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18 de Abril de 2024
  • 2º Grau
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Tribunal de Justiça de São Paulo
há 5 anos

Detalhes

Processo

Órgão Julgador

6ª Câmara de Direito Público

Publicação

Julgamento

Relator

Leme de Campos

Documentos anexos

Inteiro TeorTJ-SP__10443709120178260506_a8997.pdf
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Inteiro Teor

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

Registro: 2018.0001019769

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Remessa Necessária nº XXXXX-91.2017.8.26.0506, da Comarca de Ribeirão Preto, em que é recorrente JUÍZO EX OFFICIO, é recorrido MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO.

ACORDAM , em sessão permanente e virtual da 6ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: Deram provimento em parte ao recurso. V. U. , de conformidade com o voto do relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Desembargadores SIDNEY ROMANO DOS REIS (Presidente) e REINALDO MILUZZI.

São Paulo, 19 de dezembro de 2018.

Leme de Campos

Relator

Assinatura Eletrônica

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

REEXAME NECESSÁRIO Nº. XXXXX-91.2017.8.26.0506 – RIBEIRÃO PRETO.

RECTE.: JUÍZO “EX OFFICIO”

RECDO.: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO.

INTERESSADO: OSWALDO KUCHLA DE SOUTO E OUTRO.

JUIZ PROLATOR: PAULO CÉSAR GENTILE.

VOTO Nº. 33.259

ILEGITIMIDADE ATIVA DO MINISTÉRIO PÚBLICO

Descabimento Reconhecida a legitimidade do Parquet para a defesa de interesses individuais indisponíveis, conforme se verifica dos artigos 127 e 129, inciso II, da Constituição Federal. AÇÃO CIVIL PÚBLICA Saúde Pública Fornecimento de insumos para paciente portador de esclerose múltipla

Hipossuficiência para a aquisição Imposição que decorre de texto das Constituições da República e Estadual e da Lei Federal nº 8.080/90 Multa diária Imposição de limite - Ação julgada procedente na 1ª Instância Sentença reformada em parte

Recurso oficial parcialmente provido.

Cuida-se de ação civil pública, na qual se pleiteia o fornecimento de “Rituximabe” para tratamento de esclerose múltipla.

A r. sentença de fls. 112/118, cujo relatório adotase, julgou procedente a ação, tornando definitiva a liminar, nos seguintes termos: “Por todo o exposto e o que mais dos autos consta, JULGO PROCEDENTE o pedido formulado, em conformidade como artigo 487, inciso I, do Código de Processo Civil, para, confirmando a tutela antecipada concedida, CONDENAR as rés, solidariamente, a fornecer o medicamento ali descrito, ao idoso beneficiário desta ação, nas quantidades prescritas e pelo tempo necessário, a critério médico, de forma gratuita, impondo-se a multa-

Remessa Necessária nº XXXXX-91.2017.8.26.0506 -Voto nº 2

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diária cominatória no valor de R$ 100,00 (cem reais), em caso de descumprimento, que será revertida em favor do fundo gerido pelo Conselho Municipal de Promoção e Integração da Pessoa Idosa, nos termos do artigo 84 do Estatuto do Idoso, cuja cobrança somente poderá ocorrer após o trânsito em julgado, nos termos dos artigos 12, § 2º da Lei 7.347/1985 que regula a Ação Civil Pública e 83, § 3º do referido estatuto, combinados com o artigo 1.046 do CPC. Não há custas processuais ou honorários sucumbenciais.”

Ausentes os recursos voluntários (fl. 125), vieram os autos para processamento da remessa necessária.

É o relatório.

Ab initio, reconheço a legitimidade ativa do Ministério Público.

Com efeito, embora se reconheça a divergência doutrinária e jurisprudencial acerca do assunto, certo é que o Parquet possui legitimidade ativa para ajuizar ação civil pública na defesa de interesses individuais indisponíveis, como o direito à vida e à saúde.

E, no caso em tela, o Ministério Público propôs a ação visando compelir as rés a fornecerem o insumo médico necessário ao paciente OSWALDO KUCHLA DE SOUTO , pois o paciente não possui condições financeiras para adquiri-lo.

Ora, conforme dispõe o artigo 127, da Constituição Federal, ao Ministério Público incumbe “a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis”.

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Por outro lado, em seu artigo 129, a Lei Maior também estabelece que compete ao Ministério Público a defesa do patrimônio público, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos, in verbis:

“Art. 129. São funções institucionais do Ministério Público:

(...)

III - promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos;”

Dessa feita, da análise conjunta desses dispositivos constitucionais, extrai-se que o Parquet possui legitimidade para promover ação civil pública na defesa de interesses difusos, coletivos e individuais indisponíveis.

Note-se que, o direito à saúde é tratado pela Constituição Federal (artigo 196) como um direito básico de todas as pessoas, além de um dever do Estado, consistindo, por óbvio, em um interesse individual indisponível.

E, na hipótese em testilha, como a parte beneficiada não possui condições econômicas de arcar com o tratamento adequado para sua moléstia, torna-se imperioso o reconhecimento da legitimidade do Ministério Público para a defesa desses interesses, a fim de se preservar a saúde e a vida da pessoa necessitada.

Outro não é o entendimento desta Colenda Sexta Câmara de Direito Público, a saber:

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“AÇÃO CIVIL PÚBLICA Fazenda Pública

Fornecimento de medicamento para portadora de doença grave Direito constitucional à saúde Artigo 196, da Constituição da Republica

Legitimidade ativa do Ministério Público, em defesa de direito individual indisponível Artigo 127, da Constituição Federal, e inciso I, Artigo 74 e inciso I, Artigo 81, Lei nº 10.741/2003 - Sentença de procedência confirmada.” (AC nº. 615.860.5/1-00, rel. Des. CARLOS EDUARDO PACHI , j. de 13.08.07, v.u.).

E ainda:

“AÇÃO CIVIL PÚBLICA Fornecimento de medicamento a hipossuficiente portador de enfermidade Indeferimento da inicial por ilegitimidade ativa do Ministério Público Admissibilidade

Extinção afastada Recurso provido.”

(AC nº. 649.361.5/8-00, Rel. EVARISTO DOS SANTOS , j. de 06.08.07, v.u).

No mesmo esteio, já decidi:

“AÇÃO CIVIL PÚBLICA Fornecimento de medicamentos para tratamento de doença à pessoa determinada Extinção do processo, sem resolução do mérito, por ilegitimidade ativa do Ministério Público Descabimento Reconhecida a legitimidade do “Parquet” para a defesa de interesses individuais indisponíveis, conforme se verifica dos arts. 127 e 129, II, da CF/88 Precedentes desta Eg. 6ª Câmara de Direito Público Recurso provido, anulando-se a sentença.”

(AC nº. 514.566.5/3-00).

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Destarte, repele-se a ilegitimidade ativa do Parquet, passando à análise do mérito recursal.

Com efeito, as normas, constitucionais e legais, que tratam da assistência à saúde da população, imputam às três esferas de governo, União, Estados e Municípios, isolada ou conjuntamente, a obrigação de garantir o acesso à saúde, com todas as suas implicações, e não apenas a um ou outro ente da Federação.

Portanto, perfeitamente cabível o pleito tanto em face do Município quanto do Estado, não havendo se falar em litisconsórcio passivo necessário, denunciação da lide ou ilegitimidade passiva no caso em comento.

A propósito, o entendimento firmado pelo C. Órgão Especial deste Tribunal de Justiça no sentido de que “a ação para o fornecimento de medicamentos e afins pode ser proposta em face de qualquer pessoa jurídica de direito público interno.” (Súmula nº. 37 DJe, TJSP,7.12.2010, p. 1).

Deveras, restou cabalmente demonstrado nos autos que o paciente é portador de Esclerose Múltipla, necessitando de tratamento por meio do medicamento “Rituximabe”, conforme os documentos de fls. 10/12. Tal exigência visa garantir a sua sobrevivência e o tratamento de sua enfermidade. Entretanto em razão do valor do insumo, não tendo o beneficiária condições financeiras para adquiri-lo, pleiteia-o junto ao Poder Público.

Não há como negar a responsabilização do Estado quanto ao cumprimento de norma constitucional que incumbe aos entes políticos garantir o acesso à saúde dos cidadãos, aplicável à espécie, portanto, o contido no artigo 196 da Carta Magna.

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O direito à saúde não se limita apenas ao aspecto hospitalar, mas também ao fornecimento, pelo Poder Público, da terapia e respectivo remédio aos necessitados.

Logo, também é absolutamente incabível qualquer alegação no sentido de que não cabe ao julgador imiscuir-se na atividade administrativa, porquanto não há se falar em desobediência ao Principio da Tripartição dos Poderes, uma vez que o paciente tem direito à vida e à saúde, como corolários do Princípio Constitucional da Dignidade da Pessoa Humana (artigo ., inciso III da Constituição Federal), que é o norteador da interpretação e aplicação do direito.

Deste modo, se o Estado-administração não atender a tais direitos de forma voluntária, o Poder Jurisdicional o compelirá ao cumprimento das garantias fundamentais dos cidadãos, até porque vigente o Princípio da Inafastabilidade do controle jurisdicional a toda lesão ou ameaça a direitos (artigo ., inciso XXXV da Constituição Federal).

No mais não há que se falar em questão orçamentária a implicar restrição ao direito do paciente, “Cumpre notar que se a despesa para o cumprimento de preceito constitucional precisa de prévia previsão orçamentária, isso deve ser providenciado pelo Estado e não pela apelada.” (AC nº. 334.954-5/2, Rel. Des. REBELLO PINHO ).

É certo que o direito à vida não pode ser prejudicado por normas relacionadas a protocolos clínicos e nem mesmo a programas do governo, sob pena de se deturpar até mesmo o escopo da lei, que por certo não se trata de impedir o respeito à dignidade da pessoa humana, ressaltando-se aqui o princípio da proporcionalidade.

Não se olvide, outrossim, a prescrição foi feita por profissional especialista, fazendo constar do documento seu nome e número

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do seu registro junto à Autarquia Especial, de modo que, ao subscrever tal parecer, o fez sob as penas da lei, sujeitando-se, inclusive, às penas previstas no artigo 302, do Código Penal, caso ateste algo de forma inverídica.

Assim, observa-se ainda que, no caso, a necessidade ou não dos insumos solicitados é da competência do DR. NEWTON SATORU ODASHIMA (CREMESP nº. 48.860), como decorre do Código de Ética Profissional (Resolução nº. 1.146, de 09.01.88 do Conselho Federal de Medicina) de sorte que o inconformismo acerca da conveniência ou não do fornecimento de tal tratamento, não comporta acolhida, sobretudo se consideramos que inexiste qualquer obrigatoriedade de o cidadão consultar-se com médicos da rede pública para comprovar sua moléstia.

E nesse esteio, tem-se que a lista padronizada do Ministério da Saúde, de medicamentos a serem fornecidos pelo Estado, é meramente enunciativa, o que não afasta o dever constitucional de garantir a vida e o acesso à saúde.

Por derradeiro, no tocante ao arbitramento da multa diária imposta em caso de descumprimento, não há que se falar na sua exclusão, uma vez que “as 'astreintes' podem ser fixadas pelo juiz de ofício, mesmo sendo contra pessoa jurídica de direito público, que ficará obrigada a suportá-las caso não cumpra a obrigação de fazer no prazo estipulado” (STJRF 370/297: 6ª. T., REsp 201.378).

Nesse diapasão tem se decidido no Egrégio Superior Tribunal de Justiça, “consoante entendimento consolidado do Superior Tribunal de Justiça, em se tratando de obrigação de fazer, é permitido ao juízo da execução, de ofício ou a requerimento da parte, a imposição de multa cominatória ao devedor, mesmo que seja contra a Fazenda Pública”. (AG RG REsp. nº. 439.935/RS, rel. Min. GILSON DIPP , j. em 01.10.02).

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Deste modo, tenho que o valor arbitrado pelo magistrado singular (R$ 100,00) não se mostra excessivo, pelo que o apelo deve ser improvido também quanto a este ponto.

Apenas para evitar maiores prejuízos ao erário, imponho o limite máximo de R$ 10.000,00.

Por fim, já é entendimento pacifico de que não está obrigado o julgador a citar todos os artigos de lei e da Constituição Federal para fins de prequestionamento. Nessa esteira, ficam consideradas prequestionadas todas as matérias e disposições legais discutidas pelas partes.

Isto posto, dá-se parcial provimento ao recurso oficial.

LEME DE CAMPOS

RELATOR

Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/tj-sp/661599799/inteiro-teor-661599819