29 de Junho de 2022
- 2º Grau
Acesse: https://www.jusbrasil.com.br/cadastro
Detalhes da Jurisprudência
Órgão Julgador
Publicação
Julgamento
Relator
Acesse: https://www.jusbrasil.com.br/cadastro
Inteiro Teor
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO
Registro: 2020.0000017184
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1076439-65.2019.8.26.0100, da Comarca de São Paulo, em que é apelante/apelado BANCO DO BRASIL S/A, é apelada/apelante ILZA DE FÁTIMA LEAL.
ACORDAM , em sessão permanente e virtual da 37ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: Negaram provimento ao recurso da autora e deram provimento em parte ao recurso do réu. V.U. , de conformidade com o voto do relator, que integra este acórdão.
O julgamento teve a participação dos Desembargadores PEDRO KODAMA (Presidente) e JOSÉ TARCISO BERALDO.
São Paulo, 20 de janeiro de 2020.
SERGIO GOMES
Relator
Assinatura Eletrônica
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO
APELAÇÃO 1076439-65.2019.8.26.0100
COMARCA DE SÃO PAULO
APELANTES e APELADOS, reciprocamente: ILZA DE FÁTIMA LEAL (autora) e BANCO DO BRASIL S/A (réu)
VOTO 39.346
APELAÇÕES AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E MATERIAIS - GOLPE DO MOTOBOY SENTENÇA DE PARCIAL PROCEDÊNCIA RECURSO DE AMBAS AS PARTES.
1. DANOS MATERIAIS - Argumentos da casa bancária que, em parte, convencem - Golpe do Motoboy - Culpa concorrente da consumidora e da instituição financeira Requerida que sai condenada ao ressarcimento de metade do prejuízo material sofrido pela parte autora.
2. DANOS MORAIS Dever de indenizar não caracterizado Conduta da autora que foi causa eficiente dos danos Precedente desta C. Câmara.
RECURSO DA AUTORA DESPROVIDO E PROVIDO EM PARTE DO BANCO RÉU.
Cuida-se de ação declaratória de inexigibilidade de débito e reparação de danos ajuizada por ILZA DE FÁTIMA LEAL em face de BANCO DO BRASIL S/A, alegando ter sido vítima de terceiros fraudadores (“golpe do motoboy”), que utilizaram seu cartão de crédito.
Após regular processamento em primeiro grau de jurisdição foi proferida sentença de parcial procedência, a fim de “determinar a imediata cessação dos descontos dos empréstimos consignados nºs 101.371.000.076.973 e 101.841.000.081.986, abstendo-se a parte ré de negativar o nome da autora pelos débitos descritos na inicial, confirmando-se a liminar, rescindindo-se definitivamente os contratos de empréstimo consignado nºs 101.371.000.076.973 e 101.841.000.081.986, devendo o réu estornar todas as transações realizadas com o cartão Ourocard Visa Gold nº 4984.****.****.4537 a partir das 15h15 min do dia 03/05/19, incluídas compras a débito e crédito, saques de conta corrente e transferências eletrônicas, totalizando R$ 16.585,24, devendo o réu emitir novo boleto apenas com as compras realizadas pela autora, nos termos descritos na inicial, no prazo de 30 dias contado da publicação da presente sentença, sob
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO
pena de multa diária no importe de R$ 200,00, até o limite de 20 dias” (fls. 207/216).
Foram interpostos embargos de declaração pela autora (fls. 218/219), os quais foram rejeitados (fls. 281/283).
Inconformados, o réu Banco do Brasil S/A e a autora apelam.
Em seu recurso, a casa bancária aduz, preliminarmente, (i) falta de interesse de agir; (ii) revogação da concessão da tutela, bem como da multa diária aplicada. No mérito, sustenta, em síntese, que não houve falha alguma de sua parte, pois a autora que facilitou o acesso a seu cartão e senha bancários, bem como não cuidou da guarda do mesmo. Ressalta que “não há que se falar em falha na prestação de serviço do banco, tão pouco em responsabilidade por qualquer dano, visto que se ocorreram foram por culpa exclusiva da parte Apelada”. Afirma que “no caso em tela não há indícios de fraude, haja vista que foi utilizada a senha pessoal e intransferível da requerente, além do notório fato de que o cartão possui a tecnologia CHIP, que impossibilita fraudes”. Alega a ocorrência de excludente de responsabilidade por culpa de terceiro e/ou da vítima, o que fulminaria o nexo causal. Frisa que eventual fraude seria decorrente de culpa exclusiva da vítima ou de ato de terceiro, de modo que não pode ele, banco, ser condenado por tais fatos e que, como não cometeu qualquer irregularidade, não deveria ter sido condenado a devolver valores. Requer provimento (fls. 231/270).
A autora, por sua vez, busca a reforma do julgado no que concerne à improcedência do pleito de indenização por danos morais. Subsidiariamente, requer a alteração da distribuição da sucumbência, pois decaiu de parte mínima do pedido. Requer o provimento do recurso (fls. 300/308).
Recursos tempestivos e preparados. Resposta às fls. 293/299, com preliminar de não conhecimento do recurso do banco réu, e às fls. 315/331.
É O RELATÓRIO.
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO
julgado. O acolhimento ou não das teses que sustenta é questão de mérito, não se resolvendo em sede preliminar.
Nos termos do artigo 1.010, II e III do novo Código de Processo Civil, a apelação deve conter, entre outros requisitos, “a exposição do fato e do direito” e “as razões do pedido de reforma ou de decretação de nulidade”, ou seja, o apelante deve dar as razões pelas quais entende deva ser reformada a sentença recorrida, o que se verificou.
Quanto a preliminar de falta de interesse de agir, não merece prosperar o argumento do réu de que há carência de ação do autor, porque não praticou nenhum ilícito, pois a presença de suas condições é verificada segundo a teoria da asserção, a qual tem prevalecido no STJ, conforme o REsp 1.354.983-SE, assim ementado no que aqui interessa:
ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. RESPONSABILIDADE DA ADMINISTRAÇÃO. RECURSO ESPECIAL. DISCUSSÃO ATINENTE À LEGITIMIDADE ATIVA AD CAUSAM E À COMPROVAÇÃO DA PROPRIEDADE DO IMÓVEL ATINGIDO POR INUNDAÇÃO. NÃO PROVIMENTO. 4. A legitimidade ativa ad causam é uma das condições da ação. Sua aferição, em conformidade com a teoria da asserção, a qual tem prevalecido no STJ, deve ocorrer in status assertionis, ou seja, à luz das afirmações do demandante [...] ( REsp 1.354.983-SE (2012/0222480-0), Segunda Turma, relator Ministro HERMAN BENJAMIN, julgado em 16/05/2013).
Pois bem.
Cuida-se, a lide, sobre o famigerado golpe do motoboy, em decorrência do qual a autora, depois de receber ligação de falsário que se passava por preposto da casa bancária, forneceu informações sensíveis e entregou o plástico a portador que se dirigira a sua residência, a partir de quanto subtraída considerável quantia de sua conta.
A causa de pedir foi assim relatada na petição inicial, a respeito dos prejuízos experimentados:
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO
como funcionário do réu, a autora tomou o cuidado de recortar e “picotar” seu cartão pessoal para inviabilizar o uso desautorizado. 7. Todavia, não foi o bastante a evitar a utilização do dinheiro plastificado já no próprio dia 03/05/2019, seguindo-se as fraudes daí em diante, em transações a débito que somaram R$ 7.400,00 e outros 9.185,24 a crédito, motivando a comunicação policial, em duas oportunidades, bem como a contestação de débitos não reconhecidos junto ao réu, ao final improcedente (docs. 3/4). 8. Diante da negativa de cobertura do réu, e temendo pela negativação de seu nome e das nefastas consequências advindas do inadimplementos dos absurdo valores que foram subtraídos, a autora se viu forçada a contrair dois empréstimos consignados perante o mesmo Banco do Brasil, nos valores de R$ 10.000,00 e R$ 6.000,00, ambos para quitação em 48 vezes, a fim de retirar sua conta do vermelho provisoriamente (doc. 5).
Anote-se que o Código de Defesa do Consumidor também se aplica às instituições financeiras, na esteira do entendimento sumulado do c. Superior Tribunal de Justiça (verbete 297): “O Código de Defesa do Consumidor é aplicável às instituições financeiras”.
Assim é direito da autora a facilitação da defesa de seus interesses em juízo ( CDC, art. 6º, VIII), inclusive com a inversão dos ônus probatórios ( CDC, art. 6º, IV).
No tema da responsabilidade civil das instituições financeiras, há entendimento jurisprudencial sumulado no âmbito do c. Superior Tribunal de Justiça (verbete 479), verbis: “As instituições financeiras respondem objetivamente pelos danos gerados por fortuito interno relativo a fraudes e delitos”.
A parte autora demonstrou que ocorreram transações não reconhecidas por meio de seu cartão de crédito, depois da ocorrência do famigerado “Golpe do Motoboy”, como bem observado pelo douto sentenciante: “(...) verifica-se falha da instituição ao autorizar as operações em pouco tempo, de forma incompatível com o perfil habitual da autora, deixando de detectar a fraude em tempo hábil. O réu não ofertou, consoante lhe competia, nos termos do art. 434 do CPC, prova documental de idoneidade das operações bancárias e a presunção não o escusa dessa responsabilidade, sendo seu dever comprovar a
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO
autoria das operações” (fls. 212).
Especificamente no que concerne a esta modalidade de crime,
popularmente conhecido como “golpe do motoboy”, alterando posicionamento
anterior desta relatoria, é caso de se reconhecer a culpa concorrente das partes
pelo prejuízo causado por criminosos, o que leva à reforma da r. sentença.
A casa bancária cometeu ilícito porque permitiu que terceiros
falsários se apropriassem de dados bancários sensíveis do consumidor e não
observou padrões de consumo; a autora, por seu turno, porque contrariou
instruções fornecidas pelo prestador de serviço, bem como o próprio senso
comum, ao fornecer senha e o plástico a motoboy.
Não é outro o entendimento adotado por esta c. Câmara:
RESPONSABILIDADE CIVIL Falha na prestação de serviços relativa a uso de cartão de débito/crédito Vítima de "golpe do motoboy" Cartão entregue a terceiro em razão de ligação recebida Culpa concorrente do consumidor Prejuízo que deve ser compartilhado entre consumidor e prestador de serviços - Inteligência do art. 14 do CDC e do art. 945 do Cód. Civil. DANO MORAL Inocorrência Falha na prestação de serviços bancários que foi causada pelo consumidor
Inexistência de outros dissabores, além daqueles diretamente decorrentes da fraude - Sentença reformada Apelação parcialmente provida. ( Apelação 1000351-80.2018.8.26.0565, rel. Des. Tarciso Beraldo, j. 19/03/2019) (grifou-se)
AÇÃO DECLARATÓRIA. Transações realizadas com cartão de crédito não reconhecidas pelo autor. Pessoa que se identificou como funcionário do banco por contato telefônico. Cartão entregue a "motoboy". Sentença de improcedência. Pretensão de reforma. CABIMENTO EM PARTE: Conduta do autor que constituiu causa eficiente do dano, por ter entregado seus cartões de crédito a terceiro. Também houve falha na prestação do serviço do Banco réu, que deveria ter agido preventivamente para evitar o resultado danoso e foi negligente em observar e impedir movimentação bancária fora do perfil da parte, tendo deixado de bloquear o cartão. Concorrência de culpa . Repartição do prejuízo. Sentença parcialmente reformada. DANOS MORAIS - Pretensão deduzida nas razões do recurso. NÃO CONHECIMENTO: Não pode o autor trazer questão não suscitada em primeira instância. Há assim verdadeira inovação em sede recursal. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO NA PARTE
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO
CONHECIDA. ( Apelação 1060547-53.2018.8.26.0100, rel. Des. Israel Góes dos Anjos, j. 26/02/2019) (grifou-se)
Assim, de rigor a reforma da r. sentença, para que reconhecida a concorrência de culpas e condenada, a casa bancária, a reparar a metade do prejuízo patrimonial sofrido pela demandante, o que também prejudica o pedido de indenização por danos morais, já os infortúnios decorreram, ainda que em parte, da conduta do próprio lesado.
Assim, de rigor a reforma da r. sentença, para que reconhecida a concorrência de culpas e condenada, a casa bancária, a reparar a metade do prejuízo patrimonial sofrido pela parte autora. Tais valores devem ser atualizados segundo os índices da Tabela Prática deste Tribunal, desde a data da fraude, assim como acrescidos de juros de mora de um por cento ao mês, a contar da citação.
Relativamente aos danos morais, temos que sem razão a autora, porque o imbróglio, em muito diz com a conduta da requerente.
Consoante já decidiu esta C. Câmara em precedente da espécie, descabe falar em danos morais, porque “A conduta do autor foi causa eficiente do dano” ( Apelação 1005210-75.2018.8.26.0554. rel. Des. Israel Góes dos Anjos.
Julgado o mérito, encerrando-se assim o julgamento perante instâncias ordinárias, descabe cogitar de revogação da tutela antecipada (suspensão das cobranças, sob pena de multa), porque eventuais recursos extraordinários não terão o condão de suspender a eficácia do presente decisum. Ademais, nesse momento processual, não há falar em afastamento ou diminuição das astreintes, nos termos do que já decidido por ocasião do julgamento do agravo de instrumento tirado da decisão que as fixou.
Diante do decaimento em menor parte do banco réu, determinase sua condenação em 1/3 das custas e despesas processuais, carreando os 2/3 restantes à autora. No que tange à verba honorária, em vista do provimento parcial, fixam-se os honorários sucumbenciais a serem pagos pela requerente ao advogado do requerido em R$ 2.400,00 (dois mil e quatrocentos reais), além dos Apelação Cível nº 1076439-65.2019.8.26.0100 -Voto nº 39346 7
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO
honorários devidos pela casa bancária aos patronos da parte adversa, fixados também por equidade, em R$ 1.200,00 (mil e quatrocentos reais).
Frise-se, para se evitar incidentes desnecessários, que não está o órgão julgador obrigado a tecer considerações acerca de toda a argumentação deduzida pelas partes, senão que a decidir e dar os fundamentos, o caminho percorrido pelo seu intelecto, para chegar à solução encontrada, o que se verificou no caso concreto.
Ademais, para acesso às instâncias extraordinárias é desnecessária expressa menção a todos os dispositivos legais deduzidos pelas partes. De todo modo, registra-se que é pacífico o entendimento do Superior Tribunal de Justiça no sentido de que “tratando-se de prequestionamento, é desnecessária a citação numérica dos dispositivos legais bastando que a questão posta tenha sido decidida” (ED em RMS nº 18205-SP, rel. Min. Felix Fischer, j. 18.04.2006).
Ante o exposto, nega-se provimento ao recurso da autora e dáse provimento em parte ao recurso do banco réu.
SERGIO GOMES
Relator