4 de Julho de 2022
- 2º Grau
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Detalhes da Jurisprudência
Órgão Julgador
Publicação
Julgamento
Relator
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Inteiro Teor
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO
26ª Câmara de Direito Privado
Agravo de Instrumento nº 2144277-17.2019.8.26.0000
Registro: 2019.0000941143
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Agravo de Instrumento nº 2144277-17.2019.8.26.0000, da Comarca de Presidente Epitácio, em que é agravante TRANSPORTADORA DOIS IRMÃOS DE PRESIDENTE EPITÁCIO - LTDA - ME, é agravado AMARO BARBOSA DE LIMA.
ACORDAM , em sessão permanente e virtual da 26ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: Rejeitada a preliminar, negaram provimento, nos termos que constarão do acórdão. V. U. , de conformidade com o voto do relator, que integra este acórdão.
O julgamento teve a participação dos Desembargadores FELIPE FERREIRA (Presidente) e BONILHA FILHO.
São Paulo, 8 de novembro de 2019.
ANTONIO NASCIMENTO
Relator
Assinatura Eletrônica
PODER JUDICIÁRIO
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26ª Câmara de Direito Privado
Agravo de Instrumento nº 2144277-17.2019.8.26.0000
2ª Vara Judicial da Comarca de Presidente Epitácio/SP
Agravante: TRANSPORTADORA DOIS IRMÃOS DE PRESIDENTE EPITÁCIO LTDA ME
Agravado: AMARO BARBOSA DE LIMA
Interessados: ANTONIO FERREIRA DA SILVA, ADENILTON FERREIRA DA SILVA
MM. Juíza de Direito: Drª LARISSA CERQUEIRA DE OLIVEIRA
VOTO Nº 25.059
AGRAVO DE INSTRUMENTO AÇÃO DE INDENIZAÇÃO CUMPRIMENTO DE SENTENÇA INCIDENTE DE DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA
ABUSO DA PERSONALIDADE ENCERRAMENTO IRREGULAR DE EMPRESA TEORIA MAIOR DA DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA
EXCEÇÃO DENTRO DO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO ALÉM DO ENCERRAMENTO IRREGULAR DAS ATIVIDADES, FICOU COMPROVADA A DILAPIDAÇÃO DO PATRIMÔNIO DA PESSOA JURÍDICA EXECUTADA APLICAÇÃO DOS ARTIGOS 50 E 187, DO CÓD. CIVIL NECESSIDADE. Situação fática da postulante evidencia o preenchimento, ao menos em tese, dos requisitos gizados pela lei de regência. Há fortes indícios de que os agravados sócios da executada se utilizaram de artifícios ardilosos para ocultar e dilapidar seu patrimônio, frustrando, de tal arte a execução. Interesse recursal da empresa executada, eis que lhe é possível discutir o mérito da decisão que desconsiderou sua responsabilidade jurídica. PRELIMINAR AFASTADA. RECURSO DESPROVIDO.
Trata-se de agravo de instrumento
interposto por Transportadora Dois Irmãos de Presidente Epitácio Ltda ME,
em incidente de desconsideração da personalidade jurídica , oriundo de
procedente ação de indenização , em fase de cumprimento de sentença, que
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a inclusão dos sócios, ora agravantes, no polo passivo da execução.
Inconformada, a agravante sustenta
ausência dos requisitos autorizados da desconsideração.
Os agravantes cumpriram as formalidades
dos artigos 1.016 e 1.017, ambos do CPC. Desnecessária a requisição de informações ao juízo.
O recurso tramitou no efeito devolutivo (fls. 36).
Contraminuta a fls. 39/46, com preliminar
de falta de interesse recursal da agravante.
É o relatório.
Afasta-se a questão isagógica
relacionada à falta de interesse recursal, uma vez que a agravante tem o direito de discutir o mérito da decisão que desconsiderou sua personalidade jurídica.
O ponto nodal da discórdia, trazido à
apreciação deste colegiado, diz respeito, tão somente, à decisão que deferiu a desconsideração da personalidade jurídica.
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Denominada “disregard of legal entity” , no
sistema da “common law”, conhecida na França pela expressão “mise à l´écart de la personnalité morale” , qualificada, na Itália, “superamento della personalità giuridica” , designada, na Alemanha “durchgriff der juristichen Personen” e, na Espanha, “desestimación de la personalidad jurídica” , a desconsideração da personalidade jurídica surgiu, na tela da história, através de decisões judiciais, com especial ênfase para o caso envolvendo o “Bank of United States e Deveaux” , de 1809, julgado nos Estados Unidos pelo juiz Marshall, e para o caso “Salomon vs. Salomon & Co.” , julgado na Inglaterra, e em que “o juiz de primeiro grau desconsiderou a personalidade jurídica da companhia criada por Aaron Salomon, com seis componentes de sua família, considerando-a, na realidade, extensão da sua atividade pessoal, permanecendo como proprietário do estabelecimento que formalmente transferira à sociedade, através do que recebera obrigações garantidas.” 1 Conquanto a “House of Lords” haja reformado a decisao, em 1897, ela passou a ser considerada um marco miliário na evolução jurisprudencial relativa à temática da desconsideração da personalidade jurídica.
Entre nós, o eminente comercialista Prof.
Rubens Requião é apontado como um dos primeiros a enfrentar o repto da desconsideração da personalidade jurídica, tratando a matéria, sistematicamente, em trabalho estampado no mês de dezembro de 1969, na Revista dos Tribunais (RT 410), intitulado “Abuso de direito e fraude através da personalidade jurídica” . No plano da legislação, vários são os diplomas que focalizam o tema, distinguindose, entre eles, o Código de Defesa do Consumidor, que dele se ocupa em seu art. 28, e o art. 50 do Código Civil.
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Ponto de partida para a exegese do art.
50 do “Código Reale” é a constatação de que um dos principais apanágios da personalidade jurídica é justamente sua autonomia em relação aos seus membros, pessoas naturais que a constituem. Mas, configurado o abuso de personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial, a intangibilidade da pessoa jurídica deve ser afastada. Para tanto, todavia, deve o magistrado agir com a máxima cautela na investigação dos fatos, só placitando a desconsideração da personalidade jurídica que é exceção dentro do ordenamento jurídico brasileiro se os seus requisitos específicos estiverem concretamente demonstrados. Outra não é a orientação proveniente de copiosa jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça , de que é paradigma o seguinte pronunciamento:
“FALÊNCIA. ARRECADAÇÃO DE BENS PARTICULARES DE SÓCIOS-DIRETORES DE EMPRESA CONTROLADA PELA FALIDA. DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA (DISREGARD DOCTRINE). TEORIA MAIOR. NECESSIDADE DE FUNDAMENTAÇÃO ANCORADA EM FRAUDE, ABUSO DE DIREITO OU CONFUSÃO PATRIMONIAL. RECURSO PROVIDO.
(...).
2. A jurisprudência da Corte, em regra, dispensa ação autônoma para se levantar o véu da pessoa jurídica, mas somente em casos de abuso de direito cujo delineamento conceitual encontra-se no art. 187 do CC/02 , desvio de finalidade ou confusão patrimonial, é que se permite tal providência. Adota-se, assim, a 'teoria maior' acerca da desconsideração da personalidade jurídica, a qual exige a configuração objetiva de tais requisitos para sua configuração.” 2
Em verdade, tal circunstância, a saber, o
encerramento irregular das atividades da empresa, por si só, não autoriza a aplicação da teoria da desconsideração da personalidade jurídica (“disregard of 2 STJ 4ª Turma - REsp 693.235/MT - Recurso Especial 2004/0140247-0 Rel. Min. Luiz Felipe Salomão
DJ: 17/11/2009 DP: (DJe): 30/11/2009.
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the legal entity”), ou, ainda, (“disregard doctrine”). Com efeito, no caso em exame, não se tem apenas encerramento irregular das atividades empresariais. Para além disso, os recorridos trazem à colação uma descrição fática a respeito da empresa-executada, que desborda da conclusão simplista de que apenas teria ocorrido o encerramento irregular das atividades da empresa.
Cumpre reiterar o ensinamento prevalente
no sentido de que o simples fato do encerramento da pessoa jurídica não é bastante para se afirmar a existência de fraude contra os credores.
É certo, porém, que a dissolução de fato
da sociedade, sem deixar patrimônio suficiente para saldar suas dívidas, implica forte indício de ocorrência de fraude contra credores, de sorte a dar azo à desconsideração de sua personalidade jurídica.
Tal conclusão se impõe, com maior razão,
na medida em que as provas trazidas aos autos demonstram que houve por parte da ré clara tentativa de esvaziar seu patrimônio por meio de doações aos agravantes. Resulta, manifesto, pois, o abuso da personalidade jurídica. Inescondível a fraude aos credores.
E a responsabilidade patrimonial, no caso
em estudo, deve sim se estender aos sócios da agravante, aliás, quem, de fato, detém interesse recursal para impugnar a decisão objurgada ( CPC, art. 996). Logo, imperiosa a manutenção da decisão agravada.
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preliminar, nega-se provimento ao recurso.
Antonio (Benedito do) Nascimento
RELATOR