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- 2º Grau
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Inteiro Teor
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO
Registro: 2020.0000689683
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1000124-75.2020.8.26.0127, da Comarca de Carapicuíba, em que é apelante AMIL -ASSISTÊNCIA MÉDICA INTERNACIONAL S/A, é apelado CARLOS ALBERTO ANATÓLIO SILVA.
ACORDAM , em sessão permanente e virtual da 7ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: Negaram provimento ao recurso. V. U., de conformidade com o voto da Relatora, que integra este acórdão.
O julgamento teve a participação dos Desembargadores LUIZ ANTONIO COSTA (Presidente sem voto), RÔMOLO RUSSO E MARIA DE LOURDES LOPEZ GIL.
São Paulo, 27 de agosto de 2020.
MARY GRÜN
Relatora
Assinatura Eletrônica
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO
VOTO Nº: 20479
APEL. Nº: 1000124-75.2020.8.26.0127
COMARCA: CARAPICUÍBA
APTE. : AMIL ASSISTÊNC IA MÉDICA INTERNACIONAL S/A
APDO. : CARLOS ALBERTO ANATÓLIO SILVA
PLANO DE SAÚDE. NEGATIVA DE COBERTURA. Autor que pretende compelir a ré a oferecer cobertura para o procedimento de remoção cirúrgica e biópsia de “neoplasia maligna do tecido conjuntivo e de outros tecidos moles”. Sentença de procedência. Apelo da ré. Impossibilidade de escolha pelo plano do método de tratamento de doença coberta. Direito do consumidor ao tratamento mais avançado, prescrito pelo médico, com melhor eficácia à doença que o acomete. Precedentes. Procedimento indicado pelo médico para tratamento de doença coberta. Súmula 102 deste E. TJ. Cobertura devida. Não comprovação pela ré de que há, na rede credenciada, estabelecimento e profissionais habilitados para a realização da cirurgia nos moldes prescritos. Custeio integral do procedimento cirúrgico indicado devido. Dano moral. Conduta que agravou momento crítico da vida do paciente, provocando sentimento de insegurança se a postura da ré colocaria em risco o seu tratamento, que inclusive foi atrasado em virtude da negativa. Indenização devida. Quantum indenizatório bem arbitrado. Recurso desprovido.
Vistos .
Trata-se de “AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER
C.C COM PEDIDO DE LIMINAR EM TUTELA DE URGÊNCIA” (sic)
ajuizada por CARLOS ALBERTO ANATÓLIO SILVA em face de
AMIL ASSISTÊNC IA MÉDICA INTERNACIONAL S/A.
Às fls. 28/29 foi deferida a tutela de urgência a
f i m d e “ i m p o r à r é a o b r i g a ç ã o d e l i b e r a r , e m a t é 5 (c i n c o) d i a s ,
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autorização para realização da cirurgia indicada, com cobertura de todos
os procedimentos materiais, sob pena de multa diária de R$ 1.000,00
(mil reais) por dia de atraso, até o limite de R $ 30.000,00 (trinta mil
reais)” .
Sobreveio a r. sentença (fls. 175/177),
disponibilizada no DJe de 12/05/2020 (fls. 179), que julgou a ação
nos seguintes termos:
“Ante o exposto e o que mais dos autos consta, JULGO PROCEDENTE a presente ação, para ratificar a tutela anteriormente concedida, bem como condenar a ré ao pagamento da importância de R$ 6.000,00 em virtude dos danos morais, devidamente corrigido a partir desta data até o efetivo pagamento, incidindo juros moratórios de 1% ao mês a partir do evento danoso, conforme Súmula 54 do E. STJ.
No mais, julgo extinto o processo, com fundamento no art. 487, inciso I, do CPC.
Sucumbente, arcará a ré com as custas e despesas processuais, além de honorários advocatícios fixados, em benefício do patrono da parte adversa, no patamar de 10% (dez por cento) sobre o valor total atualizado da condenação.
P.R.I.”.
Inconformada, apela a ré (fls. 180/201).
Pugna pelo recebimento do recurso no duplo
efeito.
Alega que não restou comprovada nos autos a
negativa de cobertura em desfavor do apelado, tendo em vista que
ele tão somente solicitou locais credenciados, não requisitando
q u a l q u e r t i p o d e a u t o r i z a ç ã o p a r a r e a l i z a ç ã o d e e x a m e , o q u e
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caracteriza a falta de interesse de agir pela ausência de pretensão resistida.
No mérito, sustenta que “ante a obrigatoriedade do respeito à lei e as cláusulas contratuais, o que não foi observado pela parte contrária quando promoveu a contenda em epígrafe, calha informar que o Autor aderiu a contrato coletivo junto a esta operadora” (fls. 185).
Reitera que “o Autor, seja em sua exordial ou nos documentos acostados, não comprova suposta negativa em seu desfavor, até porque impossível seria esta comprovação pelo simples fato de inexistir qualquer obste ao procedimento requerido. Conforme dito acima, o pleito autoral estava em análise de autorização” (fls. 186), complementando que “o autor alega que esta Ré negou liberar o exame e não junta qualquer comprovação, apenas número de protocolo de pedido de indicação de locais credenciados que realizam o exame” (fls. 188).
Tece que “não pode a Autora requerer tudo que quiser, sem respeitar os limites contratuais firmados, haja vista que a contraprestação paga pela operadora é diretamente proporcional ao risco que o contrato está abarcando, impossível cobrir qualquer procedimento/exame/medicamento que esteja fora desta abrangência. A utilização de dispositivos constitucionais, como observado na peça de ingresso é totalmente descabida, haja vista que o agente responsável por garantir os direitos constitucionais aos cidadãos é o Estado, especificamente, no âmbito da saúde, que deve garantir o direito a saúde de forma universal às pessoas, é o Sistema Único de S aúde” (fls. 189), acrescentando que o dever de serviço de saúde de forma integral é apenas e tão somente da União, Estados e Municípios, por força do q u e d i s p õ e a C o n s t i t u i ç ã o F e d e r a l e n ã o d o s a g e n t e s d a i n i c i a t i v a
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provada, no exercício da livre atividade econômica, do exercício regular do direito, cujo exercício à saúde é suplementar.
Ainda quantos aos danos morais, pontua que agiu no exercício regular de um direito previsto em lei, não devendo ser compelido a indenizar o autor por dano de qualquer natureza.
Subsidiariamente, caso não seja esse o entendimento aplicado, requer que sejam observados os princípios da razoabilidade e proporcionalidade para fixação do quantum devido.
Pretende a reforma da r. sentença a fim de que a ação seja julgada improcedente.
Recurso tempestivo, regularmente processado e preparado (fls. 206).
Contrarrazões pela autora (fls. 208/215).
É o relatório .
O autor ajuizou a presente demanda visando compelir a ré a oferecer cobertura para o procedimento de remoção cirúrgica e biópsia de “neoplasia maligna do tecido conjuntivo e de outros tecidos moles A679 pinta não especificada”.
DUPLO EFEITO
A r. sentença foi disponibilizada no DJe de 12/05/2020 (fls. 179), portanto, sob a vigência do Código de
Apelação Cível nº 1000124-75.2020.8.26.0127 - JV 20479 5
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Processo Civil de 2015, que estabelece que “começa a produzir efeitos imediatamente após a sua publicação a sentença que: (...) V confirma, concede ou revoga tutela provisória” (art. 1012, § 1º, V do CPC/2015).
Portanto, ante a confirmação da tutela antecipada na r. sentença, o presente apelo tem efeito apenas devolutivo.
O parágrafo terceiro do dispositivo legal em comento, por sua vez, esclarece que “§ 3º O pedido de concessão de efeito suspensivo nas hipóteses do § 1º poderá ser formulado por requerimento dirigido ao: I - tribunal, no período compreendido entre a interposição da apelação e sua distribuição, ficando o relator designado para seu exame prevento para julgá-la; II - relator, se já distribuída a apelação.”.
Diante disso, deveria a recorrente ter pleiteado a concessão do efeito suspensivo pretendido pelo requerimento adequado, sendo descabida, a este tempo, qualquer discussão acerca dos efeitos atribuídos ao apelo em razão da expressa disposição legal.
MÉRITO
É abusiva cláusula que exclui a cobertura de procedimentos quando se compreendem necessários para o êxito do tratamento, uma vez que a disposição vai de encontro com os objetivos inerentes à própria natureza do contrato, com violação ao art. 51, IV e § 1º, do Código de Defesa do Consumidor e ao art. 424 d o C ó d i g o C i v i l :
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CDC, Art. 51. São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que: (...)
IV - estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a bo -fé ou a eqüidade; (...)
§ 1º Presume-se exagerada, entre outros casos, a vantagem que:
I - ofende os princípios fundamentais do sistema jurídico a que pertence;
II - restringe direitos ou obrigações fundamentais inerentes à natureza do contrato, de tal modo a ameaçar seu objeto ou equilíbrio contratual;
III - se mostra excessivamente onerosa para o consumidor, considerando-se a natureza e conteúdo do contrato, o interesse das partes e outras circunstâncias peculiares ao caso.
CC , A rt. 424. Nos contratos de adesão, são nulas as cláusulas que estipulem a renúncia antecipada do aderente a direito resultante da natureza do negócio.
A cobertura deve compreender o método mais
atual para o tratamento da doença, sempre com a indicação médica
específica para o paciente, sendo um desrespeito à dignidade da
pessoa humana obrigar o paciente a se submeter a método
ultrapassado ou sem eficácia para seu caso.
A operadora de plano de saúde não pode se negar
à cobertura de tratamento indicado pelo médico do beneficiário
(fls. 19) para doença abrangida pelo contrato. Ressalte-se inclusive
que o autor afirmou que referido profissional era preposto da
requerida, argumento esse que ela não rechaçou.
Tal como pacificado pela edição da Súmula 102 da
S e ç ã o d e D i r e i t o P r i v a d o d e s t e E g r é g i o T r i b u n a l : “ H a v e n d o e x p r e s s a
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indicação médica, é abusiva a negativa de cobertura de custeio de
tratamento sob o argumento da sua natureza experimental ou por não
estar previsto no rol de procedimentos da ANS”.
Desse modo, é abusiva a recusa da ré porque é de
competência do médico, e não da operadora do plano, a escolha da
terapia relativa à patologia da paciente, patologia esta coberta pelo
plano.
Nesse sentido, deixando clara a exclusiva
competência do médico para a eleição do tratamento, já decidiu o
Egrégio SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
Seguro saúde. Cobertura. Câncer de pulmão. T ratamento com quimioterapia. Cláusula abusiva.
1. O plano de saúde pode estabelecer quais doenças estão sendo cobertas, mas não que tipo de tratamento está alcançado para a respectiva cura. Se a patologia está coberta, no caso, o câncer, é inviável vedar a quimioterapia pelo simples fato de ser esta uma das alternativas possíveis para a cura da doença. A abusividade da cláusula reside exatamente nesse preciso aspecto, qual seja, não pode o paciente, em razão de cláusula limitativa, ser impedido de receber tratamento com o método mais moderno disponível no momento em que instalada a doença coberta.
2. Recurso especial conhecido e provido. (...)
N a verdade, se não fosse assim, estar-se-ia autorizando que a empresa se substituísse aos médicos na escolha da terapia adequada de acordo com o plano de cobertura do paciente. E isso, pelo menos na minha avaliação, é incongruente com o sistema de assistência à saúde, porquanto quem é senhor do tratamento é o especialista, ou seja, o médico que não pode ser impedido de escolher a alternativa que melhor convém à cura do paciente. Além de representar severo risco para a vida do consumidor. (...) É preciso ficar bem claro que o médico, e não o plano de saúde, é responsável pela orientação terapêutica. Entender de modo diverso põe em risco a vida do consumidor.
( REsp 668216/SP, Rel. Ministro CARLOS ALBERTO M E N E Z E S D I R E I T O , T E R C E I R A T U R M A , j u l g a d o e m
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15/03/2007, DJ 02/04/2007, p. 265 g.n.)
Na hipótese vertente, de acordo com o documento de fls. 27, a requerida cancelou a cirurgia pela inexistência de prestador com acordo comercial para realização do procedimento, sem indicar qualquer outro local que pudesse realizar o procedimento de que necessitava o autor, referente à doença coberta pelo plano de saúde.
Não é justo que o contrato dê cobertura a patologia, mas a operadora não ofereça os meios, entenda-se, rede credenciada, para o tratamento.
Outrossim, por se tratar de relação de consumo, caberia à ré comprovar a existência de outros estabelecimentos credenciados com profissionais habilitados para a realização da cirurgia de que o autor necessitava.
A despeito da facilitação da defesa do consumidor pela inversão do ônus da prova (art. 6º, VIII, do Código de Defesa do Consumidor), tem-se que os documentos acostados aos autos pelo autor foram capazes de comprovar que de fato houve a negativa de cobertura pela requerida.
Outrossim, tem-se que o direito pleiteado diz respeito à saúde do autor, o que evidencia o direito a um tratamento adequado, não merecendo acolhida a tese da requerida de que ele deveria ter se utilizado do SUS.
O autor é beneficiário do plano de saúde fornecido pela requerida e como tal possuía direito ao atendimento pleiteado.
Apelação Cível nº 1000124-75.2020.8.26.0127 - JV 20479 9
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Desta feita, não se pode exigir do autor que busque primeiramente atendimento no SUS, rede pública de saúde, já que é beneficiário de plano de saúde particular.
Em relação aos danos morais, entendo que o ocorrido foi capaz de causar dano moral indenizável, uma vez que se trata de doença séria (câncer na perna esquerda) e que além de se agravar com o tempo, houve indicação de cirurgia pois a demora poderia acarretar uma lesão mais grave que poderia causar limitações da sua locomoção.
Pelos documentos acostados pelo autor é perfeitamente possível concluir que houve pedido de internação desde 19/12/2019 (fls. 22).
O procedimento foi agendado para o dia 30/01/2020.
No dia 30/12/2019 a ré, em reposta à solicitação nº 208283788, informou o cancelamento do procedimento apontando como motivo “prestador sem acordo comercial para realização do procedimento” (fls. 27), sem a indicação de clínicas e profissionais habilitados que o pudessem realizar.
Considerando todos os argumentos tecidos, bem como ter sido a tutela de urgência deferida em 13/01/2020 (fls. 28/29), três dias após o ajuizamento da presente da ação (10/01/2010), é perfeitamente possível concluir que a negativa da ré postergou o início do tratamento do autor.
Logo, a requerida certamente provocou Apelação Cível nº 1000124-75.2020.8.26.0127 - JV 20479 10
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sentimento de insegurança e dúvida, pois sua conduta poderia colocar em risco o tratamento do autor que já se encontrava em momento de extrema fragilidade.
Com esse entendimento:
“C onquanto geralmente nos contratos o mero inadimplemento não seja causa para ocorrência de danos morais, a jurisprudência desta Corte vem reconhecendo o direito ao ressarcimento dos danos morais advindos da injusta recusa de cobertura de seguro saúde, pois tal fato agrava a situação de aflição psicológica e de angústia no espírito do segurado, uma vez que, ao pedir a autorização da seguradora, já se encontra em condição de dor, de abalo psicológico e com a saúde debilitada”.
( REsp 918392/RN, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 11/03/2008, DJe 01/04/2008 g.n.)
No tocante ao quantum indenizatório de R$ 6.000,00, considerando ainda que não houve nenhuma insurgência do apelado, este não se mostra exorbitante, sendo adequado à extensão do dano, diante dos elementos pontuados acima.
DISPOSITIVO
Diante do exposto, pelo meu voto, nega-se provimento ao recurso.
O presente apelo foi interposto sob a égide do atual CPC, que determina o arbitramento de honorários advocatícios em recurso (art. 85, § 1º, CPC). Assim, majoro os honorários advocatícios fixados para os patronos do autor em 10% para 15% do valor da condenação, nos termos do art. 85, § 11, do C P C .
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MARY GRÜN
Relatora
Apelação Cível nº 1000124-75.2020.8.26.0127 - JV 20479 12