de forma a impedir a sua ocorrência, ou no caso de flagrante, conferir meios para subsidiar a apuração do fato criminoso. Precedentes do STJ ( HC XXXXX/SP Rel. Min. Moura Ribeiro

j. 27.05.14; RHC XXXXX/SP Rel. Min. Jorge Mussi j. 26.05.14 e HC XXXXX/SP Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima j. 23.02.10).

3. Crimes de armas e bem jurídico tutelado. Os crimes previstos na Lei de Armas (Lei n. 10.826/03) relacionam inúmeras condutas criminosas e reprováveis para fins penais, a saber: o art. 12, da Lei n. 10.826/03, relaciona a conduta de possuir ou manter sob sua guarda arma de fogo, acessório ou munição, de uso permitido, em desacordo com determinação legal ou regulamentar, no interior de sua residência ou dependência desta, ou, ainda no seu local de trabalho, desde que seja o titular ou o responsável legal do estabelecimento ou empresa; o art. 14, "caput", da Lei n. 10.826/03, relaciona as condutas de portar, deter, adquirir, fornecer, receber, ter em depósito, transportar, ceder, ainda que gratuitamente, emprestar, remeter, empregar, manter sob guarda ou ocultar arma de fogo, acessório ou munição de uso permitido; o art. 16, "caput", da Lei n. 10.826/03, relaciona as condutas de possuir, deter, portar, adquirir, fornecer, receber, ter em depósito, transportar, ceder, ainda que gratuitamente, emprestar, remeter, empregar, manter sob sua guarda ou ocultar arma de fogo, acessório ou munição de uso proibido ou restrito; o art. 16, parágrafo único, IV, da Lei n. 10.826/03, relaciona as condutas de portar, possuir, adquirir, transportar ou fornecer arma de fogo com numeração, marca ou qualquer outro sinal de identificação raspado, suprimido ou adulterado. Têm natureza, segundo a Doutrina e a Jurisprudência, de "crime de mera conduta e de perigo

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abstrato", a lei não exigindo qualquer outro requisito para a sua configuração. Possibilidade, inclusive, de tipificação do crime, ainda que a arma de fogo esteja desmuniciada ou desmontada, o bem jurídico tutelado sendo a segurança pública e a paz social. Precedentes do STF ( HC XXXXX/BA 2ª T. Rel. Min. Teori Zavascki j. 26.11.2013 DJU 11.12.2013; HC XXXXX/RJ 2ª T. Rel. Min. Cármen Lúcia j. 05.11.2013 DJE 20.11.2013; RHC XXXXX/SP 1ª T. Rel. Min. Luiz Fux j. 24.09.2013 DJE 16.10.2013) e do STJ ( AgRg no REsp XXXXX/MG 5ª T. Rel. Min. Felix Fischer j. 03.03.2015 DJE 12.03.2015; AgRg no AREsp XXXXX/RO 6ª T. Rel. Min. Nefi Cordeiro j. 03.02.2015 DJE 13.02.2015; HC XXXXX/MG 6ª T. Rel. Min. Marilza Maynard j. 20.03.2014

DJU 10.04.2014; HC XXXXX/SC 5ª T. Rel. Min. Laurita Vaz j. 08.10.2013 DJU 16.10.2013).

4. Crimes de perigo abstrato e a sua (in) constitucionalidade. Salta aos olhos, sobretudo na atualidade, a dificuldade acadêmico-doutrinária em concluir pela inconstitucionalidade ou constitucionalidade dos crimes de perigo abstrato, o debate envolvendo incertezas e tomando matizes tanto no que se refere ao próprio conceito de "bem jurídico", ainda impreciso no campo político-criminal (embora muito estudado), quanto no que concerne ao conceito doutrinário relativo aos crimes de perigo abstrato, que também não é uníssono. O fato é que, no meu sentir, foram por razões de política criminal que o legislador passou a prever, no Código Penal e em Leis Especiais, condutas cujo aperfeiçoamento se dá com a mera ocorrência do comportamento típico, independentemente da efetiva produção de risco ou dano dele decorrente ("crimes de perigo abstrato"), tal como ocorre com a Lei n. 10.826/03. Assim, nessa espécie de crime, o legislador penal não tomou como pressuposto da criminalização a lesão ou o perigo de lesão concreta a determinado bem jurídico, mas, ao revés, baseou a sua análise em dados empíricos, vale dizer, o legislador selecionou grupos ou classes de ações que geralmente levam consigo o indesejado perigo ao bem jurídico. Em outras palavras, o crime de que estamos a tratar é um claro exemplo de dogmática penal direcionada a atender a uma política criminal de maior controle sobre um subsistema social (segurança pública), cada vez mais problemático em uma sociedade que ostenta índices alarmantes de violência. Aliás, o crime previsto no art. 14, "caput", da Lei de Armas, é de extrema gravidade, sendo gerador de inúmeros outros crimes, tais como: roubos, homicídios, latrocínios, etc., praticados por aqueles que têm posse ou porte de armas, munições e acessórios, quer legais ou ilegais, a reforçar este primeiro ponto. Até porque, se levássemos ao extremo de querer descriminalizar todas as condutas tidas como de "perigo abstrato", cairíamos no contrassenso de descriminalizar (pela declaração de inconstitucionalidade dos crimes de perigo abstrato), também, o crime de tráfico de drogas. No duro, a tipificação de condutas que geram perigo abstrato, muitas vezes, acaba sendo a melhor alternativa ou a medida mais eficaz para a proteção de bens jurídicos supraindividuais ou de caráter coletivo, os quais são extremamente importantes e que devem, sem dúvida nenhuma, ter tratamento diferenciado pelo legislador ordinário, como, por exemplo, o meio ambiente, a

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saúde, dentre outros. Portanto, pode o legislador, dentro de suas amplas margens de avaliação e de decisão, definir quais as medidas mais adequadas e necessárias para a efetiva proteção de determinado bem jurídico, o que lhe permite escolher espécies de tipificação próprias de um direito penal preventivo. Assim, a criação de crimes de perigo abstrato não representa, por si só, comportamento inconstitucional por parte do legislador penal, situação que somente se observaria em caso de transborde dos limites da proporcionalidade. Constitucionalidade. Inteligência da doutrina de Bernardo J. Feijó Sánchez e Pierpaolo Cruz Bottini. Precedente do STF ( HC XXXXX/RS Min. Gilmar Mendes 2ª T j. 06.03.12 DJE 27.03.12).

5. Descabimento da aplicação do princípio da insignificância quanto ao crime previsto no Estatuto do Desarmamento.

6. Dosimetria da pena estabelecida de modo escorreito quanto ao réu incriminado na Origem, devendo ser aplicada, nos mesmos termos, para o segundo acusado, absolvido na r. sentença e ora condenado em decorrência do recurso do Ministério Público.

7. Para ambos os réus, o regime carcerário imposto há de ser o aberto, com substituição da pena privativa de liberdade por duas restritivas de direitos, consistentes em prestação de serviços à comunidade e limitação de fim de semana, tal como foi fixado na Origem para o réu ali incriminado, não se justificando medidas mais gravosas.

8. Recurso da defesa do réu Anderson Evangelista desprovido. Recurso do Ministério Público provido em parte apenas para condenar o réu Adilson Simplício.

VOTO

Anderson Evangelista Marques da Silva e Adilson Simplício da

Silva foram denunciados como incursos nas penas do art. 14, "caput", da Lei n.

10.826/03 (fls. 01d/03d). Ao final, sobreveio r. sentença condenando o réu

Anderson Evangelista, nos termos em que denunciado, à pena de 02 (dois)

anos de reclusão, regime aberto, e multa de 10 (dez) diárias, no piso,

substituindo-se a pena corporal por prestação de serviços à comunidade e

limitação de fim de semana, e de outro lado, o réu Adilson Simplício foi

absolvido, com fundamento legal no art. 386, VI, do Código de Processo Penal,

uma vez reconhecida a excludente de ilicitude da legítima defesa (fls. 238/243).

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Inconformados com a r. sentença, apelam o réu Anderson Evangelista e o Ministério Público.

O recurso defensivo pleiteia a absolvição do réu Anderson Evangelista, invocando o princípio da intervenção mínima, a ausência de caráter ressocializador da pena no caso concreto, a inexistência de lesão ao bem jurídico, os documentos comprobatórios da boa-fé do réu quanto à posse da arma e a ausência de dolo (o intuito do réu seria apenas levar a arma para um estande de tiro), razão pela qual a defesa considera ser caso de absolvição por atipicidade ou inexigibilidade de conduta diversa (fls. 266/272).

Recorreu o "Parquet", pleiteando a condenação do réu Adilson Simplício e a conversão da pena substitutiva de limitação de fim de semana, imposta ao réu Anderson Evangelista, por outra modalidade de restritiva de direitos, proporcional à gravidade do crime (fls. 253/257).

Em contrarrazões, ambas as partes procuram refutar os respectivos argumentos adversários (fls. 277/279 e 283/289).

A Procuradoria Geral de Justiça opinou pelo desprovimento do apelo Ministerial e pelo parcial provimento do recurso defensivo, a fim de abrandar a substituição da pena corporal do réu incriminado, impondo-se apenas uma prestação pecuniária e uma segunda multa (fls. 294/296).

É o relatório que se acresce ao da r. sentença .

O recurso defensivo não comporta provimento e a apelação do Ministério Público deve ser provida em parte, para condenar o réu Adilson Simplício, pelo crime pelo qual foi denunciado.

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No caso dos autos, a conjugação dos elementos probatórios leva ao suficiente grau de certeza quanto à materialidade e à autoria do crime de porte ilegal de arma de fogo, relativamente a ambos os réus, e não somente quanto àquele que foi condenado no Juízo de Origem. A absolvição de um dos réus, com fundamento na legítima defesa, não pode ser mantida, porque não caracterizada "in casu" a indigitada excludente de ilicitude. Os depoimentos dos agentes públicos deixaram bastante clara a ocorrência da infração penal em apreço.

Explico.

A prova oral judicial foi gravada em formato audiovisual (fls. 162).

De acordo com o policial militar ouvido, depois de os agentes públicos saírem em perseguição a roubadores de um supermercado, um dos ladrões foi detido e, então, chegou o acusado Adilson Simplício, vítima do mencionado roubo, querendo bater no ladrão, o que, naturalmente, não foi autorizado pelo agente público. Ainda de acordo com o mesmo policial militar, o réu Adilson Simplício, diante da negativa da sua pretensão de agredir o roubador, sacou uma arma de fogo que trazia consigo e disse que iria matar o ladrão, em face do que o agente público precisou intervir, mediante uso de força, e tomar a arma do acusado.

O segundo policial militar relatou que foi perseguir um segundo roubador, e ao se reencontrar com o colega de farda, primeira testemunha, este, além de haver detido um dos ladrões, tinha dominado o réu Adilson Simplício, informando que ele havia tentado agredir o roubador e empunhado uma arma de fogo, "dando trabalho" para ser contido.

A arma de fogo, objeto do crime de que cuida o presente feito,

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trata-se de uma arma de uso permitido (revólver do calibre ".38", apto a disparar, fls. 186/190 e 201/203) devidamente registrada em nome do réu Anderson Evangelista (fls. 169). Esse acusado, em seus interrogatórios, disse que era segurança do estabelecimento comercial do corréu Adilson Simplício, aduzindo que havia guardado o objeto bélico no automóvel do seu patrão, justamente porque, um pouco mais tarde, utilizaria o veículo para se dirigir a um estande de tiros. O réu Anderson Evangelista relatou também que, quando do roubo ao estabelecimento do corréu Adilson Simplício, não estava no local, pois estava almoçando.

O réu Adilson Simplício, em Juízo, disse que foi atrás dos criminosos, que haviam acabado de roubar o seu mercado, e que desceu do carro após serem localizados, mas em nenhum momento trouxe a arma em suas mãos ou cintura, apenas sendo o objeto localizado quando o seu carro foi revistado pelos policiais militares. O réu não conseguiu oferecer explicação plausível para esse suposto procedimento policial, uma vez que era a própria vítima do roubo, tampouco para a narrativa diversa, apresentada pelos agentes públicos.

No caso concreto, cumpre atribuir uma especial valia aos depoimentos dos policiais militares, que narraram a ocorrência de forma clara e segura, e não tinham nenhum motivo para imputar falsamente fatos criminosos ao acusado.

Aliás, falando-se em policiais, civis ou militares, mesmo guardas civis, há de se lembrar que os seus depoimentos judiciais têm valor igual aos depoimentos de quaisquer outras testemunhas estranhas aos quadros policiais, sendo totalmente descabido e inconsequente o preconceito acerca dos seus depoimentos, sob o pretexto, absurdo, de que viriam a Juízo com o intuito inicialmente mentiroso, a fim de legitimar suas condutas pretéritas, que teriam ensejado a prisão do réu. Na verdade, inexiste qualquer

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impedimento ou suspeição nos depoimentos, judiciais que sejam, prestados por

policiais, sejam civis ou militares, mesmo guardas civis, porque seria um

contrassenso o Estado, que outrora os credenciara para o exercício da

repressão criminal, outorgando-lhes certa parcela do poder estatal,

posteriormente, quando os chamassem à prestação de contas, perante o Poder

Judiciário, não mais lhes emprestasse a mesma credibilidade no passado

emprestada. Não. Inexiste qualquer impedimento ou suspeição, no Código de

Processo Penal, que faça desmerecer, em princípio, depoimentos provenientes

de policiais, civis ou militares, também guardas civis, de resto, sendo

inconstitucional qualquer entendimento que retirasse valor, "a priori", dos

depoimentos policiais, pelo simples fato de terem sido prestados por pessoas

revestidas de tal qualidade, é dizer, investidas em tais cargos públicos.

Nesse sentido, por sinal, a jurisprudência do Supremo Tribunal

Federal:

"HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE ENTORPECENTES. NULIDADE DA SENTENÇA CONDENATÓRIA. INSUFICIÊNCIA DAS PROVAS DE ACUSAÇÃO. DEPOIMENTOS PRESTADOS EM JUÍZO POR AUTORIDADES POLICIAIS. VALIDADE. REVOLVIMENTO DO ACERVO FÁTICO-PROBATÓRIO. IMPOSSIBILIDADE.

É da jurisprudência desta Suprema Corte a absoluta validade, enquanto instrumento de prova, do depoimento em juízo (assegurado o contraditório, portanto) de autoridade policial que presidiu o inquérito policial ou que presenciou o momento do flagrante. Isto porque a simples condição de ser o depoente autoridade policial não se traduz na sua automática suspeição ou na absoluta imprestabilidade de suas informações ."

(STF HC XXXXX-5/PE Rel. Min. Carlos Ayres Britto j. 05.09.06

DJU 16.02.07);

"O valor de depoimento testemunhal de servidores policiais -especialmente quando prestado em Juízo, sob a garantia do contraditório - reveste-se de inquestionável eficácia probatória, não se podendo desqualificá-lo pelo só fato de emanar de agentes estatais incumbidos, por dever de ofício, da repressão penal . O depoimento testemunhal do agente policial somente não terá valor quando se evidenciar que esse servidor do Estado, por revelar interesse particular na investigação penal, age facciosamente ou quando se demonstrar - tal como ocorre com as demais testemunhas -que as suas declarações não encontram suporte nem se harmonizam com outros elementos probatórios idôneos."

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(STF HC XXXXX-5 Rel. Min. Celso de Mello DJU 18.10.96, p. 39.846);

"A jurisprudência do STF é no sentido de que a simples condição de policial não torna a testemunha impedida ou suspeita."

(STF HC 70.237 Rel. Min. Carlos Velloso RTJ 157/94).

Não bastasse o entendimento jurisprudencial acima, do

Supremo Tribunal Federal, pacífico é o entendimento atual do Superior Tribunal

de Justiça, a saber:

"AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. PROCESSO PENAL. TRÁFICO E ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO. 1. INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA E MANDADO DE BUSCA E APREENSÃO FUNDADOS, EXCLUSIVAMENTE, EM DENÚNCIA ANÔNIMA. IMPROCEDÊNCIA DA ALEGAÇÃO. REALIZAÇÃO DE INVESTIGAÇÕES PRELIMINARES. 2. DECISÃO QUE DETERMINOU A MEDIDA. FUNDAMENTAÇÃO CONCRETA. 3. IMPRESCINDIBILIDADE PARA O PROSSEGUIMENTO DAS INVESTIGAÇÕES. 4. VIOLAÇÃO AO ART. 155 DO CPP. NÃO OCORRÊNCIA. 5. ELEMENTO PROBATÓRIO DECORRENTE DA MEDIDA CAUTELAR. CONTRADITÓRIO DIFERIDO. 6. DEPOIMENTO DE POLICIAIS. VALIDADE. 7. ANÁLISE DE CONTRARIEDADE A DISPOSITIVOS CONSTITUCIONAIS. IMPOSSIBILIDADE. 8. INEXISTÊNCIA DE ELEMENTOS PROBATÓRIOS A AMPARAR O DECRETO CONDENATÓRIO. PLEITO DE ABSOLVIÇÃO. INVERSÃO DO JULGADO. NECESSIDADE DE REEXAME DAS PROVAS. INVIABILIDADE. SÚMULA 7/STJ. 9. AGRAVO REGIMENTAL IMPROVIDO.

[...]

6. O depoimento de policiais é elemento idôneo à formação da convicção do magistrado quando em conformidade com as demais provas dos autos ."

(STJ AgRg no AREsp 262.655 /SP 5ª T. Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze j. 06.06.2013 DJU 14.06.2013);

"HABEAS CORPUS. ATENTADO VIOLENTO AO PUDOR. EXAME DE CORPO DE DELITO. ART. 158 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. DESNECESSIDADE QUANDO PRESENTES PROVAS OUTRAS NOS AUTOS. DEPOIMENTO DA VÍTIMA. PRECEDENTES DO STJ E STF. ALEGADA NULIDADE INEXISTENTE. [...]. CORRUPÇÃO ATIVA. PRISÃO EM FLAGRANTE. PROVA. TESTEMUNHO DOS POLICIAIS OFENDIDOS. VALIDADE. CONSTRANGIMENTO ILEGAL. INOBSERVÂNCIA.

[...]

2. Ainda que assim não fosse, in casu, constata-se que o Juízo Singular, ao proferir a sentença, após proceder ao cotejo do contexto probatório, formou seu livre convencimento, concluindo pela existência de autoria e materialidade assestadas ao paciente, fundamentando o édito repressivo no depoimento dos policiais.

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3. Embora existam críticas acerca do valor das declarações prestadas pelo ofendido - no caso os policiais, representado o Estado Administrador/sujeito passivo do crime -, é certo que tal elemento de prova é admitido para embasar o édito condenatório, mormente em casos nos quais a conduta delituosa é praticada na clandestinidade, desde que sopesada a credibilidade do depoimento.

4. Nesse contexto, e com maior razão, esta Corte tem entendimento pacífico no sentido de que o depoimento de policiais constitui meio de prova idôneo a dar azo à condenação, principalmente quando corroborada em juízo .

5. Ordem denegada."

(STJ HC 177.980 /BA 5ª T. Rel. Min. Jorge Mussi j. 28.06.2011 DJU 01.08.2011);

"HABEAS CORPUS. PROCESSO PENAL. ARTS. 33, DA LEI N.º 11.343/06, 304 E 333, DO CÓDIGO PENAL. TESE DE FRAGILIDADE DA PROVA PARA SUSTENTAR A ACUSAÇÃO. VIA IMPRÓPRIA. NECESSIDADE DE EXAME APROFUNDADO DO CONJUNTO FÁTICO-PROBATÓRIO. DEPOIMENTO DE POLICIAIS. VALIDADE PROBATÓRIA. ILEGALIDADE DA DOSIMETRIA DAS PENAS. CONSTRANGIMENTO ILEGAL. INOCORRÊNCIA.

1. O exame da tese de fragilidade da prova para sustentar a condenação, por demandar, inevitavelmente, profundo reexame do material cognitivo produzido nos autos, não se coaduna com a via estreita do writ.

2. Os policiais não se encontram legalmente impedidos de depor sobre atos de ofício nos processos de cuja fase investigatória tenham participado, no exercício de suas funções, revestindo-se tais depoimentos de inquestionável eficácia probatória, sobretudo quando prestados em juízo, sob a garantia do contraditório . Precedentes desta Corte e do Supremo Tribunal Federal.

[...]"

(STJ HC 149.540 /SP 5ª T. Rel. Min. Laurita Vaz j. 12.04.2011

DJU 04.05.2011);

"HABEAS CORPUS. ROUBO CIRCUNSTANCIADO. PENA: 7 ANOS E 4 MESES DE RECLUSÃO E 17 DIAS-MULTA. VALIDADE DOS DEPOIMENTOS PRESTADOS, EM JUÍZO, POR POLICIAIS QUE EFETUARAM A PRISÃO. PRECEDENTES DESTE STJ. PRETENSÃO DE ABSOLVIÇÃO POR RECONHECIMENTO DE INSUBSISTÊNCIA DAS PROVAS DOS AUTOS. REVOLVIMENTO DE MATÉRIA FÁTICA. IMPOSSIBILIDADE. INADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA. ORDEM DENEGADA.

1. Conforme orientação há muito sedimentada nesta Corte Superior, são válidos os depoimentos dos policiais em juízo, mormente quando submetidos ao necessário contraditório e corroborados pelas demais provas colhidas e pelas circunstâncias em que ocorreu o delito , tal como se dá na espécie em exame.

[...]"

(STJ HC 156.586 /SP 5ª T. Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho j. 27.04.2010 DJU 24.05.2010).

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Especificamente quanto aos guardas civis, de regra municipais, insta uma análise mais voltada à situação que os envolve, haja vista algumas peculiaridades que lhes são únicas.

De início, como se sabe, os guardas municipais integram os quadros funcionais do Município, cujo desempenho básico é a defesa do patrimônio público municipal. Em uma atuação secundária, cabe aos guardas municipais a defesa da população local, compreendida na repressão de atos criminosos danosos aos cidadãos, até porque, caso assim não ajam, responderiam na forma do art. 13, § 2º, a, do Código Penal, por omissão imprópria, dado que têm o dever de agir, posto que a lei obriga o dever de cuidado, proteção e vigilância.

Além do que, a preservação da ordem pública é responsabilidade de todos, sendo conferido aos Órgãos de segurança o dever legal. Desta forma, é conferida à Guarda Municipal, sempre civil, a possibilidade de prender quem estiver em flagrante delito, bem como recolher todos os instrumentos utilizados na prática da infração penal, a fim de que melhor subsidie a apuração dos fatos, nisto incluída a revista pessoal.

Vasta é a jurisprudência nesse sentido, aqui a do Superior Tribunal de Justiça:

"HABEAS CORPUS" SUBSTITUTIVO DE RECURSO ORDINÁRIO. DESCABIMENTO. TRÁFICO DE DROGAS. ALEGAÇÃO DE CONSTRANGIMENTO ILEGAL. PRETENSÃO DE QUE SE RECONHEÇA NULIDADE NA PRISÃO EM FLAGRANTE. IMPOSSIBILIDADE. A PRESERVAÇÃO DA ORDEM PÚBLICA É RESPONSABILIDADE DE TODOS, SENDO DEVER DAQUELES QUE COMPÕEM A SEGURANÇA PÚBLICA. SUPERVENIÊNCIA DA CONVERSÃO EM PREVENTIVA. PREJUDICIALIDADE. PLEITO PELA REVOGAÇÃO DA PRISÃO PREVENTIVA. CIRCUNSTÂNCIAS AUTORIZADORAS PRESENTES. POSSE DE 12 PORÇÕES DE COCAÍNA. PRECEDENTES.

[...]

2. A Quinta Turma deste Sodalício assentou que pode a Guarda Municipal, inobstante sua atribuição constitucional (art. 144, § 8º, CF), bem como qualquer um do povo, prender aquele encontrado

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em flagrante delito (art. 301, CPP).

[...]"

(STJ HC XXXXX/SP 5ª Turma Rel. Min. Moura Ribeiro j. 27.05.2014 DJe 30.05.2014);

"RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. EMBRIAGUEZ AO VOLANTE (ARTIGO 306 DO CÓDIGO DE TRÂNSITO BRASILEIRO). ALEGADA NULIDADE DO AUTO DE PRISÃO. FLAGRANTE REALIZADO POR GUARDAS MUNICIPAIS. POSSIBILIDADE. INTELIGÊNCIA DO ARTIGO 301 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. MÁCULA INEXISTENTE.

1. Nos termos do artigo 301, do Código de Processo Penal, qualquer pessoa pode prender quem esteja em flagrante delito, razão pela qual não há qualquer óbice à realização do referido procedimento por guardas municipais, sendo certo, ainda, que a lei processual penal, em momento algum, exige que policiais civis ou militares sejam acionados para que dêem suporte ou apoio a quem esteja efetuando a prisão, como aventado na impetração. Precedentes.

[...]"

(STJ RHC XXXXX/SP 5ª Turma Rel. Min. Jorge Mussi j. 06.05.2014 DJe 14.05.2014);

"PENAL E PROCESSO PENAL. HABEAS CORPUS. ROUBO CIRCUNSTANCIADO. REVISTA FEITA POR GUARDA MUNICIPAL. NULIDADE. NÃO-OCORRÊNCIA. REGIME DE CUMPRIMENTO DE PENA. RÉU REINCIDENTE. PENA SUPERIOR A 4 ANOS. ART. 33, § 2º, A, DO CÓDIGO PENAL. REGIME INICIAL FECHADO. SÚMULA 269/STJ. INAPLICABILIDADE. ORDEM DENEGADA.

1. Embora exista norma constitucional (art. 144, § 8º, da CF) limitando a função da guarda municipal à proteção dos bens, serviços e instalações do município, não há nulidade na decisão impugnada, porquanto a lei processual penal, em seu art. 301 do CPP, disciplina que "qualquer do povo poderá e as autoridades policiais e seus agentes deverão prender quem quer que seja encontrado em flagrante delito".

[...]"

(STJ HC XXXXX/SP 5ª Turma Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima

j. 23.02.2010 DJe 22.03.2010).

Além do mais, recentemente foi sancionada a Lei n. 13.022/14,

que dispõe acerca do Estatuto Geral das Guardas Municipais. Referido diploma

legal institui normas gerais para as Guardas Municipais, disciplinando o art.

144, § 8º, da Constituição Federal. Segundo este dispositivo constitucional, as

Guardas Municipais devem ser disciplinadas por meio de lei. A Lei n. 13.022/14

constitui norma geral, aplicável a todas as leis municipais que tratarem sobre

suas respectivas guardas, posto que cada Município deve editar a sua própria

lei, adequando-se às disposições do Estatuto Geral das Guardas Municipais.

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A importância dessa Lei encontra-se no fato de que amplia a restrita interpretação que se havia do art. 144, § 8º, da Constituição Federal. Dispõe esta norma constitucional que"os Municípios poderão constituir guardas municipais destinadas à proteção de seus bens, serviços e instalações, conforme dispuser a lei". A interpretação restritiva encontra-se no fato de que as Guardas Municipais sempre tiveram um papel relacionado com a proteção do patrimônio municipal. A Lei n. 13.022/14 amplia a interpretação, estabelecendo que as Guardas Municipais podem colaborar com os demais Órgãos de segurança pública, no caso as Polícias Civil e Militar.

Isso se depreende das competências que a Lei confere às Guardas Municipais. O art. atribui a competência geral, qual seja, a proteção de bens, serviços, logradouros públicos municipais e instalações do Município, conforme já previsto na Constituição Federal. Por outro lado, o art. 5º adjudica as competências específicas. E é entre as competências específicas que podemos destacar que as Guardas Municipais não estão restritas à proteção do patrimônio municipal, mas também lhes são atribuídas funções de colaboração na apuração penal e defesa da paz social. Pode-se destacar, por exemplo, que são competências específicas das Guardas Municipais:

"Art. 5º [...]

IV - colaborar, de forma integrada com os órgãos de segurança pública, em ações conjuntas que contribuam com a paz social;

V - colaborar com a pacificação de conflitos que seus integrantes presenciarem, atentando para o respeito aos direitos fundamentais das pessoas;

XIV - encaminhar ao delegado de polícia, diante de flagrante delito, o autor da infração, preservando o local do crime, quando possível e sempre que necessário;

XIII - garantir o atendimento de ocorrências emergenciais, ou prestálo direta e imediatamente quando deparar-se com elas;

XVI - desenvolver ações de prevenção primária à violência, isoladamente ou em conjunto com os demais órgãos da própria municipalidade, de outros Municípios ou das esferas estadual e federal;

Parágrafo único. No exercício de suas competências, a guarda municipal poderá colaborar ou atuar conjuntamente com órgãos de segurança pública da União, dos Estados e do Distrito Federal ou de

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congêneres de Municípios vizinhos e, nas hipóteses previstas nos incisos XIII e XIV deste artigo, diante do comparecimento de órgão descrito nos incisos do caput do art. 144 da Constituição Federal, deverá a guarda municipal prestar todo o apoio à continuidade do atendimento."

Outrossim, não cabe qualquer alegação de inconstitucionalidade da Lei n. 13.022/14, por ter este diploma conferido poderes às Guardas Municipais de atuarem em prol da segurança pública. Em primeiro lugar, as Guardas Municipais integram o sistema de segurança pública do Estado, razão pela qual se encontram em um dos parágrafos do art. 144, da Constituição Federal. Em segundo lugar, a atuação das Guardas Municipais é sempre ligada às suas atribuições constitucionais (proteção do patrimônio municipal) ou, quando mais ampla, atuará em colaboração com os demais Órgãos de segurança pública (Polícias Civil ou Militar). Inclusive, é o que dispõe o art. 5º, IV e parágrafo único, da Lei. Por fim, as Guardas Municipais, quando no exercício da sua competência, deverão obedecer as competências dos Órgãos Federais e Estaduais, prestando o auxílio necessário para a elucidação dos fatos.

Pelo que se vê, as Guardas Municipais estão investidas na incumbência de garantia da paz social, atuando na prevenção da prática de delitos, podendo, inclusive, atuar de forma a impedir a sua ocorrência ou, no caso de flagrante, conferir meios para subsidiar a apuração do fato criminoso.

Por isso, força convir, os depoimentos dos agentes públicos, no caso, policiais militares, merecem total credibilidade e servem, perfeitamente, para supedâneo da prolação de sentença condenatória, depoimentos estes que, em Juízo, sintonizaram-se com os depoimentos prestados extrajudicialmente.

Em que pese tratar-se de caso limite, a conduta do réu Adilson Simplício extrapolou o âmbito de uma legítima defesa, não se podendo ainda falar, diante das peculiares circunstâncias do caso concreto, que inexistiu dolo

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na sua ação.

Uma conduta com essas características, praticada pelo réu Adilson Simplício, que expôs a perigo de vida terceiras pessoas, inclusive o policial militar que estava mantendo detido um infrator da lei, mostrou-se absolutamente desnecessária. De legítima defesa não se trata, pois o perigo a que expostas a pessoa, a integridade e o patrimônio do agente e de terceiros já estava cessado por completo (o roubador, depois de consumado o roubo, encontrava-se detido em poder da Polícia).

De outro giro, a legítima defesa e o estado de necessidade não se configuraram, tampouco o relevante perigo, atual e iminente, requisito essencial para o reconhecimento da circunstância excludente da antijuricidade.

Aliás, não é legítimo o argumento da situação de ameaça ou de estado de necessidade, uma vez que a norma veda ao cidadão a defesa pessoal e direta do seu direito, à exceção de algumas situações, porque o ato de fazer justiça diante de algum conflito é tarefa que incumbe exclusivamente ao Estado, em conformidade com as disposições legais.

Tal situação, à evidência, não se compatibiliza com os conceitos doutrinário e jurisprudencial do estado de necessidade. Por todos, as lições de Julio Fabbrini Mirabete , a saber:

"Para haver estado de necessidade é indispensável que o bem jurídico do sujeito esteja em perigo; que ele pratique o fato típico para evitar um mal que pode ocorrer se não o fizer. Esse mal pode ter sido provocado pela força da natureza, citando-se os exemplos da eliminação de um animal selvagem numa reserva florestal, a invasão de domicílio para escapar de um furacão ou uma inundação etc., ou por ação do homem, como nas hipóteses de invasão de domicílio para escapar de um sequestro, a destruição de uma coisa alheia para defender-se de agressão de terceiro etc.

É necessário que o sujeito atue para evitar um perigo atual, ou seja, que exista a probabilidade de dano, presente e imediata, ao bem jurídico. Não inclui a lei o perigo iminente, como o faz na legítima defesa, havendo divergência na doutrina a respeito do assunto. O

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perigo, contudo, é sempre uma situação de existência da probabilidade de dano imediato e, assim, abrange o que esta prestes a ocorrer. Não haverá estado de necessidade se a lesão somente é possível em futuro remoto ou se o perigo já esta conjurado.

Enfim, para o reconhecimento da excludente de estado de necessidade, que legitimaria a conduta do agente, é necessária a ocorrência de um perigo atual, e não um perigo eventual e abstrato.

É requisito, também, que o perigo seja inevitável, numa situação em que o agente não podia de outro modo, evitá-lo. Isso significa que a ação lesiva deva ser imprescindível, como único meio para afastar o perigo. Caso, nas circunstâncias do perigo, possa o agente utilizar-se de outro modo para evitá-lo (fuga, recurso às autoridades públicas etc.), não haverá estado de necessidade na conduta típica adotada pelo sujeito ativo que lesou o bem jurídico desnecessariamente. Não se pode confundir estado de necessidade com estado de precisão, sendo insuficiente, por exemplo, a alegação de dificuldades de ordem econômica para justificar o furto, o roubo, o estelionato etc. Já se tem decidido que dificuldades financeiras, desemprego, situação de penúria e doença não caracterizam o estado de necessidade. Para que a excludente seja acolhida, mister se torna que o agente não tenha outro meio a seu alcance, senão lesando o interesse de outrem. Também é indispensável para a configuração do estado de necessidade que o agente não tenha provocado o perigo por sua vontade. Inexistirá a excludente, por exemplo, quando aquele que incendiou o imóvel para receber o seguro, mata alguém para escapar do fogo.

[...]

Determina a lei que se deve verificar também se era ou não razoável exigir-se o sacrifício do bem ameaçado e que foi preservado pela conduta típica. O código brasileiro adotou a teoria unitária e não a teoria diferenciadora. Assim, há estado de necessidade não só no sacrifício de um bem menor para salvar um de maior valor, mas também no sacrifício de um bem de valor idêntico ao preservado, como no caso físico do homicídio praticado pelo náufrago para se apoderar da tábua de salvação. Não ocorrerá a justificativa se for de maior importância o bem lesado pelo agente. Pode-se destruir o patrimônio para preservar a vida; não se pode matar para garantir um bem patrimonial. A razoabilidade, todavia, é um conceito de valoração dos bens jurídicos que, muitas vezes, somente no caso concreto poderá ser aferida.

[...]

Sendo o estado de necessidade fato excludente de ilicitude, tem que ser provado para que possa ser acolhido e o ônus da prova, no transcorrer da ação penal, pertence ao réu que o alega."

(Manual de Direito Penal, Parte Geral, 24ª edição, revista e atualizada, Atlas, 2006).

Deste modo, não há que se falar que o crime foi praticado para

salvaguardar direito próprio ou alheio de perigo atual, inevitável e inafastável

por outros meios, o que ensejaria, em tese, a caracterização da alegada

excludente.

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Com algum esforço, poder-se-ia cogitar da ausência de dolo, admitindo que o réu, premido por um impulso e sob o domínio de violenta emoção, diante da prática do roubo ao seu estabelecimento comercial, teria se apoderado do objeto bélico para deter os roubadores ou recuperar os seus bens. Entretanto, a partir do momento em que agentes da Lei haviam dominado o roubador, a ação do réu Adilson Simplício ultrapassou toda e qualquer esfera de proporcionalidade. Portanto, deve-se condenar o acusado por porte ilegal de arma de fogo, revendo-se a absolvição proferida no Juízo de Origem.

Quanto ao réu Anderson Evangelista, é caso de manter a condenação. Não se discute que o réu possuía farta documentação relativa à arma de fogo apreendida, a qual estava registrada em seu nome. Entretanto, é notório que ele não poderia portar o referido objeto. Posse e porte são coisas distintas. Vale lembrar que ele não foi flagrado transportando a arma enquanto percorria o trajeto para o estande de tiro. Ao contrário, na melhor das hipóteses, transportou a arma da sua residência e a levou até o seu local de trabalho, para, somente mais tarde, noutras circunstâncias de tempo e lugar, dirigir-se ao referido local de treinamento. Contudo, de qualquer maneira, não tinha a documentação hábil para o porte da arma de fogo, conforme observou com bastante clareza o representante do Ministério Público:

"[...] Anderson, que declarou ser o proprietário da arma e fez acostar documentos que de fato demonstraram registro da arma em nome dele, também a portou e transportou sem autorização para porte. Assim agindo, ambos incorreram no art. 14 da Lei 10.826/03.

É certo que eles providenciaram a juntada aos autos da guia de tráfego da arma de fogo, emitida em 27 de março de 2012, portanto, após os fatos, em nome de Anderson Evangelista Marques da Silva, que autoriza o transporte da arma e munição apenas para as finalidades especificadas. Foi juntado também certificado de registro da arma de fogo, expedido pelo Exército Brasileiro, válido à época dos fatos (de 03/03/2010 a 31/12/2012) mas, conforme se depreende do próprio documento, ele não é válido como porte de arma de fogo (fls. 168/169).

Anderson portou a arma em desacordo com determinação legal ou regulamentar porque não se deslocava para competição ou treinamento em estande de tiro; transportou arma de fogo sem autorização ou licença para porte. Ele transportou arma desacompanhada de Guia de Tráfego Especial GTE, que não foi

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exibida à autoridade policial e é obrigatória para o deslocamento de atiradores, nos termos da Portaria 004-D LOG, de 08/03/2001 e Instrução Técnico Administrativa n. 06D/06-DFPC, de 23/04/2003.

Ao contrário, ele, de posse da arma, prestava serviços de segurança no mercado de Adilson e a deixou em local de fácil acesso a terceiras pessoas. Isso porque Adilson, logo que soube que tinha sido vítima de roubo, muniu-se da arma, mesmo sem licença para portá-la e se dirigiu ao local da abordagem e detenção dos supostos autores. [...]"(fls. 256).

As demais teses defensivas, em essência tendentes ao reconhecimento da atipicidade formal ou material da conduta, não comportam guarida.

Os crimes previstos na Lei de Armas (Lei n. 10.826/03) relacionam inúmeras condutas criminosas e reprováveis para fins penais, a saber: o art. 12, da Lei n. 10.826/03, relaciona a conduta de possuir ou manter sob sua guarda arma de fogo, acessório ou munição, de uso permitido, em desacordo com determinação legal ou regulamentar, no interior de sua residência ou dependência desta, ou, ainda no seu local de trabalho, desde que seja o titular ou o responsável legal do estabelecimento ou empresa; o art. 14,"caput", da Lei n. 10.826/03, relaciona as condutas de portar, deter, adquirir, fornecer, receber, ter em depósito, transportar, ceder, ainda que gratuitamente, emprestar, remeter, empregar, manter sob guarda ou ocultar arma de fogo, acessório ou munição de uso permitido; o art. 16,"caput", da Lei n. 10.826/03, relaciona as condutas de possuir, deter, portar, adquirir, fornecer, receber, ter em depósito, transportar, ceder, ainda que gratuitamente, emprestar, remeter, empregar, manter sob sua guarda ou ocultar arma de fogo, acessório ou munição de uso proibido ou restrito; o art. 16, parágrafo único, IV, da Lei n. 10.826/03, relaciona as condutas de portar, possuir, adquirir, transportar ou fornecer arma de fogo com numeração, marca ou qualquer outro sinal de identificação raspado, suprimido ou adulterado. Têm natureza, segundo a Doutrina e a Jurisprudência, de"crime de mera conduta e de perigo abstrato", a lei não exigindo qualquer outro requisito para a sua configuração.

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No presente caso, os réus portaram uma arma de fogo de uso

permitido, sem autorização e em desacordo com determinação legal ou

regulamentar, o que, por si só, configura uma das modalidades elencadas no

Estatuto do Desarmamento. Ademais, a Lei Especial não exige a necessidade

de nenhum outro comportamento ou requisito para a tipificação do crime

previsto no art. 14,"caput", da Lei n. 10.826/03, que é de mera conduta e de

perigo abstrato, o bem jurídico tutelado sendo a segurança pública e a paz

social, pouco importando estar ela municiada, desmuniciada ou ainda, as

munições estarem ineficazes. Portanto, a tese defensiva de atipicidade da

conduta não merece acolhida, até porque, como dito, o crime em tela é de

perigo abstrato.

Nesse sentido a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal e

a do Superior Tribunal de Justiça, a saber:

"HABEAS CORPUS. PORTE ILEGAL DE MUNIÇÃO. ALEGAÇÃO DE ATIPICIDADE. CRIME DE MERA CONDUTA . ORDEM DENEGADA. 1. O tipo penal do art. 14, da Lei n. 10.826/03, ao prever as condutas de portar, deter, adquirir, fornecer, receber, ter em depósito, transportar, ceder, ainda que gratuitamente, emprestar, remeter, empregar, manter sob guarda ou ocultar arma de fogo, acessório ou munição, de uso permitido, sem autorização e em desacordo com determinação legal e regulamentar, contempla crime de mera conduta, sendo suficiente a ação de portar ilegalmente a munição.

2. Objetiva-se, assim, antecipar a punição de fatos que apresentam potencial lesivo à população, prevenindo a prática de crimes. Precedentes.

3. Ordem denegada."

(STF HC XXXXX/BA 2ª T. Rel. Min. Teori Zavascki j. 26.11.2013 DJU 11.12.2013);

"HABEAS CORPUS. CONSTITUCIONAL. PENAL. PORTE DE ARMA DE FOGO COM NUMERAÇÃO RASPADA . ABOLITIO CRIMINIS TEMPORÁRIA. INOCORRÊNCIA. ARMA DESMUNICIADA. TIPICIDADE DA CONDUTA. ORDEM DENEGADA.

1. A conduta de posse de arma de fogo com numeração raspada não está abrangida pela vacatio legis prevista nos art. 30 a 32 da Lei 10.826/03. Precedentes.

2. Porte ilegal de arma de fogo de uso permitido é crime de mera conduta e de perigo abstrato . O objeto jurídico tutelado não é a incolumidade física, mas a segurança pública e a paz social, sendo irrelevante estar a arma de fogo desmuniciada.

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3. Ordem denegada."

(STF HC XXXXX/RJ 2ª T. Rel. Min. Cármen Lúcia j. 05.11.2013 DJE 20.11.2013);

"PENAL. RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. CRIME DE POSSE IRREGULAR DE ARMA DE FOGO (ART. 12 DA LEI Nº 10.826/2003). ARMA DESMUNICIADA. TIPICIDADE. CRIME DE MERA CONDUTA OU PERIGO ABSTRATO . PRECEDENTES. TUTELA DA SEGURANÇA PÚBLICA E DA PAZ SOCIAL. ABOLITIO CRIMINIS TEMPORÁRIA (ARTS. 30 E 32 DA LEI N. 10.826/03). NÃO INCIDÊNCIA. RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS DESPROVIDO.

1. A arma de fogo mercê de desmuniciada mas portada sem autorização e em desacordo com determinação legal ou regulamentar configura o delito de porte ilegal previsto no art. 10, caput, da Lei nº 9.437/1997, crime de mera conduta e de perigo abstrato .

2. Deveras, o delito de porte ilegal de arma de fogo tutela a segurança pública e a paz social, e não a incolumidade física, sendo irrelevante o fato de o armamento estar municiado ou não. Tanto é assim que a lei tipifica até mesmo o porte da munição, isoladamente. Precedentes: HC XXXXX/RS, rel. Min. Cármen Lúcia, 1ª Turma, DJ de 26/8/2010; HC XXXXX/RJ, rel. Min. Ricardo Lewandowski, 1ª Turma, Dje de 8/4/2010; RHC XXXXX/DF, rel. Min. Carlos Britto, 1ª Turma, DJe de 20/8/2009.

[...]

6. Recurso ordinário em habeas corpus desprovido."

(STF RHC XXXXX/SP 1ª T. Rel. Min. Luiz Fux j. 24.09.2013 DJE 16.10.2013);

"A HABEAS CORPUS. PORTE DE MUNIÇÃO DE ARMA DE FOGO DE USO PERMITIDO . ART. 14 DA LEI 10.826/2003. TIPICIDADE DA CONDUTA. CRIME DE PERIGO ABSTRATO. ORDEM DENEGADA. 1. O porte de munição de arma de fogo de uso permitido constitui crime de perigo abstrato, portanto irrelevante a presença da arma de fogo para sua tipificação (art. 14 da Lei 10.826/2003). Precedentes.

2. Habeas corpus denegado .Decisão. A Turma denegou a ordem de habeas corpus, nos termos do voto da Relatora. Unânime."

(STF HC XXXXX/MS 1ª T. Rel. Min. Rosa Weber j. 10.09.2013 DJU 24.09.2013);

"PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. PORTE ILEGAL DE ARMA DE FOGO DE USO PERMITIDO. ART. 14 DA LEI N. 10.826/03. CRIME DE PERIGO ABSTRATO .

O crime de porte ilegal de arma de fogo de uso permitido tipificado no art. 14 da Lei n. 10.826/03 é de perigo abstrato ou de mera conduta , e visa proteger a segurança pública e paz social. Sendo assim, é irrelevante a comprovação do efetivo potencial lesivo da arma, uma vez que o delito se configura com o simples porte em desacordo com a legislação (precedentes).

Agravo regimental desprovido."

(STJ AgRg no REsp XXXXX/MG 5ª T. Rel. Min. Felix Fischer

j. 03.03.2015 DJE 12.03.2015);

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"AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. PORTE ILEGAL DE ARMA DE FOGO DE USO PERMITIDO. ARTIGO 14 DA LEI N. 10.826/03. ABSOLVIÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. ARMA DESMUNICIADA. DELITO DE PERIGO ABSTRATO . CONDENAÇÃO MANTIDA. AGRAVO NÃO PROVIDO.

1. É pacífico, no âmbito desta Corte Superior, o entendimento de que, para a configuração do tipo penal de porte ilegal de arma de fogo, é irrelevante o fato de a arma estar desmuniciada, visto se tratar de delito de mera conduta ou de perigo abstrato .

2. Agravo regimental improvido."

(STJ AgRg no AREsp XXXXX/RO 6ª T. Rel. Min. Nefi Cordeiro

j. 03.02.2015 DJE 13.02.2015);

"HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO PRÓPRIO. DESCABIMENTO. POSSE ILEGAL DE MUNIÇÃO DE USO RESTRITO. ART. 16 DA LEI 10.826/2003 . ALEGADA AUSÊNCIA DE POTENCIALIDADE LESIVA. ABSOLVIÇÃO. INADMISSIBILIDADE. CRIME DE PERIGO ABSTRATO. TIPICIDADE DA CONDUTA. INEXISTÊNCIA DE CONSTRANGIMENTO ILEGAL. HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDO.

- Este Superior Tribunal de Justiça, na esteira do entendimento firmado pelo Supremo Tribunal Federal, tem amoldado o cabimento do remédio heróico, adotando orientação no sentido de não mais admitir habeas corpus substitutivo de recurso ordinário/especial. Contudo, a luz dos princípios constitucionais, sobretudo o do devido processo legal e da ampla defesa, tem-se analisado as questões suscitadas na exordial a fim de se verificar a existência de constrangimento ilegal para, se for o caso, deferir-se a ordem de ofício.

- A jurisprudência desta Corte Superior é pacífica no sentido de que o crime descrito no art. 16 da Lei 10.826/2003 é de mera conduta e de perigo abstrato, cujo bem jurídico tutelado é a segurança pública e a paz social, sendo, portanto, irrelevante que a munição esteja desacompanhada da respectiva arma . Habeas corpus não conhecido."

(STJ HC XXXXX/MG 6ª T. Rel. Min. Marilza Maynard j. 20.03.2014 DJU 10.04.2014);

"HABEAS CORPUS. PENAL. POSSE ILEGAL DE MUNIÇÕES DE USO PROIBIDO. ALEGADA ATIPICIDADE DA CONDUTA. NÃO OCORRÊNCIA. CRIME DE PERIGO ABSTRATO . ABOLITIO CRIMINIS TEMPORÁRIA NÃO ESTENDIDA AO PORTE, NEM À POSSE DE ARMA OU DE MUNIÇÃO DE USO RESTRITO. ORDEM DE HABEAS CORPUS DENEGADA.

1. A conduta relativa à posse ilegal de munições de uso proibido, praticada em 13 de novembro de 2009, subsume-se, em tese, ao crime previsto no art. 16, caput, do Estatuto do Desarmamento.

2. O crime previsto no art. 16, caput, da Lei n.º 10.826/2003 é um tipo penal alternativo que prevê quatorze condutas diferentes, de mera conduta e de perigo abstrato, não exigindo, assim, a ocorrência de nenhum resultado naturalístico para a sua consumação.

3. O caso em comento não foi abarcado pela denominada abolitio

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criminis temporária, prevista nos arts. 30, 31 e 32 da Lei 10.826/03, tendo em vista que a nova redação dada aos dispositivos legais pela Medida Provisória n.º 417, convertida na Lei n.º 11.706/2008, prorrogando o prazo para a regularização de armas de fogo de uso permitido, não contemplou as armas ou munições de uso restrito, como no caso dos autos.

4. Ordem de habeas corpus denegada."

(STJ HC XXXXX/SC 5ª T. Rel. Min. Laurita Vaz j. 08.10.2013

DJU 16.10.2013).

Assim, restou comprovado nos autos que os réus portaram a arma de fogo descrita na denúncia, em desacordo com determinação legal ou regulamentar.

De mais a mais, não há falar-se em inconstitucionalidade dos crimes de perigo abstrato.

Inicialmente, não desconheço a discussão que circunda os chamados" crimes de perigo abstrato ", em realidade de profunda densidade jurídica e que se encontra longe de uma solução consensual aceitável pela Doutrina, sendo, portanto, bastante polêmica, afinal tal debate envolve incertezas tanto no que se refere ao próprio conceito de" bem jurídico ", ainda impreciso no campo político-criminal (embora muito estudado), quanto no que concerne ao conceito doutrinário relativo aos crimes de perigo abstrato, que também não é uníssono.

Assim, a par da dificuldade acadêmico-doutrinária que se reflete, diariamente, nas decisões judiciais, ora se valendo de estudos doutrinários no sentido da inconstitucionalidade dos crimes de perigo abstrato (sob o viés do crescimento legislativo em formular tipos penais dessa natureza), ora valendo-se de estudos doutrinários no sentido da sua constitucionalidade (sob o viés de que a sua existência vem para proteger o cidadão), a análise neste Voto cingir-se-á em analisar, tecnicamente, com base na Doutrina e no entendimento do Supremo Tribunal Federal, os aspectos que me levam, hoje e sempre, a entender pela constitucionalidade dos crimes de perigo abstrato,

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especialmente aqueles previstos na Lei n. 10.826/03.

O fato é que, no meu sentir, foram por razões de política criminal que o legislador passou a prever, no Código Penal e em Leis Especiais, condutas cujo aperfeiçoamento se dá com a mera ocorrência do comportamento típico, independentemente da efetiva produção de risco ou dano dele decorrente (crimes de perigo abstrato). Por sinal, segundo relembra Bernardo J. Feijó Sánchez , à luz da doutrina alienígena, essa opção legislativa decorreu da percepção de que os delitos de perigo abstrato são:

"[...] aquellos en los que el legislador decide centralizar los riesgos y declarar como típicas conductas que estadísticamente o de forma general se muestran como peligrosas, sin exigir el tipo ninguna constatación de su peligrosidad o de su idoneidad para lesionar en el caso concreto. La conducta es descrita como peligrosa ex re o per se porque es general o estadísticamente adecuada para producir lesiones."

(Cuestiones básicas de los delitos de peligro abstracto y concreto en relación con el tránsito, Revista da AJURIS, ano XXVI, n. 78, 2000).

Ou, nas lições de Pierpaolo Cruz Bottini :

" Os tipos penais de perigo abstrato num sistema penal funcionalista moderado devem ser avaliados sob uma perspectiva teleológica, que direciona toda a política criminal e define o conteúdo dos institutos dogmáticos do sistema penal. "

(Crimes de perigo abstrato, 3ª edição, Revista dos Tribunais, São Paulo, 2013).

Então.

Segundo penso, o crime de que se está a tratar é um claro exemplo de dogmática penal direcionada a atender a uma política criminal de maior controle sobre um subsistema social (segurança pública), cada vez mais problemático em uma sociedade que ostenta índices alarmantes de violência. Aliás, o crime previsto no art. 14,"caput", da Lei de Armas, é de extrema gravidade, sendo gerador de inúmeros outros crimes, tais como: roubos,

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homicídios, latrocínios, etc., praticados por aqueles que têm posse ou porte de armas, munições e acessórios, quer legais ou ilegais, tudo a reforçar este primeiro ponto. Até porque, se levássemos ao extremo de querer descriminalizar todas as condutas tidas de" perigo abstrato ", cairíamos no contrassenso de descriminalizar (pela declaração da inconstitucionalidade dos crimes de perigo abstrato), também, o crime de tráfico de drogas!

No duro, a tipificação de condutas que geram perigo abstrato, muitas vezes, acaba sendo a melhor alternativa ou a medida mais eficaz para a proteção de bens jurídicos supraindividuais ou de caráter coletivo, os quais são extremamente importantes e que devem, sem dúvida nenhuma, ter tratamento diferenciado pelo legislador ordinário, como, por exemplo, o meio ambiente, a saúde, dentre outros. Portanto, pode o legislador, dentro de suas amplas margens de avaliação e de decisão, definir quais as medidas mais adequadas e necessárias para a efetiva proteção de determinado bem jurídico, o que lhe permite escolher espécies de tipificação próprias de um direito penal preventivo.

Afinal," in casu ", o potencial lesivo dos armamentos, a violência latente nas armas de fogo e as estatísticas de violação à vida com tais instrumentos tornam a questão da regulação tema prioritário a se tratar pelo Estado. Por ter a já referida finalidade exclusiva de gerar violência, a questão não pode ser vista de modo dissonante da realidade, tampouco com vistas a se reconhecer a inconstitucionalidade do dispositivo.

Por derradeiro, com o escopo de condensar muito do que se expôs sinteticamente acima, trago à colação o brilhante Voto, uma verdadeira aula, do Min. Gilmar Mendes , que no julgamento do HC n. 104.410, trouxe inúmeras considerações sobre o crime de perigo abstrato, a sua constitucionalidade, inexistência de violação ao princípio da lesividade, análise à luz do princípio da proporcionalidade (especialmente em se tratando de

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crimes previstos na Lei de Armas) e noções sobre o controle de

(in) constitucionalidade da Lei Penal, a saber:

" 2. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal sobre a matéria As opiniões dividem-se em duas correntes básicas.

Alguns entendem que o crime de porte de arma de fogo constitui delito de perigo abstrato e, portanto, a incidência da norma penal independe de a arma estar ou não municiada.

Outros são contundentes ao defender, com base no princípio da lesividade, que o fato de a arma estar desmuniciada não constitui suporte para o tipo do crime de porte ilegal de arma de fogo, visto que, nesse caso, não haveria a ofensividade necessária ao preenchimento do tipo em seu aspecto material.

O tema foi objeto de apreciação pela Primeira Turma desta Corte, tendo como base o art. 10 da Lei 9.437/1997.

No julgamento do RHC XXXXX/SP, Rel. Orig. Min. Ellen Gracie, Red. p/ o acórdão Min. Sepúlveda Pertence (DJ 29.4.2005), a jurisprudência da Primeira Turma firmou-se no sentido de que ' configura fato atípico o porte de arma desmuniciada e sem que o agente tenha a pronta disponibilidade da munição '.

O Ministro Sepúlveda Pertence concluiu, em seu voto condutor, que:

(1) 'se o agente traz consigo a arma desmuniciada, mas tem a munição adequada à mão, de modo a viabilizar sem demora significativa o municiamento e, em conseqüência, o eventual disparo, tem-se arma disponível e o fato realiza o tipo';

(2) 'ao contrário, se a munição não existe ou está em lugar inacessível de imediato, não há a imprescindível disponibilidade da arma de fogo, como tal isto é, como artefato idôneo a produzir disparo e, por isso, não se realiza a figura típica'.

A ementa do acórdão bem resume as conclusões a que chegaram os Ministros no julgamento em referência:

'Arma de fogo: porte consigo de arma de fogo, no entanto, desmuniciada e sem que o agente tivesse, nas circunstâncias, a pronta disponibilidade de munição: inteligência do art. 10 da L. 9437/97: atipicidade do fato:

1. Para a teoria moderna que dá realce primacial aos princípios da necessidade da incriminação e da lesividade do fato criminoso o cuidar-se de crime de mera conduta no sentido de não se exigir à sua configuração um resultado material exterior à ação - não implica admitir sua existência independentemente de lesão efetiva ou potencial ao bem jurídico tutelado pela incriminação da hipótese de fato.

2. É raciocínio que se funda em axiomas da moderna teoria geral do Direito Penal; para o seu acolhimento, convém frisar, não é necessário, de logo, acatar a tese mais radical que erige a exigência da ofensividade a limitação de raiz constitucional ao legislador, de forma a proscrever a legitimidade da criação por lei de crimes de perigo abstrato ou presumido: basta, por ora, aceitá-los como princípios gerais contemporâneos da interpretação da lei penal, que hão de prevalecer sempre que a regra incriminadora os comporte.

3. Na figura criminal cogitada, os princípios bastam, de logo, para elidir a incriminação do porte da arma de fogo inidônea para a produção de disparos: aqui, falta à incriminação da

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conduta o objeto material do tipo.

4. Não importa que a arma verdadeira, mas incapaz de disparar, ou a arma de brinquedo possam servir de instrumento de intimidação para a prática de outros crimes, particularmente, os comissíveis mediante ameaça pois é certo que, como tal, também se podem utilizar outros objetos da faca à pedra e ao caco de vidro -, cujo porte não constitui crime autônomo e cuja utilização não se erigiu em causa especial de aumento de pena. 5. No porte de arma de fogo desmuniciada, é preciso distinguir duas situações, à luz do princípio de disponibilidade:

(1) se o agente traz consigo a arma desmuniciada, mas tem a munição adequada à mão, de modo a viabilizar sem demora significativa o municiamento e, em consequência, o eventual disparo, tem-se arma disponível e o fato realiza o tipo;

(2) ao contrário, se a munição não existe ou está em lugar inacessível de imediato, não há a imprescindível disponibilidade da arma de fogo, como tal isto é, como artefato idôneo a produzir disparo e, por isso, não se realiza a figura típica'.

Como se vê, nesse julgamento foram amplamente debatidas as teorias modernas a respeito do princípio da lesividade, a exigir, para a configuração do fato típico, a efetiva ou a potencial lesão ao bem jurídico penal tutelado, assim como, no caso específico do porte ilegal de arma, a distinção entre ofensividade e poder de intimidação. Deixouse consignado, tal como delineado no voto do Ministro Sepúlveda Pertence, que esses princípios lesividade e ofensividade , como princípios gerais de interpretação da lei penal, 'hão de prevalecer sempre que a regra incriminadora os comporte'.

De outro norte, alinhando-se à tese de que ' o crime de porte de arma de fogo constitui delito de perigo abstrato, consumando-se independentemente da ocorrência de efetivo prejuízo à sociedade, pois o dano é presumido pelo tipo penal ', tem-se os seguintes precedentes: HC 104.206, rel. Min. Cármen Lúcia; e RHC 91.553, rel. Min. Ayres Britto.

3. Princípio da Ofensividade como Vetor Interpretativo e de Aplicação da Lei Penal

Não tenho dúvida de que o princípio da ofensividade vincula toda a atividade de interpretação da lei penal. E, com mais razão, deve orientar a própria aplicação da lei penal.

Ipso facto, deverá o juiz, diante das circunstâncias específicas do caso concreto que lhe foi posto para julgamento, aferir o grau de potencial ou efetiva lesão ao bem jurídico protegido pela norma penal, para só então ferir a tipicidade (material) da conduta supostamente criminosa. A simples adequação formal fato/norma não é suficiente para qualificar como delituosa a conduta do agente.

Não tenho a intenção de repisar todos os argumentos que já foram objeto dos votos dos eminentes Ministros desta Corte. Não obstante, creio que o Tribunal pode evoluir nessa fundamentação, para consagrar o princípio da lesividade, intrinsecamente conectado com o princípio da proporcionalidade, como limite não apenas à atividade judicial de interpretação/aplicação das normas penais, mas também à própria atividade legislativa de criação/conformação dos tipos legais incriminadores, o que estaria a possibilitar o exercício da fiscalização, por parte da Jurisdição Constitucional, da constitucionalidade das leis em matéria penal.

Consolidar essa linha de argumentação será o intento primordial das

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análises seguintes.

4. Controle de constitucionalidade de leis penais

4.1. Mandatos Constitucionais de Criminalização: as margens de ação conferidas constitucionalmente ao legislador em matéria penal e sua limitação pelo princípio da proporcionalidade como proibição de excesso (Übermassverbot) e proibição de proteção deficiente (Untermassverbot)

A Constituição de 1988 contém um significativo elenco de normas que, em princípio, não outorgam direitos, mas que, antes, determinam a criminalização de condutas.

Mencionem-se, a propósito, as seguintes disposições constantes do art. 5º:

'XLI - a lei punirá qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais;

XLII - a prática do racismo constitui crime inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de reclusão, nos termos da lei;

XLIII - a lei considerará crimes inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia a prática da tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os definidos como crimes hediondos, por eles respondendo os mandantes, os executores e os que, podendo evitá-los, se omitirem;

XLIV - constitui crime inafiançável e imprescritível a ação de grupos armados, civis ou militares, contra a ordem constitucional e o Estado Democrático;'.

Também o art. 7º, inciso X, contempla norma clara a propósito: 'Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:

(...)

X - proteção do salário na forma da lei, constituindo crime sua retenção dolosa'.

Em sentido idêntico dispõe o art. 227, § 4º, da Constituição:

'Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocálos a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

(...)

§ 4º. A lei punirá severamente o abuso, a violência e a exploração sexual da criança e do adolescente.'

Também o art. 225, § 3º, dispõe de forma semelhante:

'Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para presentes e futuras gerações.

(...)

§ 3º. As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados'.

Em todas essas normas é possível identificar um mandato de criminalização expresso, tendo em vista os bens e valores envolvidos. Em verdade, tais disposições traduzem uma outra dimensão dos direitos fundamentais, decorrente de sua feição objetiva na ordem

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constitucional.

Tal concepção legitima a ideia de que o Estado se obriga não apenas a observar os direitos de qualquer indivíduo em face das investidas do Poder Público (direito fundamental enquanto direito de proteção ou de defesa Abwehrrecht), mas também a garantir os direitos fundamentais contra agressão propiciada por terceiros (Schutzpflicht des Staats).

A forma como esse dever será satisfeito constitui, muitas vezes, tarefa dos órgãos estatais, que dispõem de alguma liberdade de conformação. Não raras vezes, a ordem constitucional identifica o dever de proteção e define a forma de sua realização.

A jurisprudência da Corte Constitucional alemã acabou por consolidar entendimento no sentido de que do significado objetivo dos direitos fundamentais resulta o dever do Estado não apenas de se abster de intervir no âmbito de proteção desses direitos, mas também de proteger tais direitos contra a agressão ensejada por atos de terceiros. Essa interpretação da Corte Constitucional empresta, sem dúvida, uma nova dimensão aos direitos fundamentais, fazendo com que o Estado evolua da posição de "adversário" para uma função de guardião desses direitos.

É fácil ver que a ideia de um dever genérico de proteção fundado nos direitos fundamentais relativiza sobremaneira a separação entre a ordem constitucional e a ordem legal, permitindo que se reconheça uma irradiação dos efeitos desses direitos sobre toda a ordem jurídica. Assim, ainda que não se reconheça, em todos os casos, uma pretensão subjetiva contra o Estado, tem-se, inequivocamente, a identificação de um dever deste de tomar todas as providências necessárias para a realização ou concretização dos direitos fundamentais.

Os direitos fundamentais não podem ser considerados apenas como proibições de intervenção (Eingriffsverbote), expressando também um postulado de proteção (Schutzgebote). Utilizando-se da expressão de Canaris, pode-se dizer que os direitos fundamentais expressam não apenas uma proibição do excesso (Übermassverbote), como também podem ser traduzidos como proibições de proteção insuficiente ou imperativos de tutela (Untermassverbote).

Nos termos da doutrina e com base na jurisprudência da Corte Constitucional alemã, pode-se estabelecer a seguinte classificação do dever de proteção:

a) dever de proibição (Verbotspflicht), consistente no dever de se proibir uma determinada conduta;

b) dever de segurança (Sicherheitspflicht), que impõe ao Estado o dever de proteger o indivíduo contra ataques de terceiros mediante a adoção de medidas diversas;

c) dever de evitar riscos (Risikopflicht), que autoriza o Estado a atuar com o objetivo de evitar riscos para o cidadão em geral mediante a adoção de medidas de proteção ou de prevenção especialmente em relação ao desenvolvimento técnico ou tecnológico.

Discutiu-se intensamente se haveria um direito subjetivo à observância do dever de proteção ou, em outros termos, se haveria um direito fundamental à proteção. A Corte Constitucional acabou por reconhecer esse direito, enfatizando que a não observância de um dever de proteção corresponde a uma lesão do direito fundamental previsto no art. 2, II, da Lei Fundamental.

Assim, as normas constitucionais brasileiras referidas explicitam o

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dever de proteção identificado pelo constituinte e traduzido em mandatos de criminalização expressos dirigidos ao legislador.

Como bem anota Luciano Feldens, os mandatos constitucionais de criminalização atuam como limitações à liberdade de configuração do legislador penal e impõem a instituição de um sistema de proteção por meio de normas penais.

Registre-se que os mandatos de criminalização expressos não são uma singularidade da Constituição brasileira. Outras Constituições adotam orientações assemelhadas (Cf. Constituição espanhola, art. 45, 1, 2 e 3; art. 46, 'c', e art. 55; Constituição italiana, art. 13; Constituição da França, art. 68; Lei Fundamental da Alemanha, art. 26, I).

É inequívoco, porém, que a Constituição brasileira de 1988 adotou, muito provavelmente, um dos mais amplos, senão o mais amplo 'catálogo' de mandatos de criminalização expressos de que se tem notícia.

Ao lado dessa ideia de mandatos de criminalização expressos, convém observar que configura prática corriqueira na ordem jurídica a concretização de deveres de proteção mediante a criminalização de condutas.

Outras vezes cogita-se mesmo de mandatos de criminalização implícitos, tendo em vista uma ordem de valores estabelecida pela Constituição. Assim, levando-se em conta o dever de proteção e a proibição de uma proteção deficiente ou insuficiente (Untermassverbot), cumpriria ao legislador estatuir o sistema de proteção constitucional-penal adequado.

Em muitos casos, a eleição da norma penal pode conter-se no âmbito daquilo que se costuma chamar de discrição legislativa, tendo em vista desenvolvimentos históricos, circunstâncias específicas ou opções ligadas a um certo experimentalismo institucional. A ordem constitucional confere ao legislador margens de ação para decidir quais medidas devem ser adotadas para a proteção penal eficiente dos bens jurídicos fundamentais. É certo, por outro lado, que a atuação do legislador sempre estará limitada pelo princípio da proporcionalidade.

Assim, na dogmática alemã, é conhecida a diferenciação entre o princípio da proporcionalidade como proibição de excesso (Übermassverbot) e como proibição de proteção deficiente (Untermassverbot). No primeiro caso, o princípio da proporcionalidade funciona como parâmetro de aferição da constitucionalidade das intervenções nos direitos fundamentais como proibições de intervenção. No segundo, a consideração dos direitos fundamentais como imperativos de tutela (Canaris) imprime ao princípio da proporcionalidade uma estrutura diferenciada. O ato não será adequado caso não proteja o direito fundamental de maneira ótima; não será necessário na hipótese de existirem medidas alternativas que favoreçam ainda mais a realização do direito fundamental; e violará o subprincípio da proporcionalidade em sentido estrito se o grau de satisfação do fim legislativo for inferior ao grau em que não se realiza o direito fundamental de proteção.

Na jurisprudência do Tribunal Constitucional alemão, a utilização do princípio da proporcionalidade como proibição de proteção deficiente pode ser observada na segunda decisão sobre o aborto (BverfGE 88, 203 1993). O Bundesverfassungsgericht assim se pronunciou:

'O Estado, para cumprir com seu dever de proteção, deve empregar medidas suficientes de caráter normativo e material,

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que levem a alcançar atendendo à contraposição de bens jurídicos a uma proteção adequada, e como tal, efetiva (proibição de insuficiência).

(…)

É tarefa do legislador determinar, detalhadamente, o tipo e a extensão da proteção. A Constituição fixa a proteção como meta, não detalhando, porém, sua configuração. No entanto, o legislador deve observar a proibição de insuficiência (…). Considerando-se bens jurídicos contrapostos, necessária se faz uma proteção adequada. Decisivo é que a proteção seja eficiente como tal. As medidas tomadas pelo legislador devem ser suficientes para uma proteção adequada e eficiente e, além disso, basear-se em cuidadosas averiguações de fatos e avaliações racionalmente sustentáveis (…)'.

Os mandatos constitucionais de criminalização, portanto, impõem ao legislador, para o seu devido cumprimento, o dever de observância do princípio da proporcionalidade como proibição de excesso e como proibição de proteção insuficiente. A ideia é a de que a intervenção estatal por meio do Direito Penal, como ultima ratio, deve ser sempre guiada pelo princípio da proporcionalidade.

A reserva de lei penal configura-se como reserva legal proporcional (Vorbehalt des verhältnismässigen Gesetzes): a proibição de excesso (Übermassverbot) funciona como limite máximo, e a proibição de proteção insuficiente, (Untermassverbot) como limite mínimo da intervenção legislativa penal.

Abre-se, com isso, a possibilidade do controle da constitucionalidade da atividade legislativa em matéria penal.

Se é certo, por um lado, que a Constituição confere ao legislador uma margem discricionária de avaliação, valoração e conformação quanto às medidas eficazes e suficientes para a proteção do bem jurídico penal, e, por outro, que a mesma Constituição também impõe ao legislador os limites do dever de respeito ao princípio da proporcionalidade, é possível concluir pela viabilidade da fiscalização judicial da constitucionalidade dessa atividade legislativa. O Tribunal está incumbido de examinar se o legislador considerou suficientemente os fatos e prognoses e se utilizou de sua margem de ação de forma adequada para a proteção suficiente dos bens jurídicos fundamentais.

Esses argumentos serão analisados no tópico seguinte.

4.2. Modelo exigente de controle de constitucionalidade das leis em matéria penal, baseado em níveis de intensidade

O Direito Penal é certamente o instrumento mais contundente de que se vale o Estado para disciplinar a conduta dos indivíduos.

Na medida em que a pena constitui a forma de intervenção estatal mais severa no âmbito de liberdade individual, e que, portanto, o Direito Penal e o Processual Penal devem revestir-se de maiores garantias materiais e processuais, o controle de constitucionalidade em matéria penal deve ser realizado de forma ainda mais rigorosa do que aquele destinado a averiguar a legitimidade constitucional de outros tipos de intervenção legislativa em direitos fundamentais dotados de menor potencial ofensivo.

Em outros termos, se a atividade legislativa de definição de tipos e cominação de penas constitui, prima facie, uma intervenção de alta intensidade em direitos fundamentais, a fiscalização jurisdicional da adequação constitucional dessa atividade deve ser tanto mais exigente e rigorosa por parte do órgão que tem em seu encargo o controle da

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constitucionalidade das leis.

Esse entendimento pode ser traduzido segundo o postulado do princípio da proporcionalidade em sentido estrito, o qual, como ensina Alexy, 'pode ser formulado como uma lei de ponderação cuja fórmula mais simples voltada para os direitos fundamentais diz: quanto mais intensa se revelar a intervenção em um dado direito fundamental, maiores hão de se revelar os fundamentos justificadores dessa intervenção'.

A tarefa do Tribunal Constitucional é, portanto, a de fiscalizar a legitimidade constitucional da atividade legislativa em matéria penal, lastreado pelo princípio da proporcionalidade, seguindo, dessa forma, a máxima: quanto mais intensa seja a intervenção legislativa penal em um direito fundamental, mais intenso deve ser o controle de sua constitucionalidade realizado pelo Tribunal Constitucional.

Essas são as premissas para a construção de um modelo exigente de controle de constitucionalidade das leis em matéria penal, baseado em níveis de intensidade.

Podem ser distinguidos 3 (três) níveis ou graus de intensidade do controle de constitucionalidade de leis penais, consoante as diretrizes elaboradas pela doutrina e jurisprudência constitucional alemã.

Na famosa decisão (Urteil) Mitbestimmungsgesetz, do Primeiro Senado, de 1º de março de 1979, prolatada na audiência de 28, 29 e 30 de novembro e 1º de dezembro de 1978 BVerfGE 50, 290 , o Tribunal Constitucional alemão distinguiu os seguintes graus de intensidade do controle de constitucionalidade das leis: a) controle de evidência (Evidenzkontrolle); b) controle de sustentabilidade ou justificabilidade (Vertretbarkeitskontrolle); c) controle material de intensidade (intensivierten inhaltlichen Kontrolle).

No primeiro nível, o controle de constitucionalidade realizado pelo Tribunal deve reconhecer ao legislador uma ampla margem de avaliação, valoração e conformação quanto às medidas eficazes e suficientes para a proteção do bem jurídico. A norma somente poderá ser declarada inconstitucional quando as medidas adotadas pelo legislador são visivelmente inidôneas para a efetiva proteção desse bem jurídico.

O Tribunal deixa ressaltado, não obstante, que 'a observância da margem de configuração do legislador não pode levar a uma redução do que, a despeito de quaisquer transformações, a Constituição pretende garantir de maneira imutável, ou seja, ela não pode levar a uma redução das liberdades individuais que são garantidas nos direitos fundamentais individuais, sem as quais uma vida com dignidade humana não é possível, segundo a concepção da 'Grundgesetz'' (BVerfGE 50, 290).

Assim, conclui o Tribunal que 'a tarefa (do controle de constitucionalidade) consiste, portanto, em unir a liberdade fundamental própria da configuração político-econômica e políticosocial' ou político-criminal, se quisermos contextualizar essa afirmação 'que devem permanecer reservadas ao legislador, com a proteção da liberdade, à qual o indivíduo tem direito justamente também em face do legislador' (BVerfGE 50, 290).

Esse controle de evidência foi delineado também na decisão BVerfGE 77,170 (Lagerung Chemischer Waffen), na qual o Tribunal deixou assentado o seguinte entendimento:

'Para o cumprimento dos deveres de tutela (Schutzpflichten) derivados do Art. 2, II, 1 GG, cabe ao Legislativo, assim como ao Executivo, uma ampla margem de avaliação, valoração e

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conformação (poder discricionário), que também deixa espaço para, por exemplo, dar atenção a interesses públicos e privados concorrentes.

Essa ampla liberdade de conformação pode ser controlada pelos tribunais tão somente de maneira restrita, dependendo da peculiaridade da matéria em questão, das possibilidades de formação de um juízo suficientemente seguro e do significado dos bens jurídicos em jogo'.

Assim, o Tribunal fixou o entendimento de que a admissão de uma reclamação constitucional (Verfassungsbeschwerde) pressupõe a demonstração, 'de maneira concludente, que o Poder Público não adotou quaisquer medidas preventivas de proteção, ou que evidentemente as regulamentações e medidas adotadas são totalmente inadequadas ou completamente insuficientes para o alcance do objetivo de proteção'.

Assim, um controle de evidência em matéria penal será exercido pelo Tribunal com observância da ampla margem de avaliação, valoração e conformação conferida constitucionalmente ao legislador quanto à adoção das medidas mais adequadas para a proteção do bem jurídico penal. Uma eventual declaração de inconstitucionalidade deve basearse na patente inidoneidade das medidas escolhidas pelo legislador para os objetivos perseguidos pela política criminal.

No segundo nível, o controle de sustentabilidade ou de justificabilidade (Vertretbarkeitskontrolle) está orientado a verificar se a decisão legislativa foi tomada após uma apreciação objetiva e justificável de todas as fontes de conhecimento disponíveis no momento da promulgação da lei (BVerfGE 50, 290).

Também na decisão Mühlenstrukturgesetz (BVerfGE 39, 210), o Tribunal Constitucional alemão fixou esse entendimento, nos seguintes termos:

'O exame de constitucionalidade compreende primeiramente a verificação de se o legislador buscou inteirar-se, correta e suficientemente, da situação fática existente à época da promulgação da lei. O legislador tem uma ampla margem de avaliação (discricionariedade) na avaliação dos perigos que ameaçam a coletividade. Mesmo quando, no momento da atividade legislativa, parece remota a possibilidade da ocorrência de perigos para um bem coletivo, não é defeso ao legislador que tome medidas preventivas tempestivamente, contanto que suas concepções sobre o possível desenvolvimento perigoso no caso de sua omissão, não se choquem de tal sorte com as leis da ciência econômica ou da experiência prática, que elas não possam mais representar uma base racional para as medidas legislativas [BVerfGE 25, 1 (17); 38, 61 (87)]. Nesse caso, deve-se partir fundamentalmente de uma avaliação de relações (dados da realidade social) possível ao legislador quando da elaboração da lei [BVerfGE 25, 1 (12 s.)]. Contanto que ele tenha usado os meios de estudo que lhe estavam à disposição, os (eventuais) erros (que vierem a ser revelar no futuro, n. org) sobre o desenvolvimento econômico devem ser tolerados'.

Nesse segundo nível, portanto, o controle de constitucionalidade estende-se à questão de se o legislador levantou e considerou diligente e suficientemente todas as informações disponíveis e se realizou prognósticos sobre as consequências da aplicação da norma, enfim, se o

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legislador valeu-se de sua margem de ação de 'maneira sustentável'. Nesse sentido, uma das decisões mais importantes da Corte alemã pode ser encontrada no famoso caso Cannabis (BVerfGE 90, 145), em que o Tribunal confirmou a constitucionalidade da tipificação penal da aquisição e porte para consumo de produtos derivados da planta canabis sativa. Ao analisar o caso sob o ângulo do princípio da proporcionalidade, que incide com maior rigor no exame de um dispositivo penal, a Corte enfatizou que cabe ao legislador uma ampla margem de avaliação quanto à adequação e à necessidade de certa medida para o alcance do fim almejado, o que pressupõe também a discricionariedade para a realização de prognósticos quanto às consequências da medida adotada. Os argumentos utilizados estão bem representados no seguinte trecho da decisão:

'Sob o ponto de vista material, ressalvadas as garantias constitucionais especiais, o princípio da proporcionalidade oferece o parâmetro geral constitucional, segundo o qual a liberdade de ação pode ser restringida [cf. BVerfGE 75, 108 (154 s.); 80, 137 (153)].

Esse princípio tem um significado mais intenso no exame de um dispositivo penal, que, enquanto sanção mais forte à disposição do Estado, expressa um juízo de valor ético-social negativo sobre uma determinada ação do cidadão [cf. BVerfGE 25, 269 (286); 88, 203 (258].

Se há previsão de pena privativa de liberdade, isso possibilita uma intervenção no direito fundamental da liberdade da pessoa, protegido pelo Art. 2 II 2 GG. A liberdade da pessoa, que a Grundgesetz caracteriza como 'inviolável', é um bem jurídico tão elevado que nele somente se pode intervir com base na reserva legal do Art. 2 II 3 GG, por motivos especialmente graves. Independentemente do fato de que tais intervenções também podem ser cogitadas sob determinados pressupostos, quando servirem para impedir que o atingido promova contra si próprio um dano pessoal maior [BVerfGE 22, 180 (219); 58, 208 (224 et seg.); 59, 275 (278); 60, 123 (132)], elas, em geral, somente são permitidas se a proteção de outros ou da comunidade assim o exigir, observando-se o princípio da proporcionalidade.

Segundo esse princípio, uma lei que restringe o direito fundamental deve ser adequada e necessária para o alcance almejado. Uma lei é adequada se o propósito almejado puder ser promovido com o seu auxílio; é necessária se o legislador não puder selecionar um outro meio de igual eficácia, mas que não restrinja, ou que restrinja menos, o direito fundamental [cf. BVerfGe 30, 292 (316); 63, 88 (115); 67, 157 (173, 176)].

Na avaliação da adequação e da necessidade do meio escolhido para o alcance dos objetivos buscados, como na avaliação e prognóstico a serem feitos, neste contexto, dos perigos que ameaçam o indivíduo ou a comunidade, cabe ao legislador uma margem (discricionária) de avaliação, a qual o Tribunal Constitucional Federal dependendo da particularidade do assunto em questão, das possibilidades de formar um julgamento suficientemente seguro e dos bens jurídicos que estão em jogo poderá revisar somente em extensão limitada (cf. BVerfGE 77, 170 (215); 88, 203 (262)].

Além disso, numa ponderação geral entre a gravidade da intervenção e o peso, bem como da urgência dos motivos justificadores, deve ser respeitado o limite da exigibilidade para

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os destinatários da proibição [cf. BVerfGE 30, 292 (316); 67, 157 (178); 81, 70 (92)]. A medida não deve, portanto, onerá-lo excessivamente (proibição de excesso ou proporcionalidade em sentido estrito: cf. BVerfGE 48, 396 (402); 83, 1 (19). No âmbito da punibilidade estatal, deriva do princípio da culpa, que tem a sua base no Art. 1 I GG [cf. BVerfGE 45, 187 (228)], e do princípio da proporcionalidade, que deve ser deduzido do princípio do Estado de direito e dos direitos de liberdade, que a gravidade de um delito e a culpa do autor devem estar numa proporção justa em relação à pena. Uma previsão de pena não pode, quanto ao seu tipo e à sua extensão, ser inadequada em relação ao comportamento sujeito à aplicação da pena. O tipo penal e a conseqüência jurídica devem estar racionalmente correlacionados [cf. BVerGE 54, 100 (108)].

É, em princípio, tarefa do legislador determinar de maneira vinculante o âmbito da ação punível, observando a respectiva situação em seus pormenores. O Tribunal Constitucional Federal não pode examinar a decisão do legislador no sentido de se verificar se foi escolhida a solução mais adequada, mais sensata ou mais justa. Tem apenas que zelar para que o dispositivo penal esteja materialmente em sintonia com as determinações da Constituição e com os princípios constitucionais não escritos, bem como para que corresponda às decisões fundamentais da Grundgesetz [cf. BVerfGE 80, 244 (255)]'.

No caso, o Bundesverfassungsgericht, após analisar uma grande quantidade de dados e argumentos sobre o tema, reconhece que ainda não estaria concluída, à época, a discussão político-criminal a respeito da melhor alternativa para se alcançar a redução do consumo de canabis

poderia: por meio da penalização ou da liberação da conduta. E, justamente devido à incerteza quanto ao efetivo grau de periculosidade social do consumo da canabis e à polêmica existente, tanto no plano científico como no político-social, em torno da eficácia da intervenção por meio do direito penal, é que não se poderia reprovar, do ponto de vista de sua constitucionalidade, a avaliação realizada pelo legislador, naquele

estágio do conhecimento, a respeito da adequação e da necessidade da medida penal. Assim, admite o Tribunal que, 'se o legislador nesse contexto se fixa na interpretação de que a proibição geral de canabis sancionada criminalmente afastaria um número maior de consumidores em potencial do que a suspensão da previsão de pena e que, portanto, seria mais adequada para a proteção dos bens jurídicos, isto deve ser tolerado constitucionalmente, pois o legislador tem a prerrogativa de avaliação e de decisão na escolha entre diversos caminhos potencialmente apropriados para o alcance do objetivo de uma lei'.

Dessa forma, não se pode deixar de considerar que, no âmbito desse denominado controle de sustentabilidade ou de justificabilidade (Vertretbarkeitskontrolle), assumem especial relevo as técnicas procedimentais postas à disposição do Tribunal e destinadas à verificação dos fatos e prognoses legislativos, como a admissão de amicus curiae e a realização de audiências públicas, previstas em nosso ordenamento jurídico pela Lei 9.868/99.

Em verdade, como venho afirmando em estudos doutrinários sobre o tema, no controle abstrato de normas não se procede apenas a um

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simples contraste entre a disposição do direito ordinário e os princípios constitucionais. Ao revés, também aqui fica evidente que se aprecia a relação entre a lei e o problema que se lhe apresenta em face do parâmetro constitucional. Em outros termos, a aferição dos chamados fatos legislativos constitui parte essencial do chamado controle de constitucionalidade, de modo que a verificação desses fatos relacionase íntima e indissociavelmente com a própria competência do Tribunal. No âmbito do controle de constitucionalidade em matéria penal, deve o Tribunal, na maior medida possível, inteirar-se dos diagnósticos e prognósticos realizados pelo legislador para a confecção de determinada política criminal, pois é este conhecimento dos dados da realidade os quais serviram de pressuposto da atividade legislativa que lhe permitirá averiguar se o órgão legislador utilizou-se de sua margem de ação de maneira sustentável e justificada.

No terceiro nível, o controle material intensivo (intensivierten inhaltlichen Kontrolle) aplica-se às intervenções legislativas que, por afetarem intensamente bens jurídicos de extraordinária importância, como a vida e a liberdade individual, devem ser submetidas a um controle mais rígido por parte do Tribunal, com base no princípio da proporcionalidade em sentido estrito. Assim, quando esteja evidente a grave afetação de bens jurídicos fundamentais de suma relevância, poderá o Tribunal desconsiderar as avaliações e valorações fáticas realizadas pelo legislador para então fiscalizar se a intervenção no direito fundamental em causa está devidamente justificada por razões de extraordinária importância.

Essa fase do controle foi efetivamente definida na citada decisão Mitbestimmungsgesetz (BVerfGE 50, 290), mas já havia ficado explicitada na célebre decisão Apothekenurteil (BVerfGE 7, 377, 1958), em que se discutiu o âmbito de proteção do direito fundamental à liberdade de profissão. Na ocasião, o Tribunal assim fixou seu entendimento:

'As limitações ao poder regulamentar, que são derivadas da observância do direito fundamental, são mandamentos constitucionais materiais que são endereçados, em primeira linha, ao próprio legislador. Sua observância deve ser, entretanto, fiscalizada pelo Tribunal Constitucional Federal. Se uma restrição da livre escolha profissional estiver no 'último degrau' (dos pressupostos objetivos de sua admissão), o Tribunal Constitucional Federal deve primeiro examinar se um bem jurídico coletivo prevalecente está ameaçado e se a regulamentação legislativa pode mesmo servir à defesa contra esse perigo. Ele deve, além disso, também examinar se justamente a intervenção perpetrada é inevitavelmente ordenada para a proteção do referido bem; em outras palavras, se o legislador não poderia ter efetivado a proteção com regulamentações de um 'degrau' anterior.

Contra um exame no último sentido supra declinado objetou-se que ele ultrapassaria a competência de um tribunal, pois um tribunal não poderia avaliar se uma medida legislativa certa seria ordenada, vez que ele não poderia saber se haveria outros meios igualmente eficazes e se eles poderiam ser realizados pelo legislador. Isso só poderia ser feito quando se conhecem não somente todas as relações sociais a serem ordenadas, como também as possibilidades da legislação. Essa concepção, que pretende, principalmente a partir de considerações pragmáticas, limitar a competência do Tribunal Constitucional

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Federal é, por vezes, teoricamente fundamentada com a informação de que o Tribunal, por causa da utilização de uma ampla competência de exame, interferiria na esfera do legislador, e com isso se chocaria contra o princípio da divisão de poderes.

O Tribunal Constitucional não pode concordar com essa posição.

Ao Tribunal foi atribuída a proteção dos direitos fundamentais em face do legislador. Quando da interpretação de um direito fundamental resultarem limites ao legislador, o tribunal deve poder fiscalizar a observância deles por parte dele, legislador. Ele não pode subtrair-se à esta tarefa se não quiser, na prática, desvalorizar em grande parte os direitos fundamentais e acabar com a sua função atribuída pela Grundgesetz.

A exigência frequentemente feita nesse contexto segundo o qual o legislador deveria, entre vários meios igualmente adequados, livremente decidir, não resolveria o problema ora em pauta. Tal exigência tem em vista o caso (normal) de um direito fundamental que não se constitui de uma área de proteção gradual (como, p. ex., na decisão BVerfGE 2, 266). Nesse caso, o legislador encontra-se, entretanto, dentro de determinados limites, livre para a escolha entre várias medidas legislativas igualmente adequadas, vez que elas todas atingem o mesmo direito fundamental em seu conteúdo único e não diferenciado. Não obstante, em se tratando de um direito fundamental que encerra em si zonas mais fortes e mais fracas de proteção da liberdade, torna-se necessário que a jurisdição constitucional verifique se os pressupostos para uma regulamentação estão presentes no degrau onde a liberdade é protegida ao máximo. Em outras palavras, necessário se faz que se possa avaliar se medidas legislativas no degrau inferior não teriam sido suficientes, ou seja, se deste modo a intervenção perpetrada fosse 'inexoravelmente obrigatória'. Se se quisesse deixar ao legislador também a escolha entre os 'meios igualmente adequados', que correspondessem a degraus diferentes uns dos outros, isso acarretaria que justamente intervenções que limitem ao máximo o direito fundamental seriam, em razão de seu efeito muito eficaz para o alcance da meta almejada, as mais frequentes escolhidas e seriam aceitas sem exame. Uma proteção efetiva da área de liberdade, que o Art. 12 I GG pretende proteger com mais ênfase, não seria, destarte, mais garantida'.

Nesse terceiro nível, portanto, o Tribunal examina se a medida legislativa interventiva em dado bem jurídico é necessariamente obrigatória, do ponto de vista da Constituição, para a proteção de outros bens jurídicos igualmente relevantes. O controle é mais rígido, pois o Tribunal adentra o próprio exame da ponderação de bens e valores realizada pelo legislador.

Assim, no exercício do controle material intensivo, o Tribunal verifica se a medida penal que prima facie constitui uma intervenção em direitos fundamentais mantém uma relação de proporcionalidade com as metas fixadas pela política criminal, destinadas, ao fim e ao cabo, à promoção da segurança e da incolumidade públicas, enfim, da paz social.

Estou certo de que essas devem ser as premissas para a construção de um modelo rígido de controle de constitucionalidade de leis em

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matéria penal, tendo em vista a proteção dos direitos e garantias fundamentais. O Tribunal deve sempre levar em conta que a Constituição confere ao legislador amplas margens de ação para eleger os bens jurídicos penais e avaliar as medidas adequadas e necessárias para a efetiva proteção desses bens. Porém, uma vez que se ateste que as medidas legislativas adotadas transbordam os limites impostos pela Constituição o que poderá ser verificado com base no princípio da proporcionalidade como proibição de excesso (Übermassverbot) e como proibição de proteção deficiente (Untermassverbot) , deverá o Tribunal exercer um rígido controle sobre a atividade legislativa, declarando a inconstitucionalidade de leis penais transgressoras de princípios constitucionais.

5. Análise do caso

5.1. Crimes de perigo abstrato em face do princípio da proporcionalidade

Apesar da existência de ampla controvérsia doutrinária, os crimes de perigo abstrato podem ser identificados como aqueles em que não se exige nem a efetiva lesão ao bem jurídico protegido pela norma nem a configuração do perigo em concreto a esse bem jurídico.

Nessa espécie de delito, o legislador penal não toma como pressuposto da criminalização a lesão ou o perigo de lesão concreta a determinado bem jurídico. Baseado em dados empíricos, o legislador seleciona grupos ou classes de ações que geralmente levam consigo o indesejado perigo ao bem jurídico.

Assim, os tipos de perigo abstrato descrevem ações que, segundo a experiência, produzem efetiva lesão ou perigo de lesão a um bem jurídico digno de proteção penal, ainda que concretamente essa lesão ou esse perigo de lesão não venham a ocorrer. O legislador, dessa forma, formula uma presunção absoluta a respeito da periculosidade de determinada conduta em relação ao bem jurídico que pretende proteger. O perigo, nesse sentido, não é concreto, mas apenas abstrato. Não é necessário, portanto, que, no caso concreto, a lesão ou o perigo de lesão venham a se efetivar. O delito estará consumado com a mera conduta descrita no tipo. Com isso, não é difícil entender as características e os contornos da delicada relação mantida entre os delitos de perigo abstrato e os princípios da exclusiva proteção de bens jurídicos, da lesividade ou

ofensividade, ou mesmo da culpabilidade e da presunção de inocência, os quais, não há dúvida, estão intrinsecamente relacionados com o princípio da proporcionalidade.

A atividade legislativa de produção de tipos de perigo abstrato, por isso, deve ser objeto de rígida fiscalização a respeito da sua constitucionalidade; especificamente, sobre sua adequação ao princípio da proporcionalidade.

A criação de crimes de perigo abstrato não representa, por si só, comportamento inconstitucional por parte do legislador penal. A tipificação de condutas que geram perigo em abstrato, muitas vezes, acaba sendo a melhor alternativa, ou a medida mais eficaz, para proteção de bens jurídico-penais supra-individuais ou de caráter coletivo, como o meio ambiente, por exemplo. A antecipação da proteção penal em relação à efetiva lesão torna mais eficaz, em muitos casos, a proteção do bem jurídico. Portanto, pode o legislador, dentro de suas amplas margens de avaliação e de decisão, definir quais as medidas mais adequadas e necessárias para a efetiva proteção de determinado bem jurídico, o que lhe permite escolher espécies de tipificação próprias de um direito penal preventivo. Apenas a atividade

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legislativa que, nessa hipótese, transborde os limites da proporcionalidade, poderá ser tachada de inconstitucional. Cabe ao Supremo Tribunal Federal exercer o controle de constitucionalidade dessa atividade legislativa em matéria penal, de acordo com os parâmetros a seguir delineados.

Em primeiro lugar, no âmbito de análise segundo a máxima da adequação, é possível constatar que não serão idôneos para a proteção de determinado bem jurídico os atos legislativos criadores de tipos de perigo abstrato que incriminem meras infrações administrativas, as quais não têm aptidão para produzir, sequer potencialmente, qualquer perigo em concreto para o bem jurídico em questão. Isso quer dizer que os crimes de perigo abstrato devem restringir-se aos comportamentos que, segundo os diagnósticos e prognósticos realizados pelo legislador com base em dados e análises científicas disponíveis no momento legislativo e daí a importância da verificação de fatos e prognoses legislativos em sede de controle judicial de constitucionalidade geralmente configuram perigo para o bem jurídico protegido, estando descartados aqueles que apenas de forma excepcional podem ensejar tal perigo. Conforme as lições de Aguado Correa:

'Como conclusión, podemos afirmar que serán idóneos los delitos de peligro abstracto para la protección de bienes jurídicos cuando, según la forma y la intensidad de los ataques, sea necesaria su protección frente a peligros abstractos; cuando se trate de prohibir comportamientos que no afectan de modo alguno al bien jurídico correspondiente serán inidóneos. Por otra parte, únicamente será idónea la prohibición penal de

acciones peligrosas en abstracto cuando las distintas formas de actuación que se prohiben normalmente supongan un peligro para el bien jurídico protegido y no cuando tan solamente en casos excepcionales puede suponer un peligro para el mismo'. Nesse sentido, segundo a máxima da necessidade, quando houver medidas mais eficazes para a proteção do bem jurídico-penal, porém menos gravosas para os direitos individuais em jogo, os crimes de perigo abstrato serão contrários aos princípios da subsidiariedade e da ofensividade e, dessa forma, ao princípio da proporcionalidade. Meros ilícitos que são objeto de responsabilização jurídica eficaz por meio do Direito Civil ou do Direito Administrativo tornam desnecessária a intervenção do Direito Penal, que deve operar apenas como ultima ratio.

Assim, como explica Aguado Correa:

'Para que los delitos de peligro abstracto resulten compatibles con el principio de ofensividad es necesario: por una parte, que a través de los mismos se intente proteger bienes jurídicos merecedores de pena, es decir, constitucionalmente legítimos y dotados de una especial relevancia social, puesto que implican una ampliación muy importante de la tutela penal; por otra parte, que a través de los delitos de peligro abstracto se tipifiquen aquellas conductas que aparezcan como generalmente peligrosas para el bien jurídico que se trata de proteger, y no aquellas conductas que sólo en algunos casos aparecen como peligrosas; en último lugar, que en el caso

concreto el comportamiento sea efectivamente peligroso para el bien jurídico protegido'.

No âmbito da proporcionalidade em sentido estrito, deverá ser verificado se a restrição a direitos fundamentais como resultado da

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incriminação de comportamentos perigosos em abstrato pode manter uma relação de proporcionalidade com a proteção do bem jurídico em questão alcançada pela medida normativa de caráter penal. Em outros termos, quanto maior for a intervenção penal em direitos fundamentais dos afetados, maior deverá ser a efetiva proteção do bem jurídico por ela almejada. Nas palavras de Aguado Correa:

'el tercer nivel del principio de proporcionalidad en sentido amplio pretende ser un control de signo opuesto de aquellas medidas que han sido consideradas idóneas y necesarias, en el sentido de si los medios utilizados, que son los que causan esa restricción de derechos fundamentales en los afectados, se encuentran en una relación de proporción con la protección del bien jurídico que a través de los mismos se pretende alcanzar. Este examen puede llevar a la conclusión de que un medio en principio idóneo y necesario para la protección del bien jurídico, no debe ser utilizado porque el menoscabo de derechos fundamentales del afectado que conlleva supera el aumento de protección del bien jurídico, de manera que la utilización de dicho medio de protección puede ser reputado desproporcionado. Ello implica que bajo determinadas circunstancias se deja de proteger legítimamente el bien jurídico porque, de lo contrario, se produciría un menoscabo desproporcionado de los derechos fundamentales'.

Com efeito, à luz das premissas anteriormente expostas, mister se faz a análise contextual da norma em questão.

5.2. DOS CONTROLES DE EVIDÊNCIA, SUSTENTABILIDADE OU JUSTIFICABILIDADE E MATERIAL DE INTENSIDADE (PROPORCIONALIDADE)

Afigura-me que as razões expostas superam os antes proclamados juízos de controle de evidência e sustentabilidade ou justificabilidade. Afinal, a proposição da política pública em questão encontra ressonância em estudos diversos e ecoa dentro do anseio popular. Em tese, há legitimidade no uso da discricionariedade do legislador.

Afinal, são de todos conhecidos e alarmantes os índices de violência no país. A criminalidade atua de modo a subverter os princípios do Estado Democrático de Direito, obrigando os cidadãos, principalmente nos grandes centros, a viverem intramuros, intranquilos e inseguros. Remanescem a verificação do controle de adequação e a necessidade da medida, aferindo-se se o propósito almejado realmente pode ser obtido com a medida proposta, e se ao legislador não caberia selecionar outro meio de igual ou superior eficácia, que não restrinja ou restrinja menos o direito fundamental.

Esse juízo valorativo aproxima-se, e muito, ao próprio caráter fragmentário/subsidiário do Direito Penal.

Diante desse contexto, cabe renovar a questão inicial: é legítima a criminalização do porte de arma desmuniciada?

A resposta negativa se impõe, pois a dinâmica dos fatos verificados no cotidiano tem demonstrado que a simples apreensão e a aplicação de sanção pecuniária não são o bastante para coibir o uso e o porte da arma de fogo e, por conseguinte, reduzir os índices de violência.

Consigne-se que a majoração das penas, mediante qualificação de determinadas condutas tipificadas, quando consumadas com o emprego de arma de fogo (art. 157, § 2º, I, CP; art. 158, § 1º, CP), também, não se mostrou suficiente para coibir suas práticas.

Há, no contexto empírico legitimador da veiculação da norma aparente lesividade da conduta, porquanto se tutela a segurança pública (art. 6º

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e 144, CF) e indiretamente a vida, a liberdade, a integridade física e psíquica do indivíduo etc. Há inequívoco interesse público e social na proscrição da conduta . É que a arma de fogo, diferentemente de outros objetos e artefatos (faca, vidro etc.), concessa venia, tem inerente à sua natureza a característica da lesividade. A danosidade é intrínseca ao objeto.

É inquestionável que o resultado morte ou lesão ou mesmo a ameaça pode ser obtido pelos mais diversos objetos e formas que a mente humana é capaz de se utilizar, mas, no caso da arma de fogo, pela sua própria natureza, o legislador resolveu distingui-la e erigi-la como tipo autônomo. O legislador, na verdade, antecipou-se aos possíveis e prováveis isso me parece que deve ficar claro, pois é o ordinário resultados lesivos. No caso, essa antecipação encontra sustentação no próprio objeto incriminado, pois ninguém se utiliza de arma com outra finalidade senão aquela para a qual foi concebida.

E mesmo aqueles que dela se apossam para se defender, comprovam as estatísticas, têm cumprindo finalidade diversa, ora sendo objeto de acidentes domésticos, ora servindo para alimentar o comércio clandestino.

Inabalável, igualmente, a lesividade à paz social. E o argumento de que ela é ínsita a todo e qualquer delito, não desautoriza seu relevo como bem a tutelar, ao revés, confirma-o e ratifica sua distinção como fato apto a merecer a proteção do Direito Penal. Diversa seria a situação se o objeto, de per si, não causasse qualquer abalo à paz social, como, por exemplo, o caco de vidro, a faca (aceitos socialmente, mormente pela utilidade ordinária diversa).

Da mesma sorte e sem deslustro aos que divergem na linha de raciocínio, penso que seu poder de intimidação sobre as pessoas representa potencial lesão à paz social e à segurança pública.

Ad argumentandum, ainda, segundo Miguel Reale Junior: 'o direito valora e protege os bens segundo as pautas valorativas positivamente configuradas em seus comandos, os quais se dirigem à vontade dos destinatários da norma. Como o direito, com o fim de proteger bens, exerce função reguladora das vontades individuais, apenas quando há uma possibilidade de relacionamento entre a norma e a vontade a ser regulada, é que pode ocorrer uma contrariedade ao direito'. Portanto, não há que se falar em responsabilidade penal objetiva, pois ao cidadão remanesce espaço de autodeterminação. A ele é factível, possível e desejável que se abstenha de usar ou portar arma.

Podemos, sim, poetizar sobre a arma de fogo, mas é inexorável que sua natureza é letal e, com efeito, no plano teórico, respalda uma preocupação legítima do legislador de coibir seu uso, seu porte e sua posse.

Não descuro da realidade, inclusive daquela formada por situações possíveis de ocorrer nos mais diversos rincões deste país e que, em tese, ainda que subsumidas à tipicidade formal, são desprovidas de qualquer significação social.

A questão, portanto, de possíveis injustiças pontuais, de absoluta ausência de significado lesivo deve ser aferida concretamente e não em linha diretiva de ilegitimidade normativa.

Devemos cindir a questão em dois momentos: da elaboração da norma incriminadora e da aplicação do direito ao caso concreto. Aliás, como sói ocorrer em todas as situações abarcadas pelo direito. Assim, a questão, ao meu sentir, não reside na tipificação da conduta, mas na aplicação do direito aos diversos fatos que se verificam no cotidiano. Na avaliação concreta realizada pelo juiz, ao pretensamente realizar

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um juízo de subsunção do fato à norma.

A corroborar, ao menos em linha de princípio, colho a doutrina de

Lênio Luiz Streck:

'Para exemplificar, chamo a atenção para o caso de uma regra jurídica como a do art. 509 do Código Penal da Espanha, punindo todo aquele que tuviera en su poder ganzúas y otros instrumentos destinados especialmente para ejecutar el delito de robo y no diere descargo suficiente sobre su adquisición o conservación. Ninguém discutirá que estará sujeito à penalidade aquele que for detido no pátio de uma casa, em circunstâncias que apontem para o fato de que estava colocando em risco bens jurídicos patrimoniais de terceiros (aqui não se está questionando a liberdade de conformação do legislador, isto é, não se coloca em xeque a escolha dos fins e meios para a punição da conduta e também não se questiona, no plano geral, as políticas de combate aos crimes contra o patrimônio). Também não se discutirá a hipótese do enquadramento no tipo penal daquele que for detido já em plena utilização dos referidos instrumentos, uma vez que os pré-juízos legítimos, que conformam o modo-de-ser-no-mundo dos juristas, apontam para o sentido que é trazido pela tradição na qual estamos desde sempre inseridos do que seja 'instrumento próprio para o cometimento de furto', 'o significado de proteção à propriedade privada', 'crime', 'norma jurídica', 'teleologia da regra'' 'função do direito penal', etc. Está-se diante, assim, da resposta correta para cada uma das hipóteses. Não haverá, portanto, qualquer dificuldade para procurar a resposta, porque, antes disso, já foi encontrada pelo intérprete. Antes de procurar, ele já a achou.

Mas essa fusão de horizontes pode se mostrar malsucedida, na hipótese de ocorrer a demanda pela superação das insuficiências do que onticamente objetivamos (esta demanda só ocorre para quem tem condições de identificar os falsos préjuízos como tais). Sendo mais claro, aqui me refiro às ocorrências do mundo prático que superem a situação ou situações consideradas standard, o que implica perguntar: estaria correto dizer que qualquer indivíduo que seja detido transportando instrumentos aptos para cometer furtos e não dê conta dessa posse estaria 'subsumido' no aludido tipo penal? Antes de tudo, é possível afirmar que, no âmbito das respostas proferidas a partir de raciocínios causais-explicativos, a simples posse dos instrumentos e o 'não dar conta' da aquisição ou 'transporte' dos mesmos, já seria suficiente para o enquadramento. É o que se chamaria de 'caso simples'.

Entretanto e aqui aparece o problema da distinção entre casos simples e casos complexos , uma pré-compreensão forjada no paradigma de um direito penal garantista demandará uma resposta que vá além do que 'onticamente objetivamos'. Mas isso somente ocorre quando a coisa interpela o intérprete, convoca-o a compreendê-la, em face do estranhamento que lhe provoca, o que não acontecerá nos casos em que sequer nos perguntamos acerca das razões pelas quais a resposta é aquela. Trata-se da hipótese de horizontes distintos, que provocará o 'choque hermenêutico', que ocorre quando algo estranho ao seu horizonte se lhe apresenta, circunstância que faz com que o intérprete ponha em questão seus pré-juízos (obviamente, se ele tiver condições pré-compreensivas para tal).

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Como já referido, esse 'choque hermenêutico' faz o intérprete estranhar o que lhe era familiar e, ao mesmo tempo, interpela-o para que torne familiar o que lhe surge como estranho (como demonstrarei mais adiante, é quando um hard case se transforma em um easy case, o que comprova a inadequação hermenêutica de tal distinção).

Pois é nesse exato sentido que deve ser examinado o exemplo anterior, acrescido, agora, desse elemento provocador do estranhamento, isto é, no caso de alguém ser detido na posse de ganzúas y otros instrumentos destinados especialmente para ejecutar el delito de robo y no diere descargo suficiente sobre su adquisición o conservación, em plena via pública, em decorrência de uma blitz feita pela polícia. Parece que, aqui, emerge claramente a 'insuficiência da regra', isto é, no caso em tela, está-se diante de uma fusão de horizontes que não encontra guarida na mera objetivação. Está-se, assim, diante de uma demanda significativa que só pode ser atendida a partir da compreensão da dupla estrutura da linguagem.

Estando o intérprete inserido em uma tradição autêntica (legítima) do direito, em que os juristas reintroduzem no mundo jurídico o mundo prático sequestrado pela regra (para utilizar apenas estes componentes que poderiam fazer parte da situação hermenêutica do intérprete), a resposta correta advirá dessa nova fusão de horizontes, envolvendo a principiologia constitucional.

O caso concreto demanda uma série de análises, que ultrapassam o raciocínio causal explicativo, buscando no ethos principiológico a fusão de horizontes demanda da pelo estranhamento que provoca essa nova situação. Antes de qualquer outra análise, deve-se sempre perquirir a compatibilidade constitucional do dispositivo legal com a Constituição (entendida, à evidência, no seu todo principiológico) e a existência de eventual antinomia. Deve-se sempre perguntar se, à luz da Constituição, a regra jurídica é aplicável à hipótese (ao caso)'.

Com efeito, no presente caso, voto pelo indeferimento da ordem."

(STF HC XXXXX/RS Rel. Min. Gilmar Mendes 2ª T j. 06.03.12 DJE 27.03.12).

Assim, inexistindo qualquer transborde dos limites da

proporcionalidade pelo legislador ordinário, pois o crime de posse ou porte

ilegal de arma e inúmeros outros crimes de perigo abstrato, como o tráfico de

drogas, são extremamente graves e merecem o tratamento severo pelo

legislador, afasta-se a eventual tese da inconstitucionalidade dos crimes de

perigo abstrato.

Afasto, também, a tese de insignificância da conduta relativa ao

porte de arma de fogo de uso permitido.

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O argumento da insignificância, quanto ao referido crime, não se sustenta. Isto porque, a objetividade jurídica do delito em questão, consistente na incolumidade pública e no controle da propriedade das armas de fogo, é suficiente para afastar a tese de atipicidade da conduta por aplicação do mencionado princípio. Dessa forma, é irrelevante a quantidade de armas e munições encontradas sob a posse do acusado. Sobre o tema cabe citação do entendimento de Victor Eduardo Rios Gonçalves e José Paulo Baltazar Júnior :

" Não se pode, por sua vez, reconhecer a atipicidade da conduta em face do princípio da insignificância com o argumento de que o acusado tem a posse de pequena quantidade de munição, pois é evidente que um único projétil é capaz de provocar lesões ou morte, não podendo ser tachada a conduta de irrelevante penal. "

(Legislação Penal Especial Esquematizada, 3ª Edição, Coordenador Pedro Lenza, Saraiva, 2017).

Noutro vértice, mas no mesmo sentido, não há que se falar em princípio da insignificância com relação ao crime de posse ou porte ilegal de arma de fogo, pois, como dito alhures, trata-se de delito de mera conduta e de perigo abstrato, não exigindo resultado naturalístico para sua configuração. Neste sentido, o entendimento do Superior Tribunal de Justiça:

"AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ESPECIAL. (...) TRÁFICO INTERNACIONAL DE MUNIÇÃO. LEI N. 10.826/2003. PRINCÍPIO DA AUSÊNCIA DE LESIVIDADE. INAPLICABILIDADE. POTENCIALIDADE LESIVA. CRIME DE PERIGO ABSTRATO.

[...]

2. Pacificou-se neste Superior Tribunal de Justiça o entendimento de que não se aplica o princípio da insignificância, não havendo falar em ausência de lesividade, aos crimes previstos na Lei n. 10.826/2003, nos quais o objeto jurídico tutelado é a segurança pública e a paz social .

3. Agravo regimental improvido."

(STJ - AgRg no REsp XXXXX/PR 6ªT. - Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura j. 12/11/2013 - DJe 28/11/2013).

Portanto, não havia como a r. sentença não dar pela condenação dos réus, as provas produzidas durante o contraditório tendo sido

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amplas e demonstrando, de forma inequívoca, os fatos a eles imputados, de modo a tipificar o crime de porte ilegal de arma de fogo, nos exatos termos da denúncia, razão pela qual passo à análise da dosimetria das penas.

A pena aplicada na r. sentença para o réu incriminado mostrouse adequada para o caso concreto, devendo ser mantida em relação a ele e aplicada também para o corréu ora condenado.

Fixada no mínimo legal em todas as etapas, foi definida em 02 (dois) anos de reclusão, e multa de 10 (dez) diárias, no piso, o que se adota para os dois acusados.

O regime aberto mostra-se compatível com a quantidade de pena e com as circunstâncias judiciais e legais presentes.

A substituição por prestação de serviços à comunidade e limitação de fim de semana encontra amparo legal, não se justificando diretriz mais gravosa, certo que o Ministério Público, ao pleitear a conversão de limitação de fim de semana em outra sanção substitutiva de maior rigor, apenas alega necessária proporcionalidade com a gravidade do crime (sem dizer por que razão não haveria tal proporcionalidade, com aparente apego somente à gravidade em abstrato do tipo penal, o que é insuficiente).

Com essas considerações, nego provimento à apelação do réu Anderson Evangelista , e dou provimento em parte à apelação do Ministério Público , apenas para condenar o réu Adilson Simplício, nos termos do art. 14,"caput", da Lei n. 10.826/03, aplicando a pena de 02 (dois) anos de reclusão, regime aberto, e multa de 10 (dez) diárias, no piso, e substituindo a pena corporal por prestação de serviços à comunidade e limitação de fim de semana, tudo a ser melhor especificado pelo Juiz de Direito da Vara das Execuções Penais.

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É como voto.

AIRTON VIEIRA

Relator

[Assinatura eletrônica]

Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/tj-sp/632910754/inteiro-teor-632910789

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