18 de Agosto de 2022
- 2º Grau
Acesse: https://www.jusbrasil.com.br/cadastro
Detalhes da Jurisprudência
Processo
Órgão Julgador
Publicação
Julgamento
Relator
Acesse: https://www.jusbrasil.com.br/cadastro
Inteiro Teor
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO
Registro: 2020.0000227393
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº XXXXX-89.2017.8.26.0568, da Comarca de São João da Boa Vista, em que é apelante/apelado PREFEITURA MUNICIPAL DE SÃO JOÃO DA BOA VISTA, é apelado/apelante MINISTÉRIO PÚBLICO DO EST. DE SP, Apelados EDNA FERNANDES CASTILHO, LUIZ ANTONIO CASTILHO e JÂNIO ALVES FERREIRA.
ACORDAM , em sessão permanente e virtual da 4ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: Recurso da Municipalidade provido e provida em parte a apelação do Ministério Público. V.U. , de conformidade com o voto do relator, que integra este acórdão.
O julgamento teve a participação dos Desembargadores ALCIDES LEOPOLDO (Presidente), MARCIA DALLA DÉA BARONE E MAURÍCIO CAMPOS DA SILVA VELHO.
São Paulo, 31 de março de 2020.
ALCIDES LEOPOLDO
Relator
Assinatura Eletrônica
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO
APELAÇÃO CÍVEL
Processo n.: XXXXX-89.2017.8.26.0568
Comarca: São João da Boa Vista (2ª Vara Cível)
Apelantes: Município de São João da Boa Vista e Ministério Público
do Estado de São Paulo
Apelados: Os mesmos e Edna Fernandes Castilho e outros
Juiz: Heitor Siqueira Pinheiro
Voto n. 18.972
EMENTA: LOTEAMENTO IRREGULAR Área Rural
Prescrição – Não ocorrência - Infrações omissivas de caráter permanente Inexistência de responsabilidade solidária do Município - Compete ao INCRA a fiscalização e identificação de loteamentos irregulares em zona rural e aos municípios a fiscalização nas zonas urbanas, de expansão urbana ou de urbanização específica, em razão do que é parte ilegítima passiva ad causam o Município de São João da Boa Vista – Obrigações dos loteadores definidas - Recurso da Municipalidade provido e provida em parte a apelação do Ministério Público.
Trata-se de ação civil pública movida pelo Ministério
Público do Estado de São Paulo, conforme, ainda, o aditamento de fls.
263/264, na proteção de interesses difusos e individuais homogêneos, visando
compelir os requeridos a regularizarem um loteamento clandestino aberto às
margens da Estrada Vicinal de Santo Antônio do Jardim, na altura do Km 11,
no Município de São João de Boa Vista. Esclarece, para tanto, que a partir de
uma área maior de 31.003,00 metros (objeto da matrícula M - 37.164), por
compromissos de venda e compra entre si, os primeiros réus acabaram por
dividir dita propriedade em 09 lotes. Todavia, consideradas as peculiaridades
do tempo passado, as construções edificadas no trecho, a existência de certos
serviços públicos e, agora, com esteio em normas que recepcionam o caráter
social da medida, pede para que façam a regularização jurídica e o registro
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO
adequado dessa área pleiteando liminarmente o bloqueio da matrícula e outros bens dos requeridos Edna, Luiz e Jânio.
A r. sentença, cujo relatório se adota, julgou procedente a ação, condenando os requeridos, de modo solidário, a regularizarem a área descrita na inicial, sendo garantido ao Município de São João da Boa Vista o direito de regresso do preço correspondente às despesas que suportar. Ao Município requerido, no prazo de seis meses a partir do trânsito em julgado, caberá providenciar a abertura do prévio procedimento administrativo de REURB, fornecendo os réus proprietários/compromissários os documentos próprios, quando solicitados pela Municipalidade, ciente que, caso não ofertem essa colaboração, se não regularizada a área ocupada por eles, poderão sofrer por ordem de demolição das construções existentes, sem condenação nas verbas de sucumbência, por inaplicável à espécie (fls. 661/667).
O Município de São João da Boa Vista apelou sustentando que não se omitiu no poder de fiscalização, pois o imóvel encontra-se cadastrado no INCRA, fora do perímetro urbano, a quilômetros de distância do centro da cidade e onde não se constatou a abertura de ruas, execução de guias, sarjetas e edificações, tampouco comercialização de lotes (fls. 201/202), não se constatando, assim, indícios de loteamento clandestino. Assevera que não há que se falar em condenação solidária, pois esta não se presume, não podendo ser a municipalidade compelida a obrigações que caberiam aos réus loteadores, sendo que o artigo 40 da Lei nº 6.766/79 concede ao município apenas a faculdade de realizar obras de infraestrutura em loteamentos localizados em área urbana, o que não é o caso dos autos, não podendo ainda o Judiciário compelir o Município à pretendida regularização, em detrimento de seu planejamento administrativo e orçamentário, aduzindo, Apelação Cível nº XXXXX-89.2017.8.26.0568 -Voto nº 18.972 3
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO
por fim, que eventual responsabilização do Município deve ser limitada a autorizar a regularização com base na Lei nº 13.465/17, cabendo aos demais corréus suprir solidariamente os custos dos projetos e das obras necessárias à regularização do parcelamento, requerendo a reforma e prequestionando os arts. 339 e 373, I do CPC, as Leis nº 6.766/79 e nº 13.465/17, arts. 1º, 2º, 5º, incisos XXXV e LV, 37, § 6º e 93, IX da Constituição Federal (fls. 692/710).
O Ministério Público também recorreu, pleiteando a necessidade de reforma da decisão para que os requeridos sejam condenados nos exatos termos postulados na inicial, isso porque embora solidária a responsabilidade dos réus, é certo que aos loteadores cabe o encargo principal de providenciar o empreendimento de forma regular do início ao fim, e, da forma como posta na sentença, transferiu-se ao ente público municipal todo ônus de dar início ao processo de regularização da área, deixando os corréus, principais responsáveis pelas irregularidades, em situação de passividade, devendo agir apenas quando provocados pelo município, o que desnatura o escopo da solidariedade intrinsicamente existente em casos de loteamento irregular, tanto que o art. 6º da Lei nº 6.766/79 dispõe, expressamente, caber ao interessado (loteador) apresentar ao município requerimento e planta do imóvel para que este analise e defina as diretrizes para uso do solo, requerendo a reforma para condenação dos requeridos nos termos dos itens a a g da inicial (fls. 718/721).
Foram apresentadas contrarrazões (fls. 715/717, 726/729, 730/737 e 738/746), arguindo a corré Edna, preliminarmente, matéria de ordem pública consistente na prescrição do direito de ação, ante o lapso temporal de mais de vinte anos do início das vendas, ou 15 anos da finalização das mesmas, o que supera em muito o prazo prescricional de cinco anos para interposição da ação civil pública.
Apelação Cível nº XXXXX-89.2017.8.26.0568 -Voto nº 18.972 4
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO
A D. Procuradoria de Justiça opinou pelo desprovimento do recurso da Municipalidade e pelo provimento do apelo do Ministério Público (fls. 752/761).
É o Relatório.
Cuidando-se de loteamento irregular não se pode falar em prescrição. O entendimento do Superior Tribunal de Justiça é no sentido de que: "na modalidade de ilícito em questão (parcelamento do solo urbano), não incide a prescrição, pois se trata de infrações omissivas de caráter permanente, o que equivale a dizer que, pelo menos no âmbito cíveladministrativo, a ilegalidade do loteamento renova-se a cada instante" ( AgRg no Ag 928.652/RS, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 21/02/2008, DJe 13/11/2009), o que se justifica no caso, não somente pela violação ao direito dos consumidores adquirentes, mas pela afronta à legislação urbanística e ambiental, pela existência de área de preservação permanente indevidamente utilizada, impondo-se a regularização fundiária.
É inequívoco que na área em questão, denominada Sítio Macuco, houve o parcelamento irregular rural, e não a venda de partes ideais de área rural como alegado, o que se denota dos instrumentos de venda e compra de fls. 173/179, relativos a áreas definidas e subdivididas em lotes, conforme croquis de fls. 172 (pro diviso).
Consoante a informação da Municipalidade de fls. 202/202, a área em discussão não faz parte do perímetro urbano, não havendo constatação de aberturas de ruas, execução de guias, sarjetas e edificações
É assente perante o Superior Tribunal de Justiça, a obrigatoriedade de fiscalização do Município em relação aos loteamentos
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO
irregulares urbanos, ressaltando-se que: “o Município tem o poder-dever de agir no sentido de regularizar loteamento urbano ocorrido de modo clandestino, sem que a Prefeitura Municipal tenha usado do seu poder de polícia ou das vias judiciais próprias, para impedir o uso ilegal do solo. O exercício desta atividade é vinculada” ( REsp XXXXX/SP, Rel. Ministro FRANCISCO PEÇANHA MARTINS, SEGUNDA TURMA, julgado em 22/08/2000, DJ 25/09/2000, p. 84), bem como, quanto a responsabilidade solidária do Município que: “1. É dever do município fiscalizar os loteamentos, desde a aprovação até a execução de obras. 2. A CF/88 e a lei de parcelamento do solo (Lei 6.766/79) estabelecem a solidariedade na responsabilidade pela inexecução das obras de infra-estrutura (art. 40).3. Legitimidade do município para responder pela sua omissão e inação da loteadora.( REsp XXXXX/SP, Rel. Ministra ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA, julgado em 25/09/2001, DJ 29/10/2001, p. 194)”, e, ainda, que: “as exigências contidas no art. 40 da Lei n. 6. 766/99 encerram um dever da municipalidade de, mesmo que para fins sociais, regularizar loteamento urbano, visto que, nos termos do art. 30, VIII, da Constituição Federal, compete-lhe promover o adequado ordenamento territorial mediante planejamento, controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano”(REsp 131.697/SP, Rel. Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, SEGUNDA TURMA, julgado em 07/04/2005, DJ 13/06/2005, p. 216), e que: "segundo entendimento do Superior Tribunal de Justiça, o Município tem o poder-dever de agir para fiscalizar e regularizar loteamento irregular, pois é o responsável pelo parcelamento, uso e ocupação do solo urbano, atividade essa que é vinculada ( AgRg no AREsp 446.051/SP, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 27/03/2014, DJe 22/04/2014)".
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO
admitido o parcelamento do solo para fins urbanos em zonas urbanas, de expansão urbana ou de urbanização específica, assim definidas pelo plano diretor ou aprovadas por lei municipal". A lei do parcelamento não se aplica aos loteamentos para fins rurais, dispondo o art. 53 da Lei n. 6.766/79, que"todas as alterações de uso do solo rural para fins urbanos dependerão de prévia audiência do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária -INCRA, do Órgão Metropolitano, se houver, onde se localiza o Município, e da aprovação da Prefeitura municipal, ou do Distrito Federal quando for o caso, segundo as exigências da legislação pertinente".
Compete ao INCRA, consoante os arts. 13, 14, 93 e 96 do Decreto Federal 59.428/66 c.c. os arts. 1º e 2º do Decreto-Lei Federal 1.110/70, a fiscalização e identificação de loteamentos irregulares em zona rural e aos municípios a fiscalização nas zonas urbanas, de expansão urbana ou de urbanização específica, em razão do que é parte ilegítima passiva ad causam o Município de São João da Boa Vista.
No tocante à apelação do Ministério Público, caberá aos demais requeridos, EDNA FERNANDES CASTILHO, LUIZ ANTÔNIO CASTILHO e JÂNIO ALVES FERREIRA, no prazo de 06 meses da intimação, no cumprimento de sentença provisório ou definitivo, e não da sentença, apresentarem"os projetos necessários do parcelamento perante aos órgãos públicos, inclusive com solução para as áreas destinadas à implantação de equipamento urbano e comunitário e espaços livres de uso público, como previsto no Art. 4º, inciso I, da Lei nº 6766/79 e legislação municipal vigente, sob pena de incidência da multa diáriaeexecutarem, em toda a extensão do parcelamento, as obras de infraestrutura exigidas pela Lei Federal nº 6.766/79 e art. 15 da Lei Municipal nº 1.366/2004 (ou a vigente na data das obras), no prazo de 24 (vinte e quatro) meses a contar da data da expedição do decreto de Apelação Cível nº XXXXX-89.2017.8.26.0568 -Voto nº 18.972 7
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO
aprovação do parcelamento pela Prefeitura Municipal, sob pena de incidência da multa diáriaeapós a expedição do decreto de aprovação do parcelamento expedido pela Prefeitura Municipal, a promoverem o registro do loteamento perante o Cartório de Registro de Imóveis da Comarca no prazo de 30 (trinta) dias, sob pena de incidência da multa diária"e assim que registrado o parcelamento, a requerida EDNA FERNANDES CASTILHO deverá outorgar as escrituras aos adquirentes/proprietários de lotes assim que solicitados por eles, sob pena de incidência da multa diária.
Caberá ao Juízo de origem a fixação do valor das multas e sua periodicidade.
Pelo exposto, DÁ-SE PROVIMENTO ao recurso do Município de São João da Boa Vista para Julgar Extinto sem Resolução do Mérito, em relação a ele a Ação Civil Pública, em conformidade com o art. 485, VI, do CPC/2015, e PROCEDENTE EM PARTE a apelação do Ministério Público do Estado de São Paulo, nos termos da fundamentação.
ALCIDES LEOPOLDO
Relator
Assinatura Eletrônica